O decoro do BBB e o decoro parlamentar 

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  • Da Redação

Publicado em 20 de março de 2023 às 05:00

- Atualizado há um ano

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O debate público cada vez mais tem se aproximado dos reality shows. Nos últimos dias, um deputado praticou homofobia em pleno Congresso Nacional e dois participantes do BBB praticaram assédio contra uma mulher. Em ambos os casos, os autores sabiam que estavam em rede nacional. Mas, apenas um deles se sente vitorioso, justamente aquele com potencial de dano maior.

O deputado, em pleno Dia Internacional da Mulher, fez uma performance grotesca, mas muito bem planejada. Subiu à tribuna com uma peruca feminina e disse que “agora se sentia mulher”, para atacar e diminuir as mulheres de verdade transexuais, como se elas fossem caricaturas e farsantes como ele. Um ato de agressão que devia envergonhar todo o Congresso e todos os parlamentares, porém claramente um ato calculado.

Ele sabia que a dinâmica das redes e a dinâmica usual da política o favoreciam. Atacava um dos grupos muito discriminado, logo a circulação da infâmia teria eco nas inseguranças de muita gente. Homofóbicos e machistas gostam de mimetizar mulheres, cis ou trans, enquanto as agridem. Assim como os foliões do bloco Muquiranas em Salvador, o legislador usou esse expediente. Freud explica.

O deputado contava também com a ajuda involuntária de democratas que fizeram circular o vídeo ao responder ou compartilhar os seus posts nas redes sociais e, mesmo ironizando ou criticando, lhes deu mais engajamento e alcance. Além disso, o colocam na posição que queria: representante legítimo da cruzada de ódio e preconceito. Parece contraditório, mas é óbvio que ele quer essa fama. Não é o primeiro que age assim. 

O deputado calcula ter ao seu lado a omissão de parlamentares incapazes de compreender que também são alvos do ataque, assim como toda a democracia. A essa altura, ninguém deveria estar pensando em vantagens ou desvantagens para governo ou oposição. A questão que se impõe novamente é a seguinte: é legítimo o exercício de um mandato para atacar minorias, pregar ódio ou violência?

Um dos fundamentos da República é o respeito à dignidade da pessoa humana. Um dos seus objetivos é a promoção do bem de todos (inclusive homens e mulheres trans), sem preconceito ou qualquer outra forma de discriminação. Esses preceitos são a razão de existência do país, segundo a nossa Constituição. Liberdade de expressão, inclusive e principalmente no exercício de funções públicas, não abrange o direito a promover o ódio.

Sophia La Banca, jornalista do canal Meteoro Brasil, relatou de forma emocionada o quanto foi doloroso para ela o processo de assunção da identidade trans. Lembrou como evitava beber água por medo de precisar ir ao banheiro e ser agredida. Narrou como era constrangida por PMs dentro da própria faculdade em que estudava. A mulher de verdade chorou enquanto o parlamentar ria.

A Constituição também afirma que o membro do legislativo cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar perderá o mandato. Sophia e todas as mulheres trans merecem que o Congresso reaja rapidamente da forma prevista em lei. Não precisam de bate-bocas em aviões e cancelamento no twitter. 

Dizem que o BBB, no fundo, é um programa sobre política. Os participantes precisam fazer alianças e disputas entre si, sem esquecer do julgamento do público externo. Quando os dois homens assediaram a mulher, o programa rapidamente os excluiu. A mensagem é que na política do BBB não vale tudo. Participante machista perde a legitimidade de ser participante e sai. Certamente, já houve outros episódios, mas agora foi dado um basta. 

E o Congresso, quando dará um basta? Até quando haverá permissão para ser machista, homofóbico, racista ou pregar a morte? A tribuna admite a propagação de discursos de ódio? A atividade parlamentar pode ser ridicularizada com performances chulas? Um programa de TV tem mais preocupação com a civilidade dos seus membros que um poder da República responsável por fazer as nossas leis? A ação ou omissão da Câmara de Deputados definirá se o decoro e a civilidade exigidos de um jogador de BBB são maiores que os esperados de um parlamentar. 

Rafson Ximenes é defensor Público