ENTREVISTA

'A aprovação automática pode ser uma armadilha', diz Guilherme Bellintani, ex-secretário de Educação

Bellintani afirmou que é preciso se compreender por que as escolas têm reprovado os estudantes

  • Foto do(a) author(a) Rodrigo Daniel Silva
  • Rodrigo Daniel Silva

Publicado em 2 de maio de 2024 às 05:00

Guilherme Bellintani
Guilherme Bellintani Crédito: Reprodução

Ao falar sobre a portaria 190/2024 editada pela Secretaria de Educação da Bahia, o ex-secretário de Educação de Salvador, Guilherme Bellintani, afirmou que a aprovação automática pode virar uma “armadilha”. Se a medida pode acolher um aluno reprovado, por outro lado, pode descredibilizar o sistema de ensino e excluir o estudante de outra forma. “Não pela saída da escola, mas pela manutenção de uma escola que não consegue avançar pedagogicamente”, afirmou.

Bellintani ainda afirmou que é preciso se compreender por que as escolas têm reprovado os estudantes, e elaborar políticas públicas para reduzir o número. Ele ainda defendeu a participação da iniciativa privada na gestão das unidades escolares da rede pública, mas ressaltou ser contra a terceirização do projeto pedagógico .

O que tem feito depois que deixou a presidência do Bahia? Tem pretensão de voltar para a vida pública?

Pelo meu espírito, pela minha informação e pela minha história, desde muito jovem, eu sempre me preocupei com a vida pública. Isso nunca vai sair de mim, mas o meu momento, só do ponto de vista profissional, é de dedicação a minha vida empresarial. Esse é o momento que eu estou agora.

"Em algum momento, quem sabe (eu volto para a vida pública)"

Guilherme Bellitani
Empresário e ex-secretário de Educação 

Então, tem planos de voltar a para a vida pública, mas sem prazo?

Com certeza (quero voltar). Eu tive várias oportunidades de sair e morar fora, e eu nunca quis, eu tenho o desejo de viver aqui (em Salvador) por toda a minha vida. Quem tem a vida pública como conceito de formação, como eu tive, sempre vai estar preocupado com as coisas da vida pública. Então, em algum momento, quem sabe (eu volto para a vida pública), mas o meu foco agora é completamente diferente.

"A escola é importante, a estrutura física é importante, a merenda é fundamental, mas sem projeto pedagógico, sem formação de professor, não vai para lugar nenhum "

Guilherme Bellintani
Empresário e ex-secretário de Educação 

O senhor já foi secretário de Educação. Como avalia a Educação hoje na Bahia?

Precisa atacar o que, para mim, é o tema mais relevante da educação, que é o projeto pedagógico e a formação de professores. Para mim, todas as outras coisas são secundárias. Quando a gente tem um projeto pedagógico com objetivo, foco muito claro, e a formação de professor têm, de fato, o grande caminho de transformação da educação. A escola é importante, a estrutura física é importante, a merenda é fundamental, mas sem projeto pedagógico, sem formação de professor, não vai para lugar nenhum. E acho que tanto a prefeitura quanto o estado tem muito a evoluir nesse aspecto.

O senhor tem sido um crítico da portaria 190/2024 do governo do estado. O que pensa sobre essa medida, que é chamada pelos professores e coordenadores da rede estadual de “portaria da aprovação em massa”?

A aprovação automática tem um propósito e, ao mesmo tempo, é uma armadilha. Ela, de certa forma, pode ter um propósito quando, em determinada idade da criança, do jovem, ela funciona como um modelo de acolhimento e de integração da criança dentro do sistema educacional. Ou seja, se você usa como regra a criança que tem dificuldade, ela automaticamente será reprovada, você está optando por um caminho de exclusão. Mas quando ela é feita de forma genérica, quando a aprovação se torna uma coisa geral, automática, ela faz o contrário. Ela tira a credibilidade do sistema e, naturalmente, termina excluindo as pessoas de uma maneira diferente. Não pela saída da escola, mas pela manutenção de uma escola que não consegue avançar pedagogicamente. Eu diria que ela (a portaria) em si não é necessariamente um problema a depender da fase educacional, mas pode vir a ser um problema a partir do momento em que vira um espelho de uma escola que não prodrigue. Não coloca o sistema de avaliação como algo importante na sua estrutura. Avaliar o aluno é fundamental.

O que tem levado a Bahia a ter altos índices de reprovação?

A discussão principal é entender o que está gerando aquela reprovação e qual é a solução para aquilo. Qual é a política pública que precisa ser implementada para que não haja tanta reprovação? Se você fala só da reprovação, parece que você está colocando no aluno a principal responsabilidade sobre o rendimento dele. E no processo educacional não é assim que funciona. Isso é bem importante. O aluno não é o principal responsável pela avaliação dele próprio. Eu acho que é uma combinação de fatores (para os altos índices). Primeiro que a educação no estado é uma educação, em geral, de crianças mais velhas e de jovens. Que é do Fundamental 2 e Ensino Médio. E no Fundamental 2 e no Ensino Médio, os jovens já têm dispersões. No Fundamental 1 e na Educação Infantil, a gente não encontra. Depois, ele (o estudante) começa a se interessar por outras coisas e a escola já não tem aquela atratividade que deveria ter para o jovem. A escola de hoje, independente de ser no estado da Bahia ou em outro, é uma escola já antiga. É uma escola que já não consegue captar do jovem a atenção necessária. O cara aprende de muitas outras formas, e a escola não está respondendo mais por aquela atenção. Então, se você for olhar no Ensino Fundamental 2 no Ensino Médio, a evasão é muito maior.

Por que na rede privada o desempenho é melhor no Ensino Fundamental 2 e no Ensino Médio?

Na iniciativa privada, é um estudante que tem uma infraestrutura tanto econômica quanto uma estrutura familiar um pouco mais sólida. Se o pai e mãe não podem levar o filho da escola, tem um motorista que leva a criança, que vai de carro. Se você for olhar o índice de faltas na escola pública, segunda-feira é um dos dias que mais tem índice de falta na escola pública. Por quê? Porque muitas vezes crianças que não têm uma estrutura familiar adequada, que o pai é usuário de droga, que é alcoólatra, que a mãe é sozinha, isso tudo gera uma dificuldade familiar na estrutura das crianças que estudam na escola pública. Muito maior do que as crianças que estudam em uma escola privada. Então, a gente tem uma combinação de qualidade da escola, estrutura familiar e perfil do aluno. É lógico que o aluno também é importante nessa história toda. Mas a composição disso dentro da estrutura familiar e da qualidade da escola é fundamental.

Em São Paulo, o governo quer privatizar a gestão da escola. A Secretaria de Educação diz que a intenção da medida é liberar as unidades escolares de tarefas burocráticas para permitir dedicação às questões pedagógicas. O que pensa desta ideia?

Eu acredito muito em um bom movimento da iniciativa pública, dos governos, seja governo ou da prefeitura, em reduzir o peso da gestão escolar, no sentido da gestão propriamente dita, da gestão da escola e não da gestão de projeto pedagógico. Eu vou dar um exemplo aqui. Quando eu fui secretário, a gente ampliou muito a terceirização da merenda escolar. Então, a gente passou, em vez de a merenda escolar ser produzida pela própria escola. A gente ampliou o contrato para que a merenda escolar seja uma responsabilidade de uma empresa terceirizada. Teve um impacto extremamente positivo na satisfação da escola e, portanto, o gestor escolar passou a ter mais tempo para cuidar de outras coisas. Então, essa é uma iniciativa muito positiva. Outra coisa bem positiva, por exemplo, quando você fala segurança escolar, manutenção da escola, gestão de toda a parte de estrutura da escola, eu acho muito positiva. Agora, falar em terceirização da escola no sentido pedagógico, eu não acredito nisso. Eu acho que o poder público tem condição, sim, de promover um projeto pedagógico diferenciado. E tem uma série de exemplos bem sucedidos disso pelo Brasil.

A polarização no país tem prejudicado a educação?

Eu acho que a polarização tem prejudicado tudo, inclusive a educação. Eu acho que esse caminho que o país tomou recentemente de achar que a vida é formada por dois times, o azul e o vermelho, o time A e o time B, isso não funciona em nenhum lugar. Isso só gera prejuízo.

O senhor deseja voltar a ser secretário?

Não, zero. O meu papel eu já fiz. Eu sei começar ciclos, mas eu sei também fechar.

Descarta ser candidato a algum cargo na eleição deste ano?

Sim, completamente. É completamente fora de propósito. Meu foco é absolutamente empresarial. Voltar a ter mais tempo para minha família, como eu tenho dito sempre. Profissionalmente, quero me dedicar às minhas empresas e aos meus negócios. Isso me dá muito prazer.

Está dedicado ao setor de esporte e ao futebol?

Sim, um dos meus projetos empresariais é justamente de investimento na área de futebol. Eu montei uma empresa, chamada Squadra Sports, e a gente acabou de concluir agora a SAF do Londrina, e vamos também investir em outros clubes e outros projetos na área de futebol.

Que projetos e clubes?

A gente quer ter um clube aqui na Bahia. Esse é um propósito, e um clube em São Paulo. Então, eu diria que, no primeiro ciclo, nosso projeto é ter, além da atuação no Londrina, ter também um investimento em um clube em São Paulo e um clube aqui na Bahia. O clube da Bahia. Estamos mapeando e negociando. Ainda estamos conversando.

Em 2022, o senhor chegou a conversar para integrar a chapa da oposição?

Não, de jeito nenhum. Em 2022, eu estava completamente focado no Bahia e na recuperação do clube. O Bahia tinha caído para a segunda divisão e o meu foco era terminar o meu mandato, voltar o Bahia à Série A e a SAF. Então, eu estava no meio da negociação da SAF, e precisando pagar o meu débito que eu tinha com a torcida que era colocar o Bahia de volta na Série A.

Em 2026, pretende estar na disputa eleitoral?

Veja, eu não planejo a minha vida no médio e longo prazo. Procuro não decidir muito as coisas de longo e médio prazo, mas, em princípio, não tenho nenhum foco na política em curto prazo. Inclusive, em 2026. Na condição de empresário e cidadão, eu vou estar de alguma forma envolvido.

E se fosse convidado para integrar uma chapa majoritária em 2026?

Não tenho esse propósito.