O farejador de descobertas

Entrevista com João Cavalcanti

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 12 de agosto de 2019 às 04:55

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Betto Jr

Quem é

João Cavalcanti  é formado em Geologia, com extensão em Engenharia de Minas pela Universidade Federal da Bahia. É reconhecido por suas descobertas minerais, dentre as quais a mais importante foi a jazida ferrífera em Caetité, que deu origem ao projeto Pedra de Ferro, em fase de implantação pela Bamin. Atualmente se dedica à Companhia Vale do Paramim, da qual é presidente. Baiano de Caculé, se define como um profissional que gosta de estar em campo, buscando novos minerais. Recebeu da Assembleia Legislativa da Bahia o título de Cidadão Benemérito da Liberdade e da Justiça Social João Mangabeira.

João Carlos Cavalcanti tem muito a dizer. “É a minha primeira entrevista em quatro anos”, conta. O que o geólogo que se notabilizou pela descoberta de ferro em Caetité não fez foi ficar parado. “Gosto de estar em campo, pisar no barro, subir o morro atrás de minério”. Ele se diverte contando que, na estrada, é comum pedir ao motorista que pare repentinamente o carro para que ele averigue alguma potencial descoberta. “A equipe que trabalha comigo já sabe, vem todo mundo atrás, com caderninho na mão”, ri. Agora, quinze anos depois da descoberta que o tornou famoso, o JC, como é conhecido o baiano de Caculé, apresenta o resultado de sua mais recente incursão: a província mineral do Vale do Paramirim. “Está sendo considerada a maior descoberta mineral do Século XIX”, garante. 

Por que se descobrem tantos minérios na Bahia ultimamente? A Bahia só depende da infraestrutura. Se este estado fosse um país, seria autossuficiente em todos os recursos minerais. A Bahia tem petróleo, tem ferro, agora em grande quantidade. Temos cobre, com a Caraíba Metais produzindo. Tem minas de ouro e tantos outros produtos minerais que se fosse um país, seria autossuficiente. Hoje a economia brasileira vem se segurando nas commodities. A principal delas no setor mineral é o ferro. Com essa lacuna que estamos vendo no mercado, por conta de problemas nas barragens de rejeitos, onde se deixou de produzir 90 milhões de toneladas com o fechamento das unidades lá em Minas Gerais, o nosso estado – é importante que a população saiba disso – pode ser a solução para este vazio. A Vale do Rio Doce vai ter que mudar o sistema de suas barragens de rejeitos e deixou de produzir 90 milhões de toneladas. Quem poderá preencher este gap é a Bahia.

Existe potencial para suprir quanto deste mercado? Só a Bamin e a CVP, a Companhia Vale do Paramirim, atenderiam este gap aí. Hoje nós temos na CVP mais de 1,6 bilhão de toneladas em reservas. Esta empresa, que é uma associação minha a um fundo de investimentos, e da qual eu sou presidente, teria condições de atender essa demanda junto com a Bamin. O que vocês precisam entender é que o Porto Sul, que já está bastante avançado, prestes a ser licitado, tem uma capacidade para movimentar 40 milhões de toneladas por ano. A Bamin tem uma previsão de movimentar 20 milhões de produto comercializável. Não nos primeiros anos, mas é um minério de alta qualidade, tão bom quanto o minério de ferro de Carajás. Nós também temos um projeto para movimentar 20 milhões de toneladas. 

Onde é a sua mina? É no Vale do Paramirim, onde já existe a exploração da magnesita, usada para fazer refratários básicos. Ali você teve também em 1954, em Boquira, a descoberta das minas de chumbo e zinco. Depois, teve a descoberta do único distrito uranífero da América do Sul, em Lagoa Real. Em 1948, durante a construção da antiga ferrovia Leste Brasileira, que ligava Salvador a Minas, descobriram-se as reservas de manganês. A Vale chegou a lavrar na região. 

Como foi a descoberta do minério de ferro? Se dizia que não tinha minério de ferro na Bahia. Seu amigo aqui foi convocado por um grupo de investidores que questionou o seguinte: ‘quer dizer que existe minério de fero em Minas Gerais e no Pará, mas não existe entre esses dois estados?’. Eu já era um geólogo conhecido e me fizeram o desafio. Eu coloquei um jovem engenheiro de Minas na biblioteca e coloquei pra estudar a literatura. O cara encontrou um trabalho de 1849, de Sebastião Acauã. Ele era o intendente da Chapada Diamantina. Ele chega à Fazenda Pedra de Ferro e faz um relatório dizendo que ‘no município de Caetité, há não sei quantas leguas do Rio São Francisco tinha uma fazenda chamada Pedro de Ferro, que tinha tantas reservas quanto o quadrilátero ferrífero’. Em 1879, Reneé Preneé, da Escola de Ouro Preto, confirmou a informação.  Já em 1937, outro engenheiro, da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, a convite do ex-senador Juracy Magalhães, antes da Segunda Guerra, seguiu o roteiro dos dois primeiros e tornou a confirmar a presença de ferro no mesmo lugar. Várias empresas de mineração lavraram o manganês ali perto e ninguém viu este depósito. Peguei todo esse material e fui ao campo. Topei com uma das maiores reservas de minério de ferro do país. 

Mas como foi a descoberta mais recente, da CVP? Ali já tinha a magnesita, o chumbo e o manganês, três distritos. Com a nossa tecnologia de exploração, descobrimos mais cinco províncias. Esse conjunto todo (mostra um mapa da região). Nós estamos melhores que Carajás, este que é o choque. Eu fiz o lançamento na Presidência da República em julho do ano passado, para o ex-presidente Michel Temer. Eu tentei apresentar antes aqui na Bahia. Apresentei ao Ministério de Minas e Energia, ao diretor-geral da Agência Nacional de Mineração (AMN), Vitor Bicca. Só a Bahia tem isso. Olha o que Carajás tem: ferro, manganês, cobre e ouro. Isso é uma província. Nós temos no Vale do Paramirim, que envolve 32 municípios, ferro, cobre, zinco, grafeno, que é usado nas baterias dos carros elétricos e  fosfato para a agricultura. 

Qual é o estágio do projeto?  Nós saímos do estágio de prospecção, depois de um ano de trabalho. Utilizamos uma tecnologia que é mais objetiva. Ao mesmo tempo em que estávamos prospectando, íamos furando. Por isso a velocidade. Enquanto as outras empresas mapeiam primeiro, a gente em paralelo já estávamos utilizando sondas. Vamos completar dois anos de trabalho ainda. Essa descoberta vem sendo considerada pela geologia mundial como a maior descoberta do Século XXI. Não sou eu quem diz isso, são entidades, o próprio Ministério de Minas e Energia, empresas estrangeiras... São 20 milhões de toneladas só de ferro, mas além disso, temos cobre, zinco, material para a agricultura... O Brasil importa esses produtos atualmente. O minério de ferro é o produto mais consumido pela humanidade. Um apartamento de três quartos precisa de 1,5 toneladas de vergalhão. Um carro leva uma tonelada de ferro. Não tem substituto. 

Então, vocês estão na fase de exploração?  Estamos furando, conhecendo mais a reserva, largura, teor... Já fizemos ensaios tecnológicos e temos uma novidade. É o único projeto brasileiro que não vai precisar de barragem de rejeitos. 

Por que não?  Porque o nosso minério é magnético. É igual ao de Kiruna, na Suécia. Nós estamos com uma reserva de um mineral chamado magnetito que é magnetita pura e não precisa de barragem de rejeitos. É o que está chamando a atenção do mundo para a nossa Bahia. É a única reserva do tipo de que se tem notícias no Brasil. Saí de Boquira, na paleta mesmo, em um dia de domingo e encontramos. Estamos com uma estimativa de uns 700 milhões de toneladas. Kiruna, na Suécia, sustentou a Europa durante os séculos XVIII e XIX com esse minério. Lá é subterrâneo, a nossa mina é a céu aberto. Você caminha sobre 27 quilômetros de minério. 

Por que não precisa de barragem?  A barragem é muito importante quando se trabalha com o itabirito. Nós e a Bamin temos a hematita e itabirito. A hematita pura tem um alto teor de ferro, que Minas não tem mais, não precisa de barragem de rejeitos. É só britar. A CVP ainda tem a magnetita, que é um minério de magnetito, que é de alto teor e não precisa britar, nem moer, nem fazer plotação. Eu só preciso de imas para fazer uma separação eletromagnética. Eu vou pegar o minério no morro, vou britar e não vou precisar usar água. O itabirito precisa de água. Eu não vou precisar. 

Quanto você já investiu e quanto ainda precisa investir no projeto?  Eu sou um descobridor de jazidas. Me chamam de perdigueiro, fui considerado inclusive por algumas universidades e entidades internacionais como o maior geólogo do mundo. Eu passei quatro anos em período sabático.

Por que você teve este período sabático?  Eu montei diversas empresas, fui sócio do Eike (Batista), do Daniel Dantas, da Votorantim. Quando você faz uma grande operação, como a que fiz quando vendi a Bamin, que envolve grandes valores, existe uma cláusula de não competição. 

Quais são os próximos passos da CVP?   Meu modelo de trabalho consiste em descobrir a jazida, fazer os ensaios para comprovar a descoberta e a partir daí, eu faço um leilão privado. 

Sua empresa seria como uma CBPM (Companhia Baiana de Pesquisa Mineral) privada?  Exatamente isso. Com a velocidade que infelizmente o poder público nem sempre consegue ter. A CBPM tem um dos maiores acervos técnicos de conhecimento. Atualmente tem uma direção que é visionária. O presidente da CBPM, o senhor Antonio Carlos Tramm, e o secretário de Desenvolvimento, João Leão, me deram um apoio extraordinário. Leão, diga-se de passagem, me apoiou desde a primeira descoberta. 

Então, você pretende leiloar esta nova descoberta? No momento ainda não decidi. Tem dois grandes grupos internacionais que me procuraram. Colocar uma mina desta para operar envolve investimentos de R$ 3 a R$ 4 bilhões. Isso só a mina de ferro. 

Agora, tudo isso depende da ferrovia... Claro, sem ferrovia não vai acontecer nada. Nós fomos procurados pelo governo federal para saber qual a nossa expectativa de movimentação de cargas. O que acontece é que a Fiol já é uma realidade. Faltam menos de 100 quilômetros no trecho 1. 

Potencial para a mineração será discutido A Bahia tem mais de 40 tipos de minérios, com potencial para a exploração. Integrantes da cadeia de produção do setor se reunem na próxima quarta para discutir os investimentos em inovação e os caminhos para uma atuação mais sustentável no setor. 

A Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM) e a Secretaria de Ciência Tecnologia e Inovação da Bahia (Secti), promovem, com o apoio do CORREIO, o 1º Fórum Internacional de Inovação e Sustentabilidade na Mineração, que tem como patrocinadores Companhia Vale do Paramirim, Bahia Mineração (Bamin), Sindicato das Industrias Extrativas de Minerais (Sindimiba) e a Vanádio de Maracás S/A.

Entre as presenças já confirmadas no evento estão Alexandre Vidigal de Oliveira, que é Secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia (MME), Victor Bicca, que é diretor-geral da Agência Nacional de Mineração (ANM), e Rinaldo Mancin, diretor do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). 

Presidentes de mineradoras com projetos na Bahia, como Paulo Misk, presidente da Vanádio de Maracás, e Eduardo Ledsham, da Bahia Mineração (Bamin), também já confirmação a participação no evento. O fórum será realizado na Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), no Stiep, com o credenciamento a partir das 08h e as atividades das 09h às 17h30. 

Gustavo Roque, coordenador do Mining Hub, em Minas Gerais, é outra presença confirmada. A instituição criada para fazer uma ponte entre o setor e empresas de inovação é considerada um modelo para o hub que será apresentado na Bahia, durante o fórum.