Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Tailane Muniz
Publicado em 9 de julho de 2019 às 20:28
- Atualizado há 2 anos
Há cinco dias, o motorista João Bosco Amorim de Moura, 48 anos, recebeu a notícia de que a única filha mulher, a dançarina Gabriela Amorim, 24, estava morta. Para piorar, a informação era de que a jovem, que havia saído de casa, em Fortaleza, no Ceará, para uma viagem de trabalho, perdeu a vida após ser atingida por tiros disparados por policiais militares, durante uma ação no município de Irecê, no centro-norte baiano.>
À reportagem, João Bosco, disse que não teve maiores informações sobre as investigações, além das versões dos três sobreviventes: que garantem que os policiais não se identificaram enquanto militares e, por isso, Gabriela e os demais ocupantes de uma Hilux SW4 preta - uma cantora e um sanfoneiro, também baleados; outra dançarina e o motorista do veículo -, não pararam. >
As vítimas, todas de Fortaleza, e integrantes da banda de forró Sala de Reboco, se apresentavam pelo interior da Bahia. Na narrativa da PM, o grupo furou dois bloqueios e trafegou na contramão - o que a corporação usa como justificativa para a “abordagem ostensiva”. Na perspectiva de um pai órfão, que enterrou a filha há três dias, no entanto, o que importa, agora, é encontrar meios de explicar para o neto, diariamente, que ele não voltará a ver a mãe, com quem conviveu por seis anos. Gabriela tinha 24 anos e deixou um filho de seis (Foto: Acervo Pessoal) “Não tenho notícias nenhuma sobre o que houve, nem o que vai haver. Só sei que está muito ruim, muito difícil. Meu neto toda hora pergunta pela mãe, e a gente não sabe mais o que fazer. A verdade é que ele precisa de um psicólogo, mas nós temos dificuldade porque é algo caso”, comentou o motorista, ao lembrar que a filha criou o neto sem a ajuda do pai.Segundo João Bosco, Gabriela, que dançava há cerca de sete anos, nunca contou com o pai do garoto, que sequer conheceu a criança. “Nenhum de nós conhece esse cara. Minha filha era uma guerreira, porque trabalhava, fazia os trabalhos com dança e ajudava minha mulher em casa para auxiliar na renda e aí, agora, um vazio”, lamentou João, que declarou ter apoiado a filha desde que ela anunciou a gravidez, aos 17 anos.>
“Eu sei que fiz de tudo. Fiz um quartinho e coloquei ela e meu netinho e assim a vida foi passando e fomos levando. Foi nessa profissão que ela encontrou um jeito de ganhar um dinheirinho a mais, e gostava muito de dança, de forró”.>
‘Não vou perder a perna’ Baleada de raspão nas nádegas, a cantora da banda, Joelma Rios, 44, recebeu alta do Hospital Regional de Irecê, para onde todas as vítimas foram socorridas, ainda na manhã seguinte do crime. Já o sanfoneiro Eliedelson Possidônio Júnior, 32, que ficou ferido em uma das pernas, precisou ser transferido para o Hospital Geral do Estado (HGE), em Salvador.>
Ele permaneceu na capital até a manhã desta terça-feira (9), quando foi transferido para o Hospital Regional da Unimed em Fortaleza. Em vídeo gravado pouco antes da transferência, músico comemora o fato de não ter precisado amputar a perna.“Vim de Irecê para cá, os médicos constataram que eu não vou perder a perna e que os vasos sanguíneos e as artérias estão certinhos".Irmão da vítima, o apresentador de TV Waldo Possidônio afirmou ao CORREIO que o irmão já está internado e deve passar por novos exames e, talvez, outras intervenções cirúrgicas. Eliedelson chegou a ser submetido a duas cirurgias em Irecê.>
Em entrevista ao CORREIO, a mãe do sanfoneiro, a empresária Conceição Mendes, 56, reiterou que a versão do filho também é de que ele e os colegas acreditaram que estavam sendo seguidos por bandidos. “O carro deles estava na estrada, já seguido por este carro com os policiais, sem qualquer identificação. Diminuíram a velocidade, o carro não ultrapassou. Quando aumentaram a velocidade, os militares aumentaram também, e aí, claro, qualquer um pensaria que era um carro com bandidos”.>
Investigações O coordenador da 14ª Coordenadoria Regional do Interior (Coorpin/Irecê), Almir Fernandes, responsável pelas investigações, afirmou, no entanto, que as três viaturas envolvidas na ação da Polícia Militar não estavam descaracterizadas.>
Ele acha difícil que os ocupantes do carro não tenham visto a identificação das companhias por desconhecimento. “A pessoa passar e não conhecer é difícil, só se tiver problema de visão”, completou.>
De acordo com o delegado, ao todo, eram 10 policiais de três companhias diferentes: quatro da Rondas Especiais (Rondesp/Chapada), três da companhia independente da PM local e outros três do Pelotão de Emprego Tático Operacional (Peto). Todos já foram ouvidos.>
O CORREIO voltou a procurar a Polícia Civil que, por meio da assessoria, afirmou que as investigações estão em curso e que não forneceria, neste momento, maiores detalhes: “Para não interferir na apuração”, disse a pasta. Em resposta ao CORREIO, a PM informou que o caso está sob a apuração da Polícia Civil. >