O prédio que virou símbolo da Justiça: conheça a história do Fórum Ruy Barbosa

Edifício que já foi sede do TJ-BA completa 70 anos nesta terça-feira (5)

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  • Thais Borges

Publicado em 5 de novembro de 2019 às 05:04

- Atualizado há um ano

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Escadaria por Marina Silva/CORREIO

Os críticos não perdoavam: diziam que o então governador da Bahia, Otávio Mangabeira, tinha construído um elefante branco no meio da cidade. No dia 5 de novembro de 1949, após anos de idas e vindas nas obras, era inaugurado o Fórum Ruy Barbosa, em Nazaré. Mangabeira, contam os mais antigos, respondia de forma objetiva: não tinha construído um fórum para 1949. Era para o futuro.

De fato, o fórum que foi a sede do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA) até 2000 coleciona histórias, fatos marcantes e uma enorme importância para o Direito e para o Judiciário baiano. Nesta terça-feira (5), quando completa 70 anos de inaugurado, é também a data em que se comemoram os 170 anos do nascimento do baiano que lhe dá nome – o advogado, jurista, político e diplomata Ruy Barbosa, morto em 1923. 

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O fórum foi criado para atender a uma demanda antiga: a de concentrar, em um único local, todas as sedes da Justiça baiana. Antes, tudo ficava disperso."Esse era um anseio de toda a comunidade jurídica, durante muitos anos. Ele (Ruy Barbosa) encontrou com os desembargadores em 1919 e isso deve ter sido discutido”, diz o desembargador Lidivaldo Reaiche, presidente da Comissão de Festejos dos 70 anos do fórum, 170 anos de Ruy Barbosa e dos 410 anos do TJ-BA. É no fórum que, desde a fundação, estão os restos mortais de Ruy Barbosa e sua mulher, Maria Augusta. “É um dos prédios mais bonitos e conservados de Salvador”, completa o desembargador. Após uma cerimônia que incluiu o descerramento de uma placa e a colocação de uma coroa de flores na cripta do jurista, nesta segunda-feira (4), a programação festiva continua nesta terça – mas na sede atual do TJ, no Centro Administrativo da Bahia (CAB). 

Às 17h, será inaugurado o Monumento Ruy Barbosa, criado pelo artista plástico baiano Tati Moreno. De acordo com o desembargador, trata-se de uma estátua interativa – o público poderá sentar ao lado do jurista. Além disso, ainda será lançada a 2ª edição do livro Antecedentes Históricos do Fórum Ruy Barbosa. 

No fórum, uma exposição com objetos pessoais, móveis e livros que pertenceram a Ruy Barbosa, ficará aberta ao público por um mês, com acesso gratuito. 

Anos de obras A primeira tentativa de construção do fórum aconteceu mais de duas décadas antes: no dia 6 de julho de 1923, a pedra fundamental foi colocada no local onde hoje fica o Campo da Pólvora – na época, conhecido como Campo dos Mártires. Na época, o governador era José Joaquim Seabra, enquanto o desembargador Pedro Ribeiro presidia o TJ. 

Só que o sonho custou a sair do papel. O presidente do TJ só conseguiu fazer com que o projeto começasse, de fato, entre 1935 e 1937. Mas por pouco tempo. Em 1937, o presidente Getúlio Vargas instaurou o Estado Novo. Naquela ditadura, que duraria até 1945, restrições orçamentárias paralisaram a obra. 

A construção só veio acontecer, de fato, em 1947, mesmo ano em que Otávio Mangabeira se torna governador da Bahia.“Era uma promessa antiga fazer a sede do tribunal ali. Por fim, o governador Otávio Mangabeira definiu que seria inaugurado com o centenário de Ruy Barbosa”, diz o pesquisador Saulo Dourado, colaborador do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), professor da Uneb e autor de um livro sobre Ruy Barbosa. Ruy Barbosa tinha sido sepultado em Petrópolis, no Rio de Janeiro, onde morreu e também onde morou durante os últimos anos de sua vida. Sua esposa, Maria Augusta, morrera um ano antes da inauguração do fórum, em 1948. Mas após negociações com o governo do Rio, os restos mortais dos dois foram trazidos para Salvador. 

Os restos mortais de Ruy Barbosa chegaram no dia do centenário de seu nascimento – também dia em que o fórum homônimo foi homenageado. Depois de aportar no Porto de Salvador, o caixão seguiu, em procissão e coberto pela bandeira do Brasil, acompanhado por uma multidão. “Ruy Barbosa era uma figura de destaque popular. Era uma procissão com bandinhas, fanfarras, governador, militares caminhando até a Avenida Joana Angélica. Foi um carnaval, uma festa cheia”, afirma o pesquisador Saulo Dourado. Existem até imagens oficiais, feitas pelo governo da Bahia, na época, desse momento: trechos do filme Volta Ruy à Terra Natal, um documentário, estão disponíveis no YouTube. “Você tem a elite de Salvador e a massa popular em volta, como aconteceria hoje com uma grande figura desfilando no carro dos Bombeiros. Não é desorganizado. É como um desfile do Dois de Julho”, explica Dourado. 

Ao chegar no fórum, o caixão é colocado na cripta e o busto de Ruy Barbosa, feito pelo artista plástico Mário Cravo Jr., é instalado. Além do rosto do jurista, Mário Cravo Jr. também produziu águias, que eram uma alusão ao fato de Ruy Barbosa ter sido chamado de Águia de Haia (veja abaixo). 

A inauguração foi durante o dia. À noite, naquele mesmo dia 5 de novembro de 1949, houve a solenidade de formatura da Faculdade de Direito da Bahia – que, sete anos mais tarde, se tornaria a Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba). A cerimônia normalmente acontecia no dia 8 de novembro, mas, naquele ano, foi antecipada. O orador, naquela noite, também era um nome conhecido: o ex-governador Waldir Pires, morto em 2018. 

Monumental Na época em que foi construído, o Fórum Ruy Barbosa foi anunciado como um dos maiores edifícios do país. Segundo documentos da época, o prédio foi construído em uma estrutura de cimento armado com 5,5 mil m³ de concreto e 496 quilos de ferro. As paredes chegam a medir 35 mil m², enquanto os pilares de concreto quase alcançavam oito mil metros. 

Daí em diante, é uma sequência de números grandes: foram usadas 1.226 peças de esquadrias de madeira, além de 50 mil m² de revestimentos internos e seis mil m² de revestimentos de fachada. Os quatro andares somam uma área de 20 mil m². Ao todo, foram investidos mais de 45 milhões de cruzeiros. 

O projeto que foi tocado em 1947 era muito parecido com o que teria sido iniciado em 1937, feito pela Companhia Construtora Nacional. Na época, o governador Otávio Mangabeira solicitou que o arquiteto Diógenes Rebouças, então diretor da Comissão do Plano de Urbanismo da Cidade do Salvador, assessorasse as obras. 

Além de Mário Cravo Jr., outro artista foi convocado para o projeto: o escultor Ismael de Barros, que ficou responsável pelo conjunto de colunas greco-romanas, em mármore, ao redor do mausoléu que recebeu os restos mortais de Ruy Barbosa. 

Desde a sua construção, pouca coisa mudou, de acordo com o desembargador Lidivaldo Reaiche. A estrutura continua praticamente igual.“A diferença é que, antes, aqui, funcionavam a 1ª e a 2ª instâncias. Hoje, tem só a 1ª instância, porque o TJ foi para o CAB”, explica.Além disso, em 1975, foi construído o anexo Orlando Gomes. 

Lá dentro, o local que antes abrigava o Fórum Criminal passou a ser o Fórum das Famílias. O criminal, por sua vez, migrou para um prédio em Sussuarana. “Esse fórum é importante, primeiro, porque é um monumento”, completa o desembargador. O curioso era que, lá no começo, quando foi inicialmente pensado, o fórum não devia se chamar Ruy Barbosa. “Aos poucos, o nome foi sendo incorporado, provavelmente, em 1937”. 

Ruy Barbosa acumulava destaques em diferentes áreas, inclusive o Direito

Ruy Barbosa é difícil de ser definido. Nascido em Salvador, em 1849, ele teve várias profissões: advogado, político, jornalista, diplomata, escritor, tradutor. Se destacou em todas. “Ele teve múltiplas funções. Foi também um homem muito dedicado à abolição da escravatura”, diz o desembargador Lidivaldo Reaiche, presidente da comissão de festejos pelo aniversário de Ruy Barbosa no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). Mas talvez a que ele mais tenha se destacado seja o Direito. “Ele é uma figura de destaque no direito como fator fundamental da política. Com isso, ele teve vários debates, tanto na Bahia, quanto no Rio de Janeiro”, explica o pesquisador Saulo Dourado, colaborador do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), professor da Uneb e autor de um livro sobre o jurista. “Ruy Barbosa é a pedra de fundamento do constitucionalismo brasileiro”, afirma o pesquisador. De acordo com Dourado, Ruy Barbosa era considerado uma figura ‘civilista’. Ele teria dado início a toda uma escola de políticos, na Bahia, que são, ao mesmo tempo, intelectuais, zelosos pela Justiça e que tinham um projeto de nação. 

“Ele é como se fosse o patrono dessa geração de políticos baianos que cuidam tanto do estrutural quanto do cultural. É como se ele fosse um padrinho dessa política”.