'O sono é a melhor vacina para a imunidade', afirma especialista em medicina do sono

Assista programa Saúde & Bem-Estar e veja entrevista com Francisco Hora

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  • Adele Robichez

Publicado em 29 de setembro de 2020 às 20:09

- Atualizado há um ano

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A pandemia alterou o sono de muitas pessoas: insônia, ronco, excesso de sono são alguns dos sintomas de possíveis doenças. Vários problemas, até cardíacos, podem surgir como consequências de noites mal dormidas, por isso é importante estar atento a este momento da rotina. Para uma melhor noite de sono há horário limite para realização de exercício físico, jantar e alguns hábitos viciantes como consumo de cafeína e uso do celular.

“A nossa mente interfere no nosso sono e sonhos são sinais de que nosso sistema cognitivo está funcionando bem”. É o que diz Francisco Hora, médico especialista em medicina do sono, com doutorado pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), e coordenador do Laboratório do Sono do Hospital Português (HP) e foi a convidada da live Saúde & Bem-Estar no Instagram do CORREIO apresentada pelo jornalista Jorge Gauthier nesta terça feira (29).

Reveja a live e confira os principais pontos abordados na entrevista: 

Com a pandemia todas - ou quase todas as pessoas - tiveram ou ainda estão com problemas para dormir. Por quais fatores a ansiedade reflete no sono?  O sono é resultado da vigília. O que você faz no dia a dia vai ser refletido no sono e vice-versa. Na verdade, como diz Fernando Pessoa, “somos muito mais aquilo que pensamos do que somos”.

Quais os efeitos que uma noite mal dormida causa no corpo? E quando é a hora de procurar um especialista? Quanto mais velho, mais difícil é de recuperar o sono perdido. Principalmente idosos pois tem a fisiologia do sono mais frágil. As estatísticas consideram que quando a pessoa dorme mal 3 vezes por semana ou por mais de 3 meses passa a ser um problema crônico e merece um cuidado maior.  Uma noite mal dormida pode causar irritabilidade, problemas com a memória, concentração e no cognitivo. Há também possibilidade de queda de imunidade: o sono é o melhor repositor de imunidade. Na pandemia, o recomendado é dormir bem. É a melhor vacina que há por enquanto. Tem como consequências também a alteração intestinal, hormonal e em todo o organismo. Não existe qualidade de vida e saúde boa com sono comprometido.

A chamada higiene do sono tem sido muito falada como a solução para o mal dormir. Como é que realmente se deve fazer essa higiene do sono?  A higiene do sono preconiza coisas óbvias - rotina, atividade aeróbica, não fazer uso de cafeína à noite, jantar na hora certa e manter relações afetivas em ordem. Há a possibilidade de interagir mesmo com a pandemia. Não perca seu tempo com relações ruins, pois isso tem impacto no sono. O que você pensa é o que faz você dormir bem ou mal, independente do travesseiro e do seu colchão. 

Qual a relação da alimentação com os problemas do sono?  Muitas pessoas têm o hábito de jantar tarde. O aparelho digestivo fica em atividade durante o sono, em digestão. O ideal é que a última refeição aconteça no mínimo 3h antes de deitar e evitar carboidratos.

Qual seria o horário limite de desconectar de dispositivos eletrônicos para se ter uma boa noite de sono?  É preciso ter disciplina. A simples exposição a tela do celular ou tablet já joga a melatonina para o espaço. A luminosidade faz com que o sono seja perdido e o conteúdo da mensagem excita a cognição. Tem hora para encerrar.

O ronco é um sinal de 'alarme'? Sim. O chamado ‘ronco ressuscita’ ativo é sinal de parada de respiração. Pode trazer sonolência excessiva, aumenta colesterol, risco de infarto e derrame cerebral durante o sono. Como diz uma campanha americana, ‘a apnéia do sono machuca o coração’. Esse problema só é possível de ser sabido durante o sono. O tratamento melhora qualidade de vida. É algo muito ruim e facilmente resolvido. 

O consumo excessivo de café interfere no sono em que medida? Tomar café sem cafeína adianta? A cafeína é uma substância adrenérgica, prima da nicotina e cocaína, promove uma descarga energética. É bom tomar no despertar e até depois do almoço. A cafeína tem efeito euforizante e no Brasil o café tem uma concentração de cafeína muito grande. É uma substância impregnada na rotina e  não faz mal tomar pontualmente. Mas tomar muito pode causar uma série de problemas. Já o café sem cafeína não tem esse efeito.

O uso de chás são recomendados para ajudar o sono? Os chás verdes  tradicionais - cidreira, por exemplo - ajudam. Eles têm potencial relaxante e são benéficos mas não devem ser misturados.  

Quantas horas de sono são ideais e como é medida a qualidade do sono? Nós nascemos, crescemos e morremos. A natureza é perfeita. O bebê tem o sono polifásico - dorme e acorda de acordo com as suas necessidades, em uma quantidade enorme de horas e de forma profunda. Ao longo da vida, a gente vai perdendo sono. O adulto, entre os 30 e 40 anos, tem como horário estimado de qualidade de sono, 6 a 8h por noite.  Mas quando se fala em biologia, nenhum número é fechado. Ninguém tem sono igual - nem gêmeo univitelino. No meio desse universo, tem os dormidores curtos e longos: 20% que dorme menos de 5h por dia e 20% que precisa mais de 8h de sono para se sentir bem. Tem influências genéticas, culturais, climáticas... A gente sente isso com fuso horário, como a adaptação é difícil. As mudanças são adaptáveis. O sono do idoso cai para 5-6 horas. E é comum na adolescência ter o retardo de fase - dormir tarde e acordar tarde. 

Quais atividades físicas e qual horário é o melhor para melhor sono? Atividade física é fundamental. A ideal é a aeróbica para o sono porque ativa neurotransmissores e produz endorfina. Já atividades como musculação não ajudam muito no sono. O melhor horário para a prática de exercícios é pela manhã. A atividade física deve ser realizada no mínimo 3h antes de dormir para não “esquentar o sangue” e impedir o sono de chegar no horário certo.

Quando o remédio para dormir é necessário? Os remédios de tarja preta funcionam bem, mas não podem ser tomados sem prescrição médica. A insônia é um sintoma, tem várias causas. Todo remédio só pode ser tomado quando necessário de acordo com prescrição médica. 

Como o idoso pode ter um sono mais adequado? O idoso tem que praticar atividade física, como caminhada diária, hidroginástica e atividade mental: se envolver em atividades que trazem ritmo e cronologia à vida. É comum no idoso a sensação de que não dorme durante a noite, mas ele tira cochilos ao longo do dia que, somados, dão uma boa quantidade de horas de sono. Idosos geralmente têm mais dificuldade de dormir por longos períodos de tempo. Para dormir bem durante a noite, o idoso deve ter uma rotina diária.

*com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier