Pantera negra baiana

Por Saulo Miguez

  • D
  • Da Redação

Publicado em 13 de janeiro de 2018 às 20:55

- Atualizado há um ano

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Larissa Luz (Foto: Reprodução/Facebook) O punho cerrado em direção ao infinito aponta a origem e o destino da música que ecoa na potente voz de Larissa Luz. Em apresentação no projeto Sou Verão, realizado pelo Jornal Correio, a cantora baiana arrepiou o público presente no Largo da Mariquita e reafirmou a possibilidade de se fazer música como discurso político sem delongas ou encheção de saco.

Indomável, tal qual a onça braba melânica, Larissa reivindica com um esturro afinado o espaço há séculos renegado às mulheres, ao povo negro e, principalmente, à intersecção dessas duas minorias. Uma fatia da sociedade que vive imprensada pela invasão muitas vezes literal - e em todos os sentidos possíveis - do seu recinto.

Ainda como os graciosos felinos, as mulheres negras cantadas e representadas à luz de Larissa precisam lançar mão das suas garras para sobreviverem à covardia do predador, que, sabendo-se incapaz de encará-las no tête-à-tête, pega-as na surdina com artifícios nada leais.

Porém, ao invés de apenas as unhas e dentes, a defesa proposta pela artista às investidas varonis envolvem todo o corpo. O que inclui bunda, quadril e cabeça. O alinhamento entre performance e discurso - e a contextualização disso - seja talvez a melhor representação (mais até do que definição) do verbo empoderar.

Com domínio absoluto do palco, corpo e mente trabalhando em absoluta e voraz sintonia, o ser de repente enche-se de uma autoridade que se manifesta, contagia, explode por todos os poros, músculos e acordes até acertar o alvo. A pancada bate segura e sacode conceitos e preconceitos, ao mesmo tempo que fortalece a fé de que um dia, quem sabe, caminharemos por uma praça onde o ser sobressairá ao social.

Nos anos 1960, Martin Luther King fez um discurso que ficou famoso e virou uma espécie de tratado da luta pela igualdade racial. Ele afirmou que os turbilhões da revolta continuariam a sacudir os alicerces da América até que o resplandecente dia da justiça despontasse.

Qualquer semelhança com a atual realidade brasileira não é mera coincidência. O racismo reflete como poucas coisas a (in)eficiência da globalização enquanto mecanismo de homogeneização de ideias e histórias.

De fato, ocorreram ganhos na luta contra o preconceito. O reconhecimento do racismo como crime é uma dessas conquistas. Mas a justiça racial, sobretudo quando o assunto são as mulheres negras, está longe de despontar. Haja vista o aumento da violência contra essas mulheres.

Em meio a tudo isso, a presença de seres como Larissa Luz, com toda a sua disposição para se entregar de corpo e alma a uma guerra que já dura muito mais de 100 anos e que a cada dia surgem novas e difíceis batalhas, é a certeza de que o sonho de Luther King de ver seus filhos serem julgados pelo caráter e não pela cor da pele está vivo e conquistando seu (meu, nosso) espaço.

"Ocupamos nosso espaço Cada passo um pedaço agora traço uma memória que eu sempre serei Falo eu porque sou nós! Grito de entranhas Ímpeto feroz Afastando atitude atroz partindo pra cima o algoz" (Larissa luz/ Pedro itan)

Texto originalmente publicado no Facebook.