Para inspirar: crianças de Salvador dão aula de consciência ambiental

Ações pelo World CleanUp Day acontecem pela primeira vez na Bahia

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  • Tailane Muniz

Publicado em 23 de março de 2018 às 02:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO

A estudante Sabrine Andrade, 14 anos, nutre um amor que vem de berço: cultivar plantas. Aos 5 anos aprendeu com o pai a importância delas para o meio ambiente. E se dizem por aí que quem ama cuida, essa é outra lição que Sabrine que cumpre à risca. "Lá em casa, eu e meus pais amamamos plantas. Nós separamos o resto de comida e fazemos nosso próprio adubo, sempre foi assim. Gostamos muito. O ar é muito melhor com elas", comenta.

Sabrine e outros estudantes e funcionários da Escola Municipal Brigadeiro Gomes, no bairro de São Cristóvão, em Salvador, participaram, na manhã desta quinta-feira (22), de uma ação do Let's Do It! – Limpa Brasil –, movimento internacional presente no país desde 2010, em parceria com o Canteiros Coletivos. Conforme a coordenadora nacional do Instituto Limpa Brasil, Edilainne Muniz, o principal objetivo da ação é conscientizar a sociedade para o descarte adequado do lixo. 

Como parte das atividades para o CleanUp Day, que acontece em 15 de setembro, as ações foram realizadas nesta quarta (21) e quinta (22) no Parque São Bartolomeu, no Subúrbio Ferroviário, e na Praça da Igreja Matriz de São Cristóvão, respectivamente.

Os voluntários recolheram 12 kg de material reciclável e, como gesto simbólico, plantaram 50 mudas de plantas como gazânia, carne seca, veludo, verbena e boa noite – além de outras espécies com características mais visuais –, nos canteiros da praça. As estudantes Geovanna e Sabrine, de 14 anos, sabem como lidar com lixo e replantio (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) Com a mão na massa, Sabrine destacou que o descarte certo do lixo é um benefício para as próprias pessoas. "O projeto [Limpa Brasil] é bem bacana. Pra mim é um prazer estar participando e não é nenhum esforço, pois é algo que já faço em casa, com meus pais. Acho que as pessoas precisam entender que isso é bom para nós mesmos. Imagine que se você descarta vidro no meio da rua ou de uma praça como essa, e uma criança vem brincar e corta o pé. É algo que pode ser evitado", comenta ela.

E continua, falando com propriedade: "Ou então, pense que você gosta de respirar um ar bom, mas pega o resto de comida e descarta de qualquer jeito. Sem saber que dá para pegar o resto de comida, fazer o adubo e plantar na própria casa. Você vai ter seu ar muito melhor e não vai ter contribuído para a sujeira do mundo". 

O que Edilainne Muniz comenta, entretanto, é que não adianta as pessoas entenderem que precisam fazer o descarte adequado sem ter o apoio do poder público e da iniciativa privada."Por isso, é importante que as pessoas saibam que há um lugar específico para que ela descarte esse material reciclável", explica.Para isso, os soteropolitanos contam com dois postos fixos da Companhia de Eletricidade do Estado (Coelba), que apoia as ações por meio do projeto Vale Luz.

Para a estudante Geovanna Santos, 14, o lixo tem várias possibilidades. "Depende do olhar. Se você parar para pensar, olhar o material reciclável com outros olhos, vai ver quanta possibilidade tem ali. Lá em casa nós só não fazemos adubo porque moramos em apartamento. Mas um grande cuidado que costumamos ter, por exemplo, é o descarte com lâmpadas e materiais de vidro. Primeiro porque pode machucar as pessoas que são responsáveis por recolher o lixo das nossas casas", pontuou Geovanna, acrescentando que participar do evento com os colegas de turma foi uma atividade interessante."É sempre bom, afinal, quanto mais novos aprendermos esses os cuidados com o meio ambiente, mais qualidade de vida teremos no amanhã", conclui Geovanna. Fundadora do Canteiros Coletivos, Débora Didonê defende que o incentivo à consciência ambiental serve para realizar grandes e pequenas transformações. "No caso destes canteiros aqui [da Praça da Igreja Matriz], não vai haver uma grande plantação, até porque não há uma estrutura adequada. Mas nossas ações defendem o plantio e cultivo de plantas medicinais, comestíveis, árvores frutíferas. Optamos, hoje, por essas de porte pouco menor e de espécie mais estética, como a gazânia. O impacto pode não ser grande, mas já faz com que o canteirinho deixe de ser a lixeirinha", diz. "E nós podemos perceber os reflexos das nossas ações quando recebemos mensagens de todos os cantos do país de pessoas que se inspiraram na gente para tentar fazer alguma coisa no seu ciclo. Na rua, no bairro, na cidade em que moram. É algo que nos incentiva e inspira muito", comenta Débora.  Voluntária do Canteiros Coletivos há quatro meses, a massoterapeuta Narjila Marina Santos, 23, contou que sua relação com a natureza sempre foi forte. Acompanhada da filha, a pequena Helen Marina, 2, ela também esteve presente no ato. "Todos nós somos ligados à natureza e eu sempre tive essa ligação com plantas. Depois que tive a Helen, justo nessa era tecnológica, resolvi que precisava aproximá-la [desse universo] e busquei equipes que fizessem plantios na cidade. Meu desejo é que ela cresça com esses valores", salienta.

Helen e a mãe plantaram mudas de boa noite. A pequena, que demonstrou intimidade com a terra, era só sorrisos. "É que minha mãe tem um terreno e estou sempre plantando lá. Onde eu vou, levo ela comigo. E ela gosta", conta. A massoterapeuta Narjila Marina Santos, 23, planta junto com a filha Helen Marina, 2 (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) Projeto Vale Luz Iniciativa da Coelba, o Vale Luz transforma redíduos sólidos em desconto na conta de energia elétrica. Conforme a Coelba, além de baratear as contas, o projeto tem o objetivo de incentivar o uso racional de recursos naturais e minimizar os impactos causados ao meio ambiente em casos de descarte irregular.

Os materiais podem ser entregues em postos fixos localizados no Salvador Shopping e no Salvador Norte Shopping, de 9h às 20h, de segunda a sábado. Papel, papelão, plásticos, metais, óleos vegetal e azeites são aceitos. 

Lixo Extraordinário Se para muita gente os materiais recicláveis não têm a importância devida, para o ex-catador de lixo Tião Santos, 39, o lixo é "extraordinário". Filhos de pais nordestinos, Tião, que é fundador do Instituto Limpa Brasil, nasceu no Rio de Janeiro e foi criado na cidade de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Durante toda infância, Tião frequentou o lixão de Jardim Gramacho na companhia da mãe e irmãos, após o pai perder o emprego.

"O lixo não é o final, mas o início de tudo. Amava o lixão", confessa ele, acrescentando que, àquela época, acreditava que era normal conviver com os urubus. Embora já tenha trabalhado como pedreiro, vendedor de gás e até empreendedor, foi aos 19 anos, ao participar de um evento sobre sustentabilidade na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que teve um estalo da importância do que fazia para o resto do mundo. 

"Eu pensei: 'pera aí, então eu não cato lixo, cato material reciclável'", caiu em si. Eis que, após conhecer o fotógrafo e artista plástico Vik Muniz, brasileiro radicalizado em Nova York, a cria do aterro de Jardim Gramacho, fechado em 2012, foi um dos protagonistas do documentário Lixo Extraordinário, dirigido por Lucy Walker, Karen Harley e João Jardim. A produção, lançada em 2010, foi indicada ao Oscar em 2011. 

Leia o bate-papo que tivemos com Tião Santos. Quando o lixo entrou em sua vida? Desde criança. Cresci e aprendi muito no lixão de Jardim Gramacho. É que meus pais, que são nordestinos, foram para o Rio de Janeiro depois que meu pai perdeu o emprego. Eu sou filho e neto de sindicalistas. Minha família chegou no Rio, meu pai virou alcoólatra e, então, minha mãe, uma mulher negra, nordestina, só tinha um caminho naquela época: fazer faxina. Mas um dia, uma conhecida dela comentou que havia um jeito de ganhar mais, mas que era um trabalho nortuno. Lembro que ela [mãe] achou que era prostituição e se assustou. Mas não, era para catar o material no aterro. Então eu passei anos indo para lá, amava o lixão. Até que virou crime criança trabalhar.  Mas por quê você gostava? Primeiro porque eu podia ajudar, afinal, sou eu e mais sete irmãos. Sendo que um morreu. Agora, somos sete.  Depois, porque as pessoas acham que o lixo é o fim mas, na verdade, o lixo é o início das coisas.  Quando você se deu conta disso? Eu descobri a importância social e ambiental do lixo quando eu já tinha 19 anos. Com essa idade, minha mãe tinha fundado uma cooperativa de catadores do Jardim Gramacho e eu participava. Então comecei a estudar e me matriculei em cursos. Um dia fui em um evento na UFRJ, chamado "sustentabilidade e o tratamento dos resíduos sólidos". Pronto, foi quando eu descobri que eu não era um catador de lixo mas, sim, um catador de material reciclável.  O que o material reciclável deixou de lição para a sua vida? A educação. Só existe um modo de mudar, que é por meio da educação. A minha geração foi muito focada no consumo. E o importante é que as pessoas saibam que consumir não é o problema e, sim, saber o que fazer depois disso. As pessoas têm uma visão muiro periférica das coisas. É importante olhar para as próprias ações e tentar compreender o que elas trazem de impacto tanto do ponto de vista social quanto ambiental.