Parentes acusam PMs de terem executado jovem em Cosme de Farias

Morte de Mateus Vitório foi no domingo. PM fala em disparos contra a guarnição

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  • Bruno Wendel

Publicado em 2 de fevereiro de 2021 às 18:21

- Atualizado há um ano

. Crédito: (Foto: Arquivo pessaol)

Com as mãos atrás da cabeça, o jovem Mateus Vitório Soares, 24 anos, atendeu a ordem de um dos policiais militares que lhe apontava uma arma a uma curta distância durante uma abordagem no bairro de Cosme de Farais. Mas nada adiantou. Ao retornar à festa de aniversário de uma idosa, mesmo sem esboçar qualquer reação, ele foi baleado no abdômen por outro PM da 58ª Companhia Independente e colocado no porta-malas de uma viatura, onde permaneceu sangrado por um tempo. Horas depois o corpo do rapaz foi deixado no Hospital Geral do Estado (HGE).  “Como isso pode? Meu sobrinho não fez nada. Ele voltava para a festa, quando deu de cara com os policiais. Ele fez tudo o que eles queriam e mesmo assim atiraram nele. Jogaram ele na viatura e deixaram sangrar lá e muito tempo depois levaram para o HGE. A mãe dele, assim que soube, foi direito para o hospital e ainda chegou primeiro que a viatura, que largou o corpo lá. A mãe dele desmaiou lá mesmo”, contou a tia Mateus, uma dona de casa de prenome Célia, 50. 

Mateus será enterrado às 15 desta terça-feira (02) no cemitério Quintas dos Lázaros. A morte dele aconteceu na tarde deste domingo (31), na comunidade da Baixa do Alto do Cruzeiro. Indignados, parentes e amigos fizeram um protesto na noite desta segunda-feira (01), fechando uma das vias da Avenida Bonocô. Logo após o sepultamento, moradores do bairro pretendem fazer uma nova manifestação.  O CORREIO procurou a PM que, por meio de nota, disse que "durante incursão na Segunda Travessa Salustiano, bairro de Cosme de Farias, às 17h30 de domingo (31), policiais militares da 58ª CIPM foram surpreendidos por indivíduos armados que efetuaram disparos contra a guarnição. Segundo informações dos policiais que estavam na ocorrência, houve revide e, durante a progressão no terreno, um indivíduo foi encontrado caído ao solo ferido com uma arma de fogo ainda em mãos".

A polícia disse ainda que uma guarnição da Rondesp Atlântico, que estava mais próxima, socorreu o homem para o Hospital Geral do Estado (HGE), mas a vítima não resistiu e morreu. Ainda de acordo com a nota, "com ele também foram encontradas maconha e cocaína. Ele foi identificado e encontrado registro de que já foi preso por tráfico de drogas".

O documento diz ainda que o fato foi registrado na 6ª Delegacia, onde foi apresentado o material apreendido: um revólver calibre 38 com três munições deflagradas e duas picotadas, 12 pinos de cocaína, 54 trouxas de maconha e um aparelho de celular. Em relação às denúncias, a PM solicitou que sejam registradas na Corregedoria da Polícia Militar para que todos os envolvidos sejam ouvidos e os fatos sejam devidamente apurados, e afirmou que o fato será investigado através de um Inquérito Policial Militar (IPM).

Festa Mateus morava com alguns parentes em Sauípe, no Litoral Norte. Lá, ele vendia artesanatos, como chapéus, bolsas, sandálias, brincos, tudo isso numa barraca na praia. Recentemente, ele veio para Cosme de Farais passar uma temporada com a mãe, a doméstica Jacilene Vitório. No início da tarde de domingo, ele participava de um churrasco na Travessa Sebastião, onde era comemorado os 77 anos de uma moradora, a quem Mateus tinham o maior carinho e respeito e a chamava de vó. A festa também era da neta da idosa, que também fazia aniversário no dia.  De acordo com a família de Mateus, num determinado momento, ele saiu da festa. Quando retornou, por volta das 15h30, ele encontrou um cenário diferente do que ele havia estado. “Estava todo mundo feliz, quando os policiais chegaram. A 58ª veio por cima e a Rondesp por baixo. Chegaram atirando, batendo e xingando pais e mães de família. Meu sobrinho quando viu a cena, ficou estático. Um policial já havia gritando para ele parar. Ele colou as mãos na cabeça e mesmo assim levou um tiro”, contou Célia ao CORREIO. 

Ferido, Mateus caiu em frente à casa da prima. “Ele caiu na porta de casa. Ainda estava vivo”, disse Amanda, 20. Uma outra tia de Mateus e uma vizinha tentaram socorrê-lo, mas foram impedidas pelos PMs. “Eles não deixaram. Mandaram elas se afastarem dele, começaram a xingá-las de desgraça”, contou Célia.   Parentes disseram ainda que Mateus foi levado para as imediações do fundo de um prédio onde há algum tempo funcionou a sede uma autarquia da prefeitura. “Puseram ele dentro da mala da viatura e o deixaram lá, para sangrar. A mãe dele chegou primeiro ao HGE e a viatura com o corpo do menino chegou horas depois”, contou a tia. Ainda de acordo com ela, o rapaz já tinha apanhado algumas vezes de policiais. “Às vezes quando ele vinha aqui, pegavam ele para bater, tiravam foto. Recentemente, a gente pediu para ele não vir mais para cá, por causa dessas coisas, mas ele dizia que não devia nada polícia”, relatou Célia.  Além da morte de Mateus, parentes do rapaz disseram que moradores foram agredidos pelos policiais, entre eles uma senhora que está internada no HGE para fazer uma cirurgia. “Ele foi empurrada numa escadaria por um policial e fraturou pernas e braços. Ela vai passar por três cirurgias”, relatou Célia.   Truculência O episódio de domingo na Baixa do Alto do Cruzeiro não foi o caso isolado. Foi a terceira ação truculenta da PM em uma semana. “A gente não sabe porque eles estão fazendo isso. A essa a terceira vez em setes dias que chegaram assim, batendo, xingando, sendo que essa última foi a pior de todas”, disse Jane Amoredo, 25, moradora.  Os moradores temem também pelas vidas das crianças. “Somos pais e os nossos filhos não têm mais o dinheiro de brincar na porta de casa, pois podem ser vítimas de uma bala perdida da polícia. No domingo, a rua estava cheia de meninos e meninas. Quando as viaturas chegaram, as mães saíram puxando elas, no maior desespero. Muitas crianças chorando. Antigamente, a polícia abordava e pedia os documentos. Hoje chega barbarizando”, declarou Manoel de Jesus, 50, morador da região.