Parto normal ou cesárea? Especialistas e mães defendem suas escolhas

Debate ganhou fôlego após a duquesa Kate Middleton aparecer em público sete horas depois do parto

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  • Laura Fernades

Publicado em 7 de maio de 2018 às 06:06

- Atualizado há um ano

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Quando o teste dá positivo, a mulher se depara com uma enxurrada de dúvidas. Qual será o nome do bebê? E a cor do quarto? Onde vai comprar o enxoval da criança? Quais cuidados precisa ter com o corpo? Entre as inúmeras escolhas que tem que tomar, existe uma que demanda cuidado especial: como será o parto, normal ou cesárea?

Depois da duquesa Kate Middleton aparecer em público apenas sete horas depois do parto, o debate em torno do tema ganhou fôlego. É possível ter uma alta tão rápida no Brasil, um dos países com a maior taxa de cesáreas do mundo? Qual é o caminho mais saudável para mãe e filho? De um lado, estão os que defendem o parto normal e humanizado. Do outro, os que acreditam na cirugia cesariana como a melhor opção.

“O normal é ter normal”, aponta o obstetra e ginecologista Caio Lessa, 39 anos, presidente da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia da Bahia. Pode até parecer redundante e óbvia, mas a afirmação serve para lembrar que antes da cesárea virar febre no Brasil, o parto normal protagonizava a cena. O que não se observa hoje.

O que se vê na maioria dos casos é a realização da cesárea mesmo quando não há risco para mãe e bebê, o que contraria a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) de que a cirurgia seja feita apenas em casos de emergência, sendo a taxa ideal em torno de 15%. Mesmo que esse número de 1985 precise de atualização, ele contrasta muito com os últimos dados divulgados pela OMS: 55% dos partos realizados no Brasil são por cesárea.

Por isso, no início do ano, a OMS divulgou novas diretrizes sobre padrões globais de atendimento às mulheres grávidas para “reduzir o uso desnecessário de intervenções médicas”. Como, então, escolher o tipo de parto? A cesárea é mesmo vilã? O parto normal é o salvador da pátria? O parto humanizado é apenas moda? Como enfrentar esse dilema da maternidade?

Louca?“Você é louca? Vai sentir dor!”, “Podendo fazer cesariana, vai ter normal?”.Essas foram algumas das frases que a educadora física e capoeirista Fabrine Dias, 35 anos, ouviu ao sustentar sua decisão pelo parto normal. “É mais gente forçando você a fazer cesariana do que normal”, conta Fabrine, cuja decisão se baseou no seu medo de cirurgia e na recuperação mais rápida.

“Queria voltar a fazer minhas atividades. Gosto de me exercitar. Até roda de capoeira eu jogava grávida”, justifica a capoeirista que fez exercício periodicamente até o oitavo mês de gravidez. Trinta dias após o nascimento de João, hoje com 4 meses, já estava de volta à ativa. Até competição nacional de capoeira ela disputou, ficando entre as oito melhores. “Sem treinar, viu?”, acrescenta rindo. A educadora física e capoeirista Fabrine Dias com João, que nasceu por parto normal (Foto: Almiro Lopes/CORREIO) Mas sua experiência com o parto normal não foi só ‘mil maravilhas’. “Foi traumatizante. Se dissesse que foi uma coisa tranquila, estaria mentindo. Tive 25 horas de parto, demorou muito. Foi a maior dor que já senti na vida”, lembra Fabrine, que não se arrepende. “É difícil e você tem que estar coberta de gente que gosta de você. A gente começa a dar valor a todas as mulheres depois que passa por isso”, reflete.

Estar bem com sua decisão foi o que guiou não só Fabrine, mas também sua irmã, a enfermeira Roberta Dias, 29 anos, que optou pela cesárea. “Por ser da área de saúde, vi muitos partos problemáticos. A decisão melhor para a mulher e o bebê é o normal, mas não gosto de sentir dor, tenho medo... Eu sabia do risco e assumi”, conta Roberta.

Convicta da decisão de agendar a cirurgia, mesmo sem ter entrado em trabalho de parto, a enfermeira conta que tomou todos os cuidados necessários para que Isabella, 1 ano e 8 meses, nascesse com saúde.“Fui para a maternidade maquiada e sem dor. É uma decisão muito pessoal. Se posso escolher, então isso é inquestionável”, defende Roberta.Protagonismo As mulheres têm protagonizado cada vez mais suas escolhas. Mas isso se intensificou há apenas cinco anos, com o fortalecimento do parto humanizado. Encarado como “moda” por muitos, ele coloca a mulher no centro das decisões, conta com equipe multidisciplinar (com médico, obstetriz, doula, fisioterapeuta e outros profissionais) e respeita a fisiologia do parto, que pode ser feito em casa ou no hospital.

“O principal de tudo isso é o protagonismo da mulher. A humanização está nas práticas, não está no local, se ela vai parir na água, ou em casa. Não acredito que esse crescimento seja modismo”, pondera a doula Allegra Pitombo, 29 anos, que tem formação em enfermagem e cuja função é acolher a gestante, dar suporte emocional e físico e levar as informações sobre as práticas da obstetrícia.

Antes desse boom, porém, ter acesso à informação nem sempre foi simples. A fotógrafa Mariana Gadelha, 38, por exemplo, passou por uma cesárea na gravidez do primeiro filho, Ícaro, 21, sem refletir sobre o processo. “Era adolescente, não tinha informação e foi o auge da cesariana. Não foi uma escolha, porque não sabia o que era escolha”, lembra Mariana.

Daí veio a decisão de se informar e planejar cada detalhe da segunda gravidez. Com medo da violência obstétrica, optou pelo parto normal domiciliar. O que foi um tabu na família, já que sua mãe perdeu a mãe nesta situação. Depois de esbarrar em questões financeiras, Mariana decidiu manter a ideia, mas no hospital. Porém, após 36 horas de trabalho de parto, teve que abrir mão e aceitar a cesárea.

“Estava exausta. Foi frustrante e tive dificuldade para lidar com isso”, revela, sobre o nascimento de Bem, 1 ano e 8 meses. “Quando o médico perguntou ‘E aí, mãe, está feliz?’, respondi ‘não’. Até hoje busco o perdão de Bem. Era muito mais uma questão de ego. Se não tivesse uma rede de apoio muito forte, teria tido depressão”, revela a fotógrafa que se descobriu grávida de novo quando Bem tinha apenas 10 meses. A fotógrafa Mariana Gadelha com Bem e Noah, ambos nasceram por cirurgia cesariana (Foto: Marina Silva/CORREIO) Preocupada em sofrer mais uma vez com a expectativa, Mariana trabalhou a cabeça para que a gravidez de Noah, 3 meses, fosse mais saudável. A ideia era ter normal, mas a cesárea não seria um problema. “Pensei: venha o que vier. O que importa é que a criança saia com saúde”, lembra. Com 41 semanas, foi para o hospital e acabou passando por outra cirurgia. “Falei pra o bebê que não era o que desejava, mas que seria muito bem-vindo. Independente da via de parto, a mulher tem que ter paz”, diz emocionada.

Embate Apesar de acreditar na existência de uma indústria que faz da cesárea um negócio rentável, aproveitando “da ignorância sobre a ideologia dos partos”, Mariana destaca que a mulher não precisa se sentir menos mãe por causa disso. O mesmo defende a antropóloga Mariana Santana, 29, cuja pesquisa de doutorado na Ufba é sobre a formação dos médicos ginecologistas e obstetras e a noção de mulher, corpo e reprodução.

“Não julgo a mulher que escolhe fazer cesárea, desde que essa escolha seja bem informada. Que não seja apenas o sistema obstétrico cesarista brasileiro e sua política do medo se impondo à autonomia da mulher e ao acesso a informações”, alerta Mariana.“Cada experiência de parto é única, toda mulher merece ser tratada com respeito e ter acesso aos seus direitos enquanto sujeito”, completa Mariana.Diante do embate, o obstetra e ginecologista Caio Lessa destaca que a questão do parto é complexa e está “mergulhada em vários problemas”. Um deles é que o Brasil é um país endêmico em cesariana. “Por algum tempo, teremos dificuldade de diminuir essa taxa, porque temos um ‘estoque de mulheres cesareadas’, para as quais não seria recomendado o parto normal”, pontua.

Outro ponto destacado diz respeito ao custo, já que uma cirurgia desse tipo gira em torno de R$ 5 mil reais e um parto normal R$ 20 mil. Além disso, há uma desproporção nos honorários do médico que tem que montar dois tipos de logística para cada situação, recebendo o mesmo valor para realizar uma cesárea, que dura entre duas e quatro horas, e um parto normal, que pode durar mais horas.

“Existe uma indústria, mas não no sentido pejorativo. É um modelo econômico não-sustentável - que o convênio remunera pouco - e que a sociedade não se organizou para discutir como merece. Falta estrutura adequada para o parto normal”, reconhece.“O caminho é rediscutir o modelo econômico e apostar na atenção multidisciplinar. Isso vai agregar valor à mulher e acho que ela tem que participar mais desse debate”, convida Dr. Caio Lessa.“Não conseguia ter relações sexuais direito", revela Bela Gil sobre o pós-parto