Pedreiro construiu marquise que desabou e causou a própria morte, diz filha

Obra aconteceu há 20 anos e não apresentava sinal de irregularidade, segundo proprietária

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 7 de julho de 2020 às 05:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

O pedreiro Sulivaldo dos Santos Menezes, 47 anos, que morreu nesse domingo (5) após o desabamento de uma marquise na Rua da Jaqueira, em Periperi, trabalhou na construção do espaço. Essa é a informação passada pela secretária escolar Sara Dantas, 41 anos, filha de seu José, mais conhecido como Nem, dono do bar onde Sulivaldo estava no momento do acidente.  

“Ele sempre foi um pedreiro respeitado e trabalhador. Suas obras nunca tiveram problema. Ele que bateu a laje, há 20 anos. Isso que é o mais assustador. Se ele soubesse que tinha algum erro, com certeza não estaria aqui”, disse Sara. Ela atendeu a reportagem no lugar do pai, que estava muito abalado com o acidente e não podia falar. 

A marquise que caiu fica no primeiro andar da casa de dois pavimentos. Embaixo, além do bar, seu José mora com outras cinco pessoas. Em cima, Sara vive com a filha. “Não vimos nenhum sinal de que esse acidente pudesse acontecer. A marquise é o local onde eu coloco as roupas no varal. Eu não teria arriscado a minha vida e a da minha filha, se soubesse que algo do tipo iria ocorrer”, garantiu.

O acidente aconteceu na noite desse domingo (5), por volta das 18h30. Além de Sulivaldo, outros três homens estavam na calçada, consumindo bebidas alcoólicas. Dois foram identificados pelos vizinhos como Anselmo e Edelvandro e precisaram ser encaminhados para o Hospital Geral do Estado (HGE). O outro homem, identificado pelos vizinhos como Evan, foi encaminhado para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Periperi, e já recebeu alta. Não haviam pessoas em cima da marquise.  Sulivaldo era frequentador do bar afetado pelo acidente (Foto: Arquivo Pessoal) Foram os próprios vizinhos que fizeram o trabalho de retirada dos escombros e deram os primeiros atendimentos às vítimas. “Eu percebi que ele não estava mais respirando, mas ainda tinha batimentos cardíacos. Reforcei com o Samu a necessidade da urgência no atendimento, pois não tinha os aparelhos necessários para fazer alguns procedimentos”, lembrou a vizinha do bar e técnica de enfermagem, Marcia Meireles, 32 anos.  

A assessoria da Secretaria de Saúde de Salvador (SMS) informou que o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi acionado às 18h45, mas a equipe só deu disparada 10 minutos depois, às 18h55, vindo a chegar no local do acidente às 19h24, quase 1h após o acidente. “A Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros chegaram primeiro que a Samu”, disse Marcia.  

Dor  Pai de cinco filhos, dois homens e três mulheres – uma adotada -. Sulivaldo foi descrito pela família e moradores da Rua da Jaqueira como um rapaz que não negava trabalho. Não foi difícil encontrar pessoas que disseram já ter feito alguma intervenção na sua residência com o auxílio do pedreiro. “Ele rebocou a minha casa e nunca teve nenhum problema. Foi nascido e criado nessa rua”, lembra a vizinha Vanilda Conceição, 49 anos.   Larissa Santos é uma das cinco filhas de Sulivaldo (Foto: Marina Silva/CORREIO) No bar que Sulivaldo estava também funcionava uma mercearia, sendo um local bastante frequentado da rua. “Ali era o nosso point. Muita gente que frequenta o espaço escapou, pois tem o costume de ficar no local. Eu mesmo ia para lá beber”, disse Vanilda. Um dos mais assíduos frequentadores era Sulivaldo, que passou a beber mais nos últimos anos de vida. “A gente sempre pedia para ele sair da bebida, mas ele gostava”, disse a filha Larissa Santos, 22 anos.  

Outra pessoa que também estava no bar, mas tinha acabado de sair quando o acidente aconteceu, foi o filho de Sulivaldo, Robert Santos Menezes, 17 anos. “Eu estava ali com um amigo conversando. Tinha acabado de sair quando, do nada, ouvi o estalo. Eu estava de costas. Quando virei, só vi a fumaça. Eu vim correndo para tentar ajudar. Fiquei segurando na mão dele esperando o Samu. Como é duro perder um pai”, disse Robert. Larissa também conta que a família vem passando por dificuldades, acentuadas nesse período de pandemia e pede ajuda, que pode ser dada por meio do telefone dela (71-98603-0369).  Por pouco, Robert não foi uma das vítimas do acidente (Foto: Marina Silva/CORREIO) Segundo o diretor da Defesa Civil de Salvador (Codesal), Sosthenes Macêdo, a causa do acidente foi uma construção irregular sem a técnica devida somado a falta de manutenção predial. A Secretaria de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur) foi acionada para retirar os escombros e as partes soltas da marquise, o que foi finalizado na manhã dessa segunda-feira (6). Não houve problema na parte interna do imóvel. O enterro de Sulivaldo será na manhã dessa terça-feira (7), às 10h, no cemitério municipal de Periperi.  

Perigo 

Realizar obras é um serviço que necessita de apoio profissional. Entre as dicas para uma obra com maior segurança, o engenheiro civil e conselheiro do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (Crea-BA), Paulo Henrique Amorim, alerta para a necessidade de se contratar um especialista na realização de uma reforma. “Para fazer qualquer intervenção numa edificação existente, é preciso fazer uma avaliação das condições da estrutura, analisar o atual projeto da edificação e fazer o projeto da reforma, para só depois executar”, diz.  

A depender do porte da obra, segundo ele, basta contratar um engenheiro civil para garantir a segurança. É bom se lembrar também que toda construção e reforma precisa de um requisito legal, a aprovação da Sedur, que gera um alvará.   Sedur realizou a demolição total da marquise (Foto: Marina Silva/CORREIO) Depois da obra pronta, a manutenção também é importante. “Assim como é feita revisão no carro, é preciso fazer manutenção nas edificações. Nossas casas sofrem com as chuvas, poluição atmosférica, com os períodos de sol intenso. O especialista é importante para avaliar constantemente a condição de cada edificação”, destaca Amorim.  

Para o engenheiro, não vale se arriscar. “Se você tem um problema de saúde, procura um médico. Se você precisa fazer uma reforma, tem que contratar alguém da engenharia. Ao se fazer uma obra por um método não usual, dando um jeitinho, você coloca em risco a vida humana”, conclui.  Segundo a Sedur, de janeiro até junho de 2020, foram feitas cerca de 5,5 mil vistorias em construções privadas na cidade. Essas fiscalizações resultaram em 726 ações fiscais, entre notificações, autos de infração, embargos e interdições de construções ou imóveis.  Já o  Crea-BA realizou mais de 11 mil fiscalizações em todo o estado no ano de 2020, tendo como resultado quase cinco mil notificações de combate ao exercício ilegal da profissão, que é quando a obra deveria ter uma empresa registrada e/ou a presença do profissional de engenharia, agronomia e geociências, mas não tem.

* Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.