Pense no Haiti, reze pela Defensoria Pública

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  • Da Redação

Publicado em 15 de maio de 2023 às 05:00

- Atualizado há um ano

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A história da Defensoria Pública é umbilicalmente ligada à luta contra a aporofobia, o medo, a raiva e o desprezo destinado às pessoas pobres. Ela começa bem antes de se falar em Defensoria Pública, em Direitos Humanos ou em aporofobia. Nasce junto com a própria desigualdade. 

Para muitos, a pobreza seria um mal inevitável, com o qual sempre precisaríamos conviver. Normalmente, quem pensa assim, mesmo que não confesse, enxerga os pobres como inferiores. Se a pobreza é uma fatalidade para os pobres inferiores, eles nunca seriam verdadeiros destinatários de políticas inclusivas. Políticas sociais nessas bases almejarão a proteção dos ricos contra as consequências externas da miséria, como a criminalidade, a mendicância, a falta de mão de obra qualificada, ou, mais concretamente, a falta de pessoas dispostas a aceitar trabalhar o máximo em troca da remuneração mínima.

O Brasil foi o último país do ocidente a abolir a escravidão nos seus domínios. Por aqui, a pobreza sempre foi oficialmente um atributo dos não sujeitos. Mais do que em qualquer outro lugar, portanto, o acesso à Justiça de quem não possuísse recursos não era um direito. A defesa jurídica dos interesses dos necessitados dependia da bondade ou dos cálculos patrimoniais dos outros. 

Apenas em 1988, cem anos após a lei áurea, uma Constituição Brasileira instituiu a obrigação do Estado manter um órgão público para dar orientação jurídica e fazer a defesa dos necessitados. No fim da ditadura militar, era imperioso falar em democracia, liberdade e direitos sociais.  

A partir de 2003, o combate à pobreza e a redução das desigualdades ganharam uma centralidade inédita no país. Exatamente nesse momento, iniciou-se um movimento de reestruturação e fortalecimento da Defensoria Pública. Ela ganhou o status de “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado” e, mais importante, “expressão e instrumento do regime democrático”. A Constituição brasileira definiu que para saber a intensidade do respeito de qualquer governo pela democracia, devemos olhar como ele trata a Defensoria. 

Antes se dizia que os tribunais superiores eram exclusividade de pessoas com recursos financeiros suficientes para contratar os chamados “bons advogados”. Hoje, mais da metade dos recursos apresentados nestas cortes são oriundos da Defensoria Pública. Mais ainda: as pessoas pobres, representadas pela Defensoria, têm obtido um percentual de êxito maior do que as pessoas representadas por advogados. Definitivamente, a Defensoria transformou o STF e o STJ em rodoviárias.

Durante as eleições de 2022, a Defensoria baiana trabalhou para buscar a gratuidade do transporte público. A atuação incluía busca da resolução amigável e a possibilidade de judicialização. Em 46% das comarcas nas quais estava presente, a gratuidade foi assegurada sem sequer ser necessário um processo. Em 22%, o direito foi assegurado por decisões judiciais de 1ª ou 2ª instância. Mais de 6 milhões de baianos tiveram ônibus liberados. 

Logo no dia em que tentaram impedir os nordestinos pobres de votar, a democracia chegou de “buzu”, com a Defensoria. Poderiam ter sido mais, caso ela tivesse mais orçamento e alcançasse todo o território do Estado.

A proximidade com os necessitados legitima a Defensoria, mas também é a origem das suas maiores dificuldades. A instituição herdou o tratamento destinado aos pobres, herdou o ódio que eles suscitam ao se destacar e ameaçar mudar as coisas. Quando não havia nenhuma perspectiva concreta de que ela se fortalecesse, era de bom tom falar que se torcia por isso. Mas, a partir do momento em que esse fortalecimento começa a parecer real, começa a resistência. 

Ela recebe ataques surpreendentemente retrógrados e incompatíveis com o regime constitucional. O motivo real da raiva que às vezes desperta é que os seus assistidos “são quase todos pretos, ou quase pretos, ou quase brancos, quase pretos de tão pobres e pobres são como podres”. O máximo que se faz pelo Haiti é ouvir Caetano. 

Assim como Martin Luther King, eu também tenho um sonho. O sonho de que nenhum baiano sofra uma injustiça por não ter dinheiro para contratar um advogado. Por isso, peço para quem se importa realmente com a dignidade das pessoas em situação de pobreza, que ajude efetivamente a estruturar a Defensoria. Para quem não sabe, 19 de maio é o dia da Defensoria Pública. O que cada político e cada jurista baianos fizeram para garantir o direito do povo poder contar com ela? 

Rafson Ximenes, ex-defensor público geral da Bahia