Pesquisa confirma que lama da barragem de Mariana contaminou Abrolhos

Rompimento ocorreu em novembro de 2015 em Minas Gerais

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 20 de fevereiro de 2019 às 17:41

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Fernando Moraes/Rede Abrolhos

Pesquisa divulgada nesta terça-feira (20) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) aponta que corais do Parque Nacional dos Abrolhos, localizado no Sul da Bahia, “sofreram impactos significativos” dos rejeitos de minério da barragem de Fundão, que se rompeu em Mariana (MG), em 2015. Segundo os pesquisadores, “o dano é irreparável, devido à extensão atingida”.

A barragem que abrigava rejeitos de minério de ferro pertence à empresa Samarco, subsidiária da Vale, também proprietária da barragem que se rompeu em Brumadinho (MG) dia 25 de janeiro, deixando, até o momento, 169 mortos e 141 desaparecidos. Em Mariana, 19 pessoas morreram com o rompimento da barragem.

A pesquisa da Uerj mostra que os resíduos do beneficiamento de minério da barragem de Mariana se espalharam rapidamente pelo Rio Doce, até chegar ao litoral norte do Espírito Santo e ao Sul da Bahia. Mas não havia evidências até o momento de que Abrolhos, a uma distância de 250 km da costa, tivesse sido contaminado. 

Num relatório de 50 páginas, os pesquisadores apresentaram análises detalhadas sobre a presença de metais nestas estruturas marinhas, demonstrando notória incorporação de zinco e cobre, entre outros elementos. Espécies de corais coletadas em Abrolhos: Siderastrea siderea - coral cérebro e Mussismilia harttii - ramificada (Foto: Heitor Evangelista/Reprodução) O parque marinho abriga mais de 1/3 de toda a biodiversidade marinha global conhecida e é considerado o recife de corais mais importante do Atlântico Sul. De acordo com pesquisadores da Uerj, os corais são animais cnidários que vivem em colônias e segregam exoesqueletos calcários.

Colaborações A pesquisa envolveu seis laboratórios da Uerj e também contou com a colaboração da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), e teve como coordenador o pesquisador Heitor Evangelista, do Laboratório de Radioecologia e Mudanças Globais (LARAMG).

Evangelista criou uma página no facebook, a Abrolhos Sky Watch, para observar a dispersão da lama do Rio Doce até o mar. “Eu e meus alunos checávamos diariamente as imagens de satélite e colocávamos na internet para o público ir acompanhando o desenrolar do problema”, afirmou em texto de divulgação publicado nesta terça-feira no site da Uerj.

Evangelista disse ao CORREIO que coletou duas colônias de corais - o material foi analisado por dois laboratórios diferentes e deram os mesmos resultados. “No caso das presenças de cobre, zinco, lantânio e cério foram constatadas que eles estavam numa quantidade superior a mais de 10 vezes o normal”, disse.“Agora, o que temos de fazer é monitorar e ver quais são as consequências dessa contaminação, como os corais vão reagir. Pode ser que os efeitos demorem anos para aparecer, ou não. Precisamos ver qual a tolerância deles. Essa contaminação é muito preocupante porque muitos dos corais são endêmicos”, completou, reforçando que através de técnicas químicas, foi constatado que houve um pico enorme de metais pesados, que coincide exatamente com a cronologia da chegada da pluma de sedimentos da Samarco.A pesquisa, diz Evangelista, buscou saber em que medida a área foi impactada, para a partir daí “deflagrar mecanismos de monitoramento para descobrir qual vai ser a resposta biológica diante desse fato”. Ele diz que “não há como remediar, mas nós precisamos aprender com esse processo”.

O professor disse ainda que a preservação dos corais de Abrolhos já vinha sendo ameaçada pela temperatura mais alta da água dos oceanos. “Agora, precisamos monitorar levando em conta este novo fator, para antever o que pode acontecer”, acrescentou Evangelista.

O relatório da UERJ foi encaminhado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), em Brasília, e vai integrar os autos da multa ambiental aplicada à Samarco. “Até agora não havia nada provando um sinal claro da pluma da mineradora em Abrolhos. Esse trabalho é conclusivo nesse sentido”, diz Evangelista. Sequência do processamento das amostras incluindo uma radiografia (Foto: Heitor Evangelista/Reprodução) Multas A Samarco diz já ter pago mais de R$ 50 milhões em multas diversas relacionadas à tragédia e que está recorrendo de outras. Informou que até dezembro de 2018 foram destinados R$ 5,2 bilhões às ações de reparação do rompimento da barragem de Fundão.

Constituída por meio de Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado entre Samarco, suas acionistas Vale e BHP, os governos federal e dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, além de uma série de autarquias, fundações e institutos para reparar os impactos ambientais causados em novembro de 2015, a Fundação Renova informou que não teve acesso ao estudo da Uerj.

“Após tomar conhecimento de seus resultados, a Fundação poderá avaliar se o monitoramento conduzido pela Rede Rio Doce Mar poderá auxiliar na elucidação dos problemas apontados”, diz um comunicado da Fundação, que realiza monitoramentos também na região de Abrolhos, além de áreas do litoral capixaba.

Em nota, o ICMBio afirmou que "está acompanhando a repercussão da pesquisa divulgada pela UERJ desde ontem. O relatório  para o processo de apuração da infração ambiental".

A Fundação Renova informou que fechou acordo de cooperação, no valor de R$ 120 milhões, com a Fundação Espírito-Santense de Tecnologia (Fest) e a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) para ajudar a mensurar impactos ambientais do rompimento da barragem de Fundão e indicar eventuais medidas reparatórias.

Formada por pesquisadores de 24 instituições de todo o país, a Rede Rio Doce Mar monitora, desde setembro, a biodiversidade de 200 pontos ao longo de toda a porção capixaba do Rio Doce e na região estuarina, da área que vai de Guarapari até a cidade de Porto Seguro, na Bahia.

Estão sendo estudados de bactérias a baleias, além da qualidade da água, sedimentos, condições de marés e ondas, manguezais e restingas. Todos os resultados, segundo a Fundação, serão avaliados pela equipe da Câmara Técnica de Conservação e Biodiversidade (CT-Bio) e apresentados ao Comitê Interfederativo (CIF).

Entidades realizam ato em Salvador em solidariedade a vítimas de barragem Na segunda-feira (25), quando se completa um mês do rompimento da barragem em Brumadinho (MG), será realizado em Salvador um “Ato em Solidariedade às Vítimas de Brumadinho e em Defesa do Rio São Francisco”.

A atividade será às 10h30 no Campo da Pólvora e contará com a presença dos familiares das vítimas. Além da capital, os municípios de Barra, Bom Jesus da Lapa, Juazeiro e Paulo Afonso, no Oeste e Norte do estado, Penedo (AL) e Propiá (SE) também realizam atividades durante a manhã.

Organizado por entidades ecumênicas e inter-religiosas, pastorais sociais, Via Campesina, sindicatos e pela Frente Brasil Popular, os atos têm como objetivo “denunciar o crime da Vale e suas consequências para o Rio São Francisco, cujas águas podem ser contaminadas por cerca de 13 milhões de metros cúbicos de rejeitos derramados com o rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão”.

“A contaminação no Velho Chico virá dos metais pesados contidos na lama, que não ficarão alojados na hidrelétrica de Três Marias, podendo causar danos a saúde da população que depende do rio”, afirma Moisés Borges, do Movimento dos Atingidos por Barragens.

Além disso, as ações buscam prestar solidariedade às vítimas do crime - já são 169 mortes confirmadas, mas esse número pode chegar a mais de 300 vítimas, sendo pelo menos sete delas baianas, já que 141 pessoas ainda estão desaparecidas ou sem contato.

As mobilizações fazem parte de um calendário nacional de lutas em que todos os estados brasileiros também farão ações de denúncia e solidariedade no dia 25 de fevereiro. As organizações também já se preparam para atividades em 14 de março, dia internacional de luta contra as barragens.