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Da Redação
Publicado em 4 de novembro de 2019 às 14:00
- Atualizado há 2 anos
Voluntários na limpeza das praias já relataram reações ao contato com o óleo. Para além de náuseas e dor de cabeça, professores da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba) apontam que, a longo prazo, as substâncias contidas nos resíduos, como o benzeno, também podem causar câncer em quem entra em contato com o petróleo cru.>
Professor do programa de Pós-graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho da Faculdade de Medicina da Ufba (PPGSAT), Paulo Pena afirmou que o Ministério da Saúde deveria ter agido para fazer levantamentos dos riscos do contato com o óleo e da ingestão de mariscos nas localidades afetadas. Para ele, essas ações são de extrema importância para mitigar os efeitos do resíduo, seja para o corpo humano, para o meio ambiente e até mesmo de um ponto de vista sócio-econômico.>
Em nota, o Ministério da Saúde indicou que as pessoas não encostem no petróleo cru sem o uso de Equipamentos de Proteção Individual. O texto, entretanto, apenas menciona os riscos para voluntários e banhistas, deixando de lado os pescadores e marisqueiras, ressalta o professor.>
Foi para debater as consequências do derramamento de petróleo e orientar propostas a serem enviadas para o governo, que o PPGSAT realizou uma roda de conversa com pescadores, marisqueiras, voluntários e outros pesquisadores envolvidos com o tema na manhã da última sexta-feira (1º), na Faculdade de Medicina da Ufba. Pesquisadores, pescadores e voluntários se reúnem na Faculdade de Medicina da Ufba (Marina Hortélio/CORREIO) No caso dos pescadores e marisqueiros, o óleo reduz a saúde, a fonte de renda e afeta um local sagrado para os pescadores, aponta a pescadora e coordenadora da articulação nacional das mulheres pescadoras, Eleonice Conceição Sacramento. São esses fatores que fazem com que estes trabalhadores utilizem seus corpos para tirar os resíduos da costa.>
“O problema do óleo só vem agravar os riscos e das doenças relacionadas ao nosso trabalho. Existe uma nota quanto ao não consumo de pescado, mas não existe no Brasil uma orientação quanto as praias nordestinas. O estado tem tentado proteger o turismo. Isso significa que ou nós estamos muito invisíveis para a sociedade ou se decidiu que nós não somos interessantes nessa sociedade porque estamos falando do litoral do Nordeste”, contou.>
Tantos os pesquisadores quanto os pescadores caracterizam o descaso com a situação destes trabalhadores como um racismo ambiental, já que a maioria deles são negros ou indígenas. “A leitura é que por nós sermos em sua maioria negra e indígena não merecemos do estado as providências para cuidar do ambiente de trabalho, dos nossos corpos e da nossa vida”, disse Eleonice.>
Saúde A professora do departamento de medicina preventiva e social e pesquisadora do PPGSAT, Mônica Angelim ressaltou que não há exposição segura ao Benzeno - encontrado no óleo, segundo ela. “O Acordo Benzeno, firmado nos anos 90, aponta que a exposição de trabalhadores a Benzeno é 0. Não pode haver exposição para garantir que não terá algum tipo de câncer relacionado”, explicou.>
Entretanto, trabalhadores da pesca podem estar se intoxicando diariamente. Durante a roda de conversa, foi definido é preciso haver um monitoramento a médio e longo prazo da contaminação. Pesquisadores de química sugeriram que sejam feitas análises de substâncias danosas, como biomarcadores e contaminantes do mar, para orientar as decisões sobre o uso do mar e da praia.>
O Inema encomendou ao Centro de Pesquisas e Desenvolvimento (Ceped) um estudo para identificar a presença de hidrocarbonetos na água do mar. Além de câncer, Pena indicou que o benzeno pode causar malformações em fetos e alterações das hemácias, em longo prazo. “Não é algo alarmante, que possa ocorrer de uma forma generalizada com quem mantém contato. Mas isso requer uma medida de precaução para as gestantes não entrarem em contato”, afirmou.>
Quem tiver contato direto com o óleo deve ter a saúde monitorada. A professora Mônica Angelim contou que o Centro Estadual de Referência em Saúde do Trabalhador pretende fazer um cadastro para acompanhar a parcela da população que entrou em contado de forma direta com o óleo.>
Economia Eleonice relatou que os pescadores do distrito de Conceição, no município de Salinas das Margaridas, no Recôncavo Baiano, ficaram duas semanas sem conseguir vender o pescado, mesmo sem o óleo ter chegado ao local. Lá, segundo ela, cerca de 80% da população vive da renda da pesca. “A gente trabalha e precisa do resultado de imediato. Diferente dos profissionais que trabalham o mês para receber, não temos reservas. O conjunto de famílias que depende da produção está passando sérias dificuldades”, disse.>
A pescadora compreende que os consumidores estão com medo de consumir mariscos e peixes na Bahia. Para ela, é necessário ter informações consistentes e com credibilidade para informar sobre os riscos de se consumir o pescado baiano.>
“O país não vai conseguir administrar a população sendo mais ainda empobrecida, o empobrecimento ainda maior dos pescadores. Dependemos das águas. Com a proteção dos nossos ambientes de trabalho não precisamos estar à mercê das políticas assistencialistas do estado”, apontou.>
O professor Paulo Pena afirma que as notas do governo sobre o consumo de pescados não são efetivas por serem muito generalistas. “A nota do Ministério da Saúde não traz informações sobre estratégias da pasta para dar informações corretas e fidedignas das regiões atingidas pela contaminação e do marisco e peixe contaminados”, pontuou.>
Para ele, é necessário conseguir apontar quais frutos do mar estão contaminados no Nordeste, não apenas indicar que se evite o alimento.>
Orientação para o governo Com a roda de conversa, uma série de orientações devem ser levadas para órgãos governamentais, como o conselho nacional de saúde, para tentar mitigar os impactos do óleo no Nordeste. “É importante que os pescadores participem junto às instituições porque eles têm uma contribuição fantástica para o controle desse quadro”, pontuou Pena.>
Os pesquisadores da faculdade de medicina se reuniram com prefeitos de cidades atingidas pelo óleo e com a secretaria de saúde do município para alinhar as ações de combate aos efeitos do óleo.>
Dentre os pedidos e orientações, o grupo solicita que sejam feitas análises para informar a população sobre contaminação da água, estudos específicos sobre a contaminação de pescados e que haja uma destinação adequada para o resíduo. A equipe ainda compreende que a população mais afetada neste desastre ambiental são os pescadores e marisqueiros.>
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro>