Por que tanta gente abandonou as máscaras? Especialistas reforçam a importância do uso

Bahia foi pioneira no estímulo às máscaras; equipamentos ajudam a evitar a disseminação do coronavírus

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  • Thais Borges

Publicado em 27 de fevereiro de 2021 às 16:00

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

A fisioterapeuta Bianca*, 29 anos, está cansada - e não é só pelo trabalho na linha de frente do combate ao coronavírus no estado. Atuando em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) de covid-19 de dois hospitais da Bahia, ela tem travado outra batalha em casa: com a mãe que, aos 61 anos, relaxou no uso de máscaras. 

“O que observo nela também tenho visto no geral. Sinto que minha mãe tinha muito mais cuidado, até para lavar a máscara. Ela chegava e lavava todas as usadas. Hoje, ela repete, pega a mesma que já usou”, conta. As saídas também aumentaram. Se, antes, a mãe quase não deixava a casa, agora tem acontecido com uma frequência maior. 

Nessas ocasiões, mais alguns vacilos.“Qualquer oportunidade que tem, ela tira a máscara. Mal chega em um restaurante e tira, mesmo que eu diga para tirar só quando vier a comida. Estou tentando fazer o máximo, mas se ela não faz por ela, eu já cansei. Sinto que ela fica no mundo da fantasia, achando que está se protegendo”, desabafa.O caso da mãe de Bianca expõe uma realidade preocupante para as autoridades de saúde. "Relaxamento" talvez seja a melhor definição para o que tem acontecido com muita gente nos últimos meses, na Bahia. Em bom baianês: o que não falta é quem largou de mão, que jogou para cima. Se o estado saiu na frente, ainda em abril, por estimular - e exigir, em estabelecimentos - o uso de máscaras na pandemia, a percepção de especialistas é que a adesão tenha diminuído por aqui. 

Por trás da mudança de comportamento, algumas justificativas se destacam. A própria flexibilização de medidas de restrição, a partir de agosto do ano passado, teria influenciado. É como se, depois do susto - de maio a julho, no máximo até agosto de 2020 - as pessoas tivessem ficado anestesiadas. 

“Parece que começaram simplesmente a ignorar. A gente começou a ver uma relutância maior no uso das máscaras, da higienização, do respeito ao distanciamento social. Estavam como se a pandemia estivesse acabando, estivesse no final”, analisa a epidemiologista Naiá Ortelan, pesquisadora da Rede Covida. 

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Falsa segurança De repente, a segunda onda parecia algo distante. Não importa se muitos cientistas defendam que, no Brasil, nem mesmo tenha havido uma divisão - a primeira onda teria sido emendada na segunda. Parecia que o risco agora era algo que só se ouviria nos telejornais que mostravam a situação de países da Europa - uma versão piorada do que tinha acontecido no começo.

A queda momentânea no número de casos e de óbitos, assim como o início da vacinação, contribuíram para criar uma falsa sensação de segurança.“As pessoas achavam que, porque não tinham vivenciado uma segunda onda, ela não aconteceria e não acometeria suas famílias. Começaram a ser descuidar e ser muito mais negligentes”, completa. Para a epidemiologista, há uma relação entre o descaso com as máscaras e o desrespeito ao distanciamento social. “A gente vê muitas aglomerações, práticas esportivas, pessoas circulando livremente nas praias ou nas ruas com máscara no queixo, com o nariz para fora, ou até no pescoço”, diz Naiá. 

As autoridades de saúde locais não têm estatísticas oficiais sobre a adesão às máscaras na Bahia. No entanto, projeções do Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME, na sigla em inglês) da Universidade de Washington, conseguem demonstrar essa queda. Desde maio, o IHME inclui o Brasil em seus modelos de projeções - que, por sua vez, têm sido uma das bases para as decisões do governo dos Estados Unidos diante da pandemia naquele país.

De acordo com o instituto, o percentual de uso alcançou 78% da população em junho de 2020 e agora fica em torno de 63%. "Nós sabemos que máscaras são efetivas no controle à transmissão do vírus", diz o coordenador do Escritório de Estratégias para a Saúde da População da Universidade de Washington, Ali Mokdad. 

O epidemiologista reforça que as máscaras são cruciais não apenas para salvar vidas, mas também para retardar ou prevenir um lockdown no futuro."Usar máscaras é uma das melhores ferramentas que nós temos para proteger uns aos outros, para salvar vidas e para prevenir que os hospitais trabalhem além da conta, especialmente em locais que atualmente têm altos níveis de infecções por covid-19", completa. Tendência É por isso que, hoje, uma das principais mensagens das secretarias de saúde estadual e municipais é de que as pessoas não deixem de usar máscaras. Em peças publicitárias e postagens em redes sociais, os apelos dão a entender que as autoridades reconhecem que parte dos baianos têm deixado a proteção de lado. 

A subsecretária estadual da Saúde, Tereza Paim, reconhece que houve a necessidade de uma campanha educativa forte agora, ainda que acredite que a situação já tenha estado pior.“A Bahia foi pioneira nisso, por isso a adesão é muito maior aqui, do que em outros estados. Mas tivemos uma fase, depois de setembro e até antes do Natal, que as pessoas começaram a flexibilizar. Hoje, acho que já retomamos e vejo mais pessoas usando”, analisa. De fato, até nas estatísticas do IHME, é possível notar uma diferença. A queda começa em agosto e vai até dezembro, quando chega a 60%. Depois, a curva cresce um pouco - ainda que não esteja no mesmo patamar dos primeiros meses da pandemia. 

Apesar da diminuição, Tereza não vê a possibilidade de adotar medidas mais duras, a exemplo de multas para quem sair sem máscara na rua. “A multa não é educativa, é punitiva num estado que é tão pobre. O que temos feito é uma campanha educativa muito forte”, explica. 

Isso tudo indica que, além da sensação de que o pior havia passado, a flexibilização nas máscaras começou a acontecer justamente quando outras medidas foram relaxadas. No meio de agosto, houve a reabertura de bares, restaurantes, academias, salões de beleza e centros culturais. Em setembro, foi a vez de cinemas e teatros. Eventos também foram autorizados, desde que respeitassem as regras de um decreto municipal. Essa reabertura só foi interrompida no final do ano, quando cinemas e teatros foram fechados novamente. 

Individual e coletivo Para muita gente, as máscaras podem ter representado algo assustador. Era novo e não fazia parte da cultura do país, como ressalta a assistente social Suzana Coelho, coordenadora do curso de Serviço Social da Unifacs. De acordo com ela, esse momento contrário à adesão revela a falta de uma visão ampliada de educação em saúde. 

“Pelo que tenho observado, há pensamento de ‘ah, estou de máscara, mas está todo mundo se contaminando. Então, se é incômodo, vou tirar”, analisa. 

Se a pandemia escancarou a necessidade de um pensamento coletivo, quem se nega a usar máscaras pode ter falta de senso de coletividade.“A sensação que eu tenho é que chegou o momento que as pessoas percebem que não têm mais nada a perder. Tem um público que não tem oportunidade de diversão, de lazer, e as questões sociais vieram muito fortes. A máscara ficou em segundo plano”. Mas, em um cenário como o atual, é urgente pensar além do individual. Ou, ainda, assumir que a atitude individual tem impacto no coletivo. Se a pessoa não gosta de usar máscara ou se sente extremamente desconfortável com ela, o ideal é buscar uma “redução de danos”. 

Uma opção é evitar sair, de fato, como explica a epidemiologista Naiá Ortelan. “Se você está em um lugar que tem aglomeração, é obrigatório e é necessário respeitar, porque você não está colocando só a sua vida em risco”, diz. Além disso, uma dica é testar modelos de máscaras para saber quais são mais adequadas para cada pessoa. 

“Se a respiração fica mais difícil, o ideal é tentar fazer as coisas com mais calma, para não ficar muito ofegante. Tente ir em horários não muito quentes, também para não ficar ofegante”, completa. 

*Nome fictício