'Presentes sobreviventes': O que uma psicóloga e sobrevivente tem a dizer

Psicóloga que estuda suicídio escreve sobre a necessidade de uma rede de apoio, conta a própria história, fala sobre estigmas e saúde mental no interior

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  • Da Redação

Publicado em 26 de setembro de 2020 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Acervo Pessoal/Jalane Maia
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Olá, prazer! Me chamo presente sobrevivente! Eu nasci de um passado trágico, há exatamente 10 anos atrás quando o meu pai veio a óbito por suicídio. Ele foi mais um futuro apagado! A morte por suicídio nos coloca num lugar bastante específico e também dolorido; um lugar que a cultura e a sociedade costumam denominar de culpado, vergonhoso e sombrio, pelo fato desse tipo de morte carregar estigmas e tabus construídos historicamente: pecado, crime e loucura.

Apesar dos avanços científicos afirmarem que o suicídio é um problema de saúde pública, nós sobreviventes ainda carregamos o estigma de sermos filhos da tríade histórica- pecado, crime e loucura; daí a explicação desse termo “sobrevivente” porque sobrevivemos a esse tipo de morte desagradável que carrega tantos preconceitos. E não é fácil conviver com um peso histórico, ainda mais quando se mora numa cidade interiorana em que os julgamentos alheios tornam-se mais facilitados pelos laços de intimidade e o anonimato é praticamente inexistente!

O meu lugar de fala perpassa muitos estereótipos. Sou psicóloga (profissional “psi”) que na concepção de inúmeros leigos só cuido de “ doidos,” como também sou filha de um pai suicida (na visão preconceituosa de muitos, também é tido como louco e desequilibrado). A junção desses dois tabus pode adoecer significativamente qualquer um! Contudo e, fortuitamente, tive muito apoio familiar, psicoterápico, religioso e amistoso (amigos importantes)! A vida me ensinou a lutar e a escrever minhas dores, principalmente, através dos estudos. De forma inusitada e paradoxal (para alguns) adentrei no universo da suicidologia e da prevenção de suicídio, campos que atuo profissionalmente até os dias atuais.

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O campo e o lugar da sobrevivência precisam ser bastante estudados, respeitados, compreendidos e não julgados. A literatura explica que entramos para o grupo de risco (propensão a adquirir também o comportamento suicida) quando nos tornamos enlutados por suicídio, por conta de toda a gravidade e construção sócio histórica do fenômeno. Por isso, existe um tipo de prevenção especializada com esse grupo de pessoas, denominadas sobreviventes: posvenção. Esse trabalho necessita ser disseminado, pois muitos são os sobreviventes que não têm noção do perigo de seu lugar de sobrevivência.

A posvenção é um trabalho de prevenção que se faz, ou deveria fazer, com todos os enlutados de suicídio. Mas, para isso acontecer, nós precisamos nos conhecer enquanto “presentes” sobreviventes. Se você perdeu um amigo, parente, vizinho, colega de trabalho, pai, mãe, filho ou irmão para o suicídio você é um “presente” sobrevivente!

É também importante saber que a condição de sobrevivência nos convida a pensar sobre a nossa fragilidade e medo, nos convocando a buscar ajuda e apoio psicológico sempre que necessário. Nós, enquanto “presentes e futuros sobreviventes”, precisamos nos revestir de suporte emocional de uma rede de apoio protetiva (família, amigos, acesso a meios de saúde, educação, cultura, esporte e lazer) para atravessarmos o lugar de sobrevivência de forma digna, sadia e honrosa. Não sinta vergonha do seu lugar! Continuo e continuarei “presente futuro sobrevivente”, muito prazer, esse é o meu lugar!*Jalane Moura Maia Bezerra, psicóloga pela Universidade Federal da Bahia, mestra em Extensão Rural pela Universidade Federal do Vale do São Francisco com projeto de pesquisa em prevenção de suicídio entre adolescentes, membro  da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do suicídio, sobrevivente de suicídio, moradora de Paulo Afonso, cidade com maior incidência de morte por suicídio por 100 mil habitantes, na Bahia, e poeta nas horas vagas.  

Saiba onde buscar ajuda (24 horas):  Disque 188 (Centro de Valorização da Vida)(71) 3103-4300 (Núcleo de Estudo e Prevenção do Suicídio - Neps)Disque 190 (Emergência)Disque 192 (Samu)