Prestes a ser leiloado, Shopping Busca Vida acumulou dívidas e frustrou lojistas

Empréstimo de R$ 24 mi não foi quitado; houve quem vendeu casa para investir

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  • Nilson Marinho

Publicado em 17 de maio de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

Muitos investiram tudo o que tinham. Usaram dinheiro da rescisão, da aposentadoria, da venda de uma casa, as economias de uma vida inteira, para apostar em um empreendimento que prometia fazer surgir, na Estrada do Coco, um grande negócio. O Shopping Busca Vida, depois de inaugurado às margens da BA-099, seria um shopping com instalações modernas, dois pisos, cinco salas de cinema, 90 lojas variadas e uma grande circulação de pessoas – no projeto inicial.

A Luli Patrimonial e a LRL Engenharia empreendedores do negócio informaram que enfrentaram problemas contratuais e acabaram contraindo uma dívida de R$ 24 milhões com a Agência de Fomento do Estado da Bahia (Desenbahia), instituição responsável pelo financiamento do projeto. Com isso, foi impossível, de acordo com as empresas, buscar investidores para o negócio. Ainda de acordo com as empresas, "a crise econômica do país afetou os negócios".

Há um ano e quatro meses, o espaço foi entregue aos lojistas, mas, no entanto, desde então, as empresas não cumpriram com alguns acordos. O resultado disso é que, após acumular dívidas de financiamento, a Luli Patrimonial e a LRL usaram o espaço para quitar os débitos, e os lojistas foram informados que precisam desocupar o local em até 90 dias.

O comunicado foi feito pela Desenbahia há pouco mais de uma semana e muitos lojistas não sabem para onde ir; parte deles disse não ter condições de investir em um novo espaço fora de lá. O shopping, inclusive, vai a leilão no próximo dia 30.

Deserto Os lojistas ouvidos pelo CORREIO contam que, no projeto inicial, o centro de compras contaria com 90 lojas. No entanto, abriu as portas só com 26. Cinco salas de cinema deveriam funcionar no segundo piso, atraindo mais frequentadores ao local, mas elas nunca rodaram um filme sequer.

Ações de marketing para atrair novos investidores, por exemplo, nunca foram feitas pela administração do shopping e nenhum novo interessado apareceu para abrir uma loja por lá. Com o tempo, sem muitas atrações e opções de compras, os clientes foram sumindo. Fechando os meses no vermelho, vários empresários acabaram com os negócios e hoje o que é possível ver é o empreendimento funcionando às moscas, com apenas 19 lojas abertas.

Muitas delas, inclusive, já nem funcionam mais integralmente, em período comercial. Outras, para se manter abertas, tiveram que mexer na folha de pagamento da empresa, reduzindo ou extinguindo de vez o quadro de funcionários. Foi o que fez a empresária Jacira Oliveira, dona da Lisianto Cafeteria.

Jaciara investiu cerca de R$ 30 mil na concessão do espaço que lhe dá o direito de utilizar o local por cinco anos, fora o investimento feito no maquinário para a produção dos cafés. Por mês, precisa desembolsar R$ 3,2 mil de aluguel.

Sem retorno financeiro, por falta de clientes, todos os meses acaba no vermelho. Demitiu, como forma de economizar, seus três funcionários, e passou a cuidar da cafeteria com ajuda de uma sobrinha. Sem planos, não sabe para onde ir – prefere continuar no local, à espera de uma solução.

"No começo, o movimento era bom, mas aí vieram as festas de final de ano. Os clientes andavam pelos corredores, mas não encontravam opções de compra. O local foi esvaziando aos poucos. Tinha três cafeteiras; agora, só tem uma, a minha", lamenta ela.

Boa parte dos empresários que permanecem já dá sinal de que estão saindo de lá. Alguns fazem promoções para vender o que ficou empacado em estoque, mas outros, embora ainda permaneçam com suas instalações, já nem abrem mais as portas. Para manter o espaço limpo, os comerciantes estão pagando diárias a uma faxineira.

Vendeu casa A comerciante Lorena da Cunha, 29, resiste. Ainda continua com a loja em funcionamento, mesmo o movimento estando mínimo e, às vezes, nem existindo. Lorena é proprietária do Lore Pé, uma clínica de podologia. Para abrir o negócio, precisou se desfazer de uma casa, investindo cerca de R$ 300 mil no espaço. Um investimento de uma vida toda, diz.

A intenção era de ter o retorno desse valor inicialmente investido em um prazo de um ano. Mas, um ano e quatro meses depois da inauguração do shopping, o retorno não chega nem próximo da metade disso.

"Não tem marketing, não vende, não tem pessoas. O dinheiro que eu investi foi de uma vida trabalhada. Estamos tirando do nosso bolso para tentar sobreviver", lamenta Lorena.  Os comerciantes alegam também que não foram informados, de forma oficial, que deveriam deixar o empreendimento no prazo de 90 dias. "A correspondência não chegou nas mãos dos lojistas, justamente porque não tem uma administração. Nós ficamos sabendo 'de boca' que precisávamos desapropriar o espaço", conta um empresário que preferiu não se identificar.

Ação Ações estão sendo movidas por parte dos empresários contra a Luli Patrimonial e a LRL Engenharia. Eles pedem na justiça o retorno do valor investido na concessão do espaço, nas despesas dos aluguéis, além de indenizações.

As advogadas Ana Flávia Castro e Soane Figliuolo, da Castro Figliuolo Negócios Jurídicos, que representam parte dos empresários, dizem que as empresas, na apresentação do projeto inicial, prometeram aos seus clientes que o empreendimento contaria com "100 salas, um 'mix de lojas', bancos e livrarias".

Ainda de acordo com elas, a empresa Meio Cheio Empreendimentos que, desde 2017, passou a responder pela gestão do shopping, não promoveu ações de marketing para que novos investidores pudessem se interessar em abrir um negócio no local.

"Nunca teve circulação de clientes, não havia. A empresa alegava que não era interessante fazer propagandas porque o projeto estava incompleto. Se não tem clientes, não há vendas", diz uma das advogadas.

Sem um investimento por parte da empresa que administrava o centro comercial, alguns empresários – que já não estão mais no local – deixaram de pagar o aluguel. A empresa, então, decidiu mover uma ação contra eles. As advogadas também os representam na justiça.

Dívida Procurada, a Desenbahia informou que a construção do Shopping Busca Vida foi financiada parcialmente, "após minuciosa análise da viabilidade econômica financeira do empreendimento".

"O projeto foi iniciado em 2013. No entanto, a partir de 2015, com a crise econômica brasileira, muitos empreendimentos antes considerados viáveis tornaram-se deficitários", destacou o órgão, em nota.

Ainda de acordo com a Desenbahia, as obras do shopping não foram totalmente concluídas, sendo que, de um total previsto de 90 lojas, menos de 20 estão em funcionamento atualmente.

Em 2017, os empreendedores do shopping, já inadimplentes, deram à Desenbahia uma fração equivalente a 77% do espaço, o que corresponde a três pavimentos do imóvel, em troca da quitação da dívida remanescente. O órgão destacou ainda que não é administradora de shoppings e que tem vedação legal para manter em sua propriedade bens recebidos como pagamento de dívidas.

Ainda segundo o comunicado, a agência tem dialogado com os lojistas, com os quais está solidária, em razão das "dificuldades da crise econômica e das obras inacabadas". A agência diz ainda que está prestando o apoio possível nas áreas de segurança, manutenção e limpeza, durante este período de transição.

Posicionamento De acordo com advogada Ana Doréa, que representa a Luli Patrimonial e a LRL Engenharia, de fato, quando o projeto foi pensado, há cerca de quatro anos, a intenção era que o espaço funcionasse com um maior número de lojas, gerando cerca de mil empregos.

Contudo, durante o financiamento do empreendimento, uma cláusula do contrato, explica a advogada, informava que a Desenbahia poderia financiar apenas o que compreendia ao shopping – garagem e piso 1 –, mas que os empreendedores poderiam buscar outras formas de financiamento para a construção de um piso empresarial que ficaria no piso 2. 

No entanto, o processo foi barrado por problemas contratuais, já que se tratava de uma matrícula-mãe. Sendo assim, ficaria impossível para as duas empresas conseguir investidores para financiar a construção empresarial do shopping.

Por um ano, alega a advogada, os empreendedores solicitaram à agência a exoneração da baixa da hipoteca que recaia sob a matrícula do espaço empresarial. "Para que, conforme o contrato, houve a possibilidade de buscar um financiamento da área empresarial, mas esse processo demorou mais de um ano. Durante esse tempo, a obra teve que ficar parada", explica.

Ainda segundo Ana Dórea, "para que o shopping funcionasse, o espaço foi cedido para um grupo americano que passou a fazer administração o empreendimento". Mas, após contrair a dívida de R$ 24 milhões, o local passou para a posse da Desenbahia, que avaliou o espaço em R$ 42 milhões.

"A agência disse que foi feita essa avaliação para ter uma margem de lucro para que pudesse ser investida no shopping, conseguindo, em 2 anos, uma venda melhor para investidores", concluiu ela.

A Desenbahia, por sua vez, afirma que o fato do shopping ficar sem funcionar integralmente por muito tempo, aliada ao alto valor de despesas operacionais, são fatores que dificultam a continuidade do empreendimento. "Por estes motivos, a Desenbahia promoveu a denúncia dos contratos de locação firmados entre os lojistas e os construtores do bem, da forma como estipula o art. 8º da Lei 8.245/91", concluiu a instituição.

PromessasAções de marketing promocionais para atrair novos comerciantes Inauguração do shopping com 90 lojas Funcionamento de espaço empresarial no segundo piso RespostasEnfrentando problemas contratuais com a instituição financiadora, as duas empresas decidiram ceder o contrato de locação para um grupo americano de investidores, que passaram a gerir o espaço. Afetados também pela crise econômica e sem investidores para área empresarial, ações de marketing passaram a ser inviáveis.  As obras da área empresarial no piso 2 seriam concluídas com investimentos de empresários interessados pelo espaço. Com o impasse no contrato, não houve procura de investidores e aqueles que pretendiam apostar nos negócios acabaram desistindo com a inviabilidade do contrato. *Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier.