Primeiro equatoriano do Vitória, Jordy Caicedo revela intimidade

Em entrevista exclusiva, atacante fala sobre o veto ao seu sobrenome, a infância vendendo cocada e por que não sorri

  • Foto do(a) author(a) Daniela Leone
  • Daniela Leone

Publicado em 16 de agosto de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Mauro Akin Nassor/ CORREIO

Ele já fez história no Vitória. Jordy Caicedo entrou em campo com o rubro-negro apenas duas vezes, mas se tornou protagonista de um feito inédito. É o primeiro equatoriano a vestir a camisa do clube.

De acordo com o pesquisador Ubiratan Brito, outros 71 estrangeiros exibiram o manto vermelho e preto ao longo dos 120 anos de história. Entre eles estão 24 argentinos, 14 ingleses, 10 uruguaios, cinco colombianos, três bolivianos, três paraguaios e também três portugueses, dois iugoslavos (Petkovic e Osmanovic nasceram na Sérvia, que na época não era uma nação independente), dois nigerianos, além de um alemão, um espanhol, um chileno, um peruano e um italiano. 

Jordy Caicedo tem 21 anos e encara a oportunidade no futebol brasileiro com seriedade. A vida o ensinou a não desperdiçá-las. Nascido na cidade de Machala, o filho do meio de Aniano Caicedo e Maria Medina está financiando a construção de uma casa para os pais e é a principal esperança da família em ter um futuro mais confortável.

O centroavante rubro-negro, que abriu o placar no triunfo por 2x0 contra o Paraná, sábado, na rodada anterior da Série B, cresceu em um bairro humilde chamado Nuevo Pilo, onde deu os primeiros chutes. “Lá era economicamente pobre, mas tinha muitos meninos e nós não víamos a pobreza. Jogávamos futebol pela rua”, conta.

“Costumávamos jogar em bairros de meninos ricos, apostávamos dinheiro e sempre ganhávamos. Éramos melhores”. A grana da vitória rendia lanches para a turma toda. “Usávamos o dinheiro para comprar pão e refrigerante. Era bom e barato”, recorda. 

Nem sempre era possível brincar à vontade. Até o começo da adolescência, Jordy colaborava com o sustento da família. “Meu pai vendia sucos de coco e tamarindo, além de cocada, na rua e na praia, e eu ajudava ele”, lembra, emocionado.

Só deixou de estar ao lado do pai nas vendas aos 13 anos, quando começou a jogar em um clube de bairro em Machala. Em pouco tempo, um olheiro viu ele atuar e o chamou para representar a cidade em um campeonato nacional que reunia as seleções de todas as províncias do Equador. Havia encontrado um caminho a seguir. A profissionalização aconteceu aos 17 anos, com a camisa do Universidad Católica de Quito.

Considerado uma promessa em seu país, Jordy Caicedo se destacou no Sul-Americano sub-20 de 2017, quando o Equador foi vice-campeão. Na mesma temporada, também disputou o Mundial da categoria. Já em 2019, ele foi convocado em julho para disputar o Pan-Americano de Lima, no Peru, mas acabou dispensado a pedido do Vitória. O clube precisava que os trâmites da contratação fossem resolvidos por causa do fechamento da janela de transferências internacionais.

Nada de sorriso O contrato de Jordy Caicedo com o Vitória é de quatro anos, e o rubro-negro adquiriu 70% dos direitos econômicos dele junto ao Universidad Católica de Quito. Esta foi a segunda tentativa do equatoriano de jogar no futebol brasileiro. Antes, fez teste na base do Santos, mas não teve sucesso. 

“Quando eu tinha 15 anos, fui a São Paulo com um time misto de equatorianos e colombianos para fazer um amistoso. Ficamos três meses por aqui e passei duas semanas treinando no Santos. Não sei o que aconteceu, mas não me quiseram. Não me disseram o motivo. Eu tinha 15 anos, mas treinei com o time sub-20. Eu acho que eles não acreditaram na minha idade e por isso não me deixaram treinar no time sub-17”.

O porte físico avantajado chama a atenção até hoje e impõe respeito aos adversários, assim como o semblante sério. Reservado, Jordy não é de ficar sorrindo à toa, nem mesmo nos treinos. Ultimamente, tem segurado ainda mais os lábios, porque perdeu um dos dentes da frente ao ser golpeado durante uma partida do El Nacional, clube que defendeu por empréstimo até o início de julho.

“Eu estava fazendo o tratamento lá no Equador quando fui chamado para vir pra cá. Vou ter que recomeçar aqui. Eu sorrio pouco, mas agora estou sorrindo menos. Quando ajeitar, vou sorrir um pouquinho mais, mas também não tanto”, diverte-se.  Jordy Caicedo perdeu um dente durante uma partida no Equador (Foto: Mauro Akin Nassor / CORREIO) Quando não está com a bola nos pés, o que Jordy Caicedo mais gosta de fazer é ouvir música. Nas horas vagas ou no vestiário antes dos jogos, os fones dele estão sempre tocando salsa, ritmo favorito do atacante. Atualmente, a banda cubana Los Van Van tem a sua preferência. Ele também gosta de dançar, mas só em família. Não esperem ver o equatoriano requebrando em campo para comemorar qualquer gol. “Se eu chegar a 15 gols, aí sim”, brinca.

Sobrenome vetado Jordy diz não ter tido dificuldade para compreender o português na Toca do Leão, tanto que entendeu direitinho quando o explicaram por que não seria apresentado com o sobrenome do pai, como costumava ocorrer no Equador. “Pelo que entendi, me falaram que Caicedo aqui é como cair logo. Para mim tudo bem, o que me importa é jogar”. Com o Vitória na zona de rebaixamento da Série B, a diretoria rubro-negra preferiu não dar brecha para piadas. O time é o 17º colocado, com 14 pontos em 15 rodadas.

Com a camisa do Vitória, Jordy Caicedo quer chamar a atenção de outro continente. “Meu sonho é jogar na Europa, mas para isso eu tenho que fazer bem as coisas aqui, para chamar a atenção de muitos times. Tenho que me concentrar, trabalhar muito e fazer muitos gols para chamar a atenção da Europa”, afirma o centroavante, que tem o belga Lukaku e o marfinense Didier Drogba como principais inspirações. Entre os brasileiros, é fã de Ronaldo, Jô e Neymar. 

Antes de focar em cruzar o oceano Atlântico, o equatoriano quer mostrar muito futebol com a camisa do Vitória. Em Salvador há um mês, o centroavante estreou no segundo tempo da derrota por 1x0 contra o Brasil de Pelotas, fora de casa, e foi titular no triunfo por 2x0 diante do Paraná, no Barradão, onde marcou o primeiro gol com a camisa vermelha e preta. Agora, se prepara para encarar o CRB, domingo (18), às 16h, no Rei Pelé, em Maceió. 

“O Vitória é grande e estou dando o melhor de mim para que o time siga adiante. Me preparo muito dentro e fora do campo para fazer as coisas da melhor maneira. Quero que o time saia da atual situação para depois poder pensar em coisas maiores. Eu sei que podemos fazer”, projeta Jordy, que confia no acesso à Série A ao final da temporada. “Sim, claro, ainda tem muitas partidas pela frente”.