Procura por alimento orgânico cresce 20%

Feiras espalhadas pela cidade aproximam produtores e consumidores

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  • Georgina Maynart

Publicado em 16 de novembro de 2019 às 06:27

- Atualizado há um ano

Família Gomes mantem produção de alimentos orgânicos há três gerações. por (Foto: Georgina Maynart)

Ainda é madrugada quando a família Gomes pega a estrada na zona rural de Camaçari, no distrito de Monte Gordo, litoral norte da Bahia, em direção à capital baiana. A pequena caminhonete atravessa a rodovia carregada de alimentos fresquinhos colhidos na tarde do dia anterior.

As caixas levam dezenas de produtos orgânicos cultivados no sítio da família. A produção inclui vários tipos de hortaliças, raízes, derivados de mel e frutas como maracujá, banana da terra, cacau e limão. É assim há mais de vinte anos, desde que os Gomes decidiram adotar o sistema orgânico de produção de alimentos.

“Tudo que conquistei na vida foi através da agricultura orgânica. Foi através dela que eu criei meus dois filhos e sustento minha família. Me sinto realizado porque desde criança eu tenho este objetivo de produzir alimentos que façam bem as pessoas", afirma o patriarca Édio Gomes.

A trajetória já conta com três gerações da família.

"Comecei a cultivar orgânico com meu pai, Édio, que já tinha aprendido com meu avô, e conta com a mão de obra também de minha mãe e de meu irmão. E eu espero poder continuar neste caminho produzindo alimentos com sustentabilidade", afirma a agricultora Edna Lúcia Gomes, de 24 anos.

A família de agricultores também comercializa produtos orgânicos processados e embalados a vácuo, como aipim, tapioca e farinha de coco. A transparência é uma marca do negócio familiar. O sítio Gomes sempre está aberto para os visitantes que queiram conhecer como se produz alimentos orgânicos, sem uso de produtos químicos.

"As pessoas entram em contato e muitas universidades costumam fazer visitas técnicas. Acreditamos que ao conhecer o processo de cultivo destes alimentos as pessoas valorizam ainda mais o nosso trabalho e os nossos produtos", afirma a produtora rural, que tem formação técnica em agropecuária e em meio ambiente.

Os alimentos são vendidos em Salvador, três vezes por semana, em quatro feiras de bairros diferentes. Na quinta-feira a família participa da feirinha da UNEB, no bairro do Cabula, e da Feira do Museu de Arte da Bahia, no centro da cidade. Na sexta-feira eles comercializam os alimentos na Feira Agroecológica da Ufba. Já no sábado os produtos são comercializados na Feira Agroecológica do Shopping da Bahia.

"É uma forma a mais de divulgarmos não só os orgânicos, mas de auxiliar e facilitar o acesso de outras pessoas a estes produtos. Quando começamos a trabalhar neste ramo não pensamos apenas no mercado, mas também em entregar produtos a preços acessíveis, em levar conhecimento, e em ajudar outras pessoas a fazerem a transição do convencional para o orgânico", completa Edna.

Além de produzir orgânicos, quem participa das feiras agroecológicas defende também outros princípios, como biodiversidade, bem estar dos funcionários, comércio justo e sustentável.

"A agroecologia é um movimento social que repensa o processo de produção de alimentos e se compromete com aspectos ecológicos, sociais e econômicos. O movimento reflete, por exemplo, sobre o pagamento justo para os agricultores e propõe ao consumidor uma reflexão sobre consumo e relação econômica. A agroecologia tenta ainda abordar aspectos sobre convívio social, pesquisas e troca de saberes envolvendo associações e cooperativas", afirma a bióloga Josanídia Santana Lima, coordenadora da feira agroecológica da Ufba. Édio Gomes e a família produzem alimentos orgânicos no Litoral Norte da Bahia. Alimentos são comercializados em Salvador (Foto: divulgação) DESAFIO

O mercado de alimentos orgânicos cresce cerca de 20% ao ano no Brasil, segundo dados do Conselho Brasileiro de Produção Orgânica. Até 2023 o segmento deve movimentar mais de US$ 36 bilhões. Mas implantar este tipo de produção ainda é um desafio para muitos agricultores da Bahia.

De acordo com o IBGE, apenas 0,2% dos 762 mil agricultores do estado afirmaram manter o cultivo orgânico. Neste tipo de sistema nenhum produto químico ou sintético pode ser usado seja no plantio, na manejo ou na colheita dos alimentos.

A forma mais tradicional de conseguir o selo que atesta a produção orgânica é através das agências credenciadas pelo Ministério da Agricultura, entre elas o Instituto de Biodinâmica (IBD). Esta forma de certificação é a que exige maiores investimentos do agricultor. A depender do tamanho da propriedade, o valor exigido pode variar de R$ 12 mil a até R$ 80 mil por ano. O custo pode cair para cerca de R$ 5 mil caso o agricultor decida obter a autorização de forma coletiva através de associações e cooperativas.

É um tipo de certificação mais demorado pois prevê visitas técnicas de especialistas, auditorias e o preenchimento de diversos requisitos ao longo do processo de certificação. Atualmente aproximadamente de 800 produtores possuem este selo na Bahia.

Outra forma de certificação é através dos selos de conformidade fornecidos pelas chamadas Opacs, Organizações Participativas de Avaliação de Conformidade Orgânica. Neste tipo de processo os agricultores se reúnem em grupos e cada integrante fiscaliza a produção do outro. Com um processo mais simples, o custo é de cerca de R$ 400 por ano. As Opacs mais conhecidas são a ABC Orgânicos e Povos da Mata. Nos últimos anos mais de 4 mil agricultores obtiveram esta certificação na Bahia. Segundo os representantes do segmento, com o aumento da procura por alimentos orgânicos a oferta ainda é pequena para atender à demanda.

Há ainda a certificação através das OCS, Organizações de Controle Social. Neste caso não há selo, e o agricultor familiar só pode comercializar a produção vendendo diretamente os alimentos para o consumidor. Atualmente cerca de 400 agricultores da Bahia, que não usam insumos químicos, comercializam através de OCS.

"A procura pelos produtos orgânicos aumentou em mais de 40% nos últimos dois anos, e já estamos enviando muitos alimentos para outros estados como São Paulo. Com isso a oferta do produto está pequena para tantos consumidores, apesar da lista de orgânicos ter aumentado nos últimos anos. Os agricultores baianos passaram a produzir, por exemplo, morangos orgânicos, além de uvas, melão e inhame", afirma Edilson Silva, Presidente da Associação Certificadora de Áreas, Defesa do Meio Ambiente e Produtores de Orgânicos do Estado da Bahia (Acpoba).

A lista de alimentos orgânicos produzidos na Bahia já ultrapassa 230 produtos. Outros 3.200 agricultores estão em processo de certificação no estado. Entre os entraves para aumentar a produção, os agricultores alegam ainda a dificuldade para obter insumos orgânicos, falta de assistência técnica e problemas de comercialização. Para auxiliar o agricultor na certificação e formalização da produção orgânica uma das alternativas é o Sebraetec, o programa é gerenciado pelo Sebrae.

Lista de produtos orgânicos produzidos na Bahia já conta com mais de 230 itens, entre alimentos frescos e processados. (Foto: divulgação) QUEM CONSOME

Uma pesquisa realizada este ano pelo Conselho Brasileiro de Produção Orgânica e Sustentável (Organis) revelou que 19% dos brasileiros consomem algum produto orgânico. O Nordeste representa cerca de 20% dos consumidores de orgânicos do Brasil.

A pesquisa foi realizada com 1.027 consumidores de todo o país e mostrou que os hortifrutis são os produtos mais consumidos. As frutas representam cerca de 35% dos produtos mais procurados. As verduras 24%, os legumes 16% e as hortaliças cerca de 8%.

Aproximadamente 84% dos consumidores de orgânicos alegaram preferir este tipo de alimento por motivos de saúde, e 67% deles também disseram estar dispostos a comprar um volume maior de produtos orgânicos no futuro.

O preço ainda é uma barreira para cerca de 43% das pessoas que afirmaram não ter consumido nenhum alimento orgânico nos últimos trinta dias. Entre aqueles que consumiram, cerca de 75% consideram os produtos orgânicos caros, apesar de 48% reconhecer o valor diferenciado deste tipo de alimento.

Quase metade das pessoas entrevistadas, cerca de 47%, disse achar difícil encontrar produtos orgânicos na região onde mora. Cerca de 52% também afirmaram que a diversidade de alimentos orgânicos disponíveis ainda é limitada.

"O que nos anima é perceber que uma parcela significativa dos brasileiros já reconhece claramente o valor agregado aos produtos orgânicos, pois tanto os que consomem como os que não consomem esse tipo de produto entendem que os custos de produção mais elevados justificam o maior preço dos orgânicos. A partir dessa pesquisa podemos dizer com segurança que, na medida em que a renda do brasileiro aumentar, o tamanho do mercado de orgânicos também vai crescer, pois há motivação e disposição para o consumo", conclui Cobi Cruz, diretor do Organis. Segundo o estudo, 35% dos entrevistados afirmaram que consomem orgânicos mais de cinco vezes por semana.

Quanto à certificação, 90% dos consumidores disseram considerar o selo obrigatório. 

O levantamento também revelou que os consumidores de orgânicos costumam manter outras ações sustentáveis, como a preocupação com áreas verdes (79%) e a separação seletiva do lixo (42%).

A pesquisa foi realizada em doze capitais brasileiras, inclusive em Salvador. A maioria dos consumidores tem renda entre 1 a 10 salários mínimos e idade entre 18 e 40 anos. Hortaliças e frutas são os produtos mais procurados pelos consumidores de alimentos orgânicos no Brasil. (Foto: divulgação) FEIRINHA VERDE NO SHOPPING

A pesquisa também mostrou que a maior parte dos consumidores, o correspondente a 87%, compra os alimentos orgânicos em feiras livres. Mas tem crescido também a parcela dos compradores que adquirem os produtos também em supermercados. Um percentual que já chega a 61% dos consumidores deste tipo de alimento.

Em Salvador o roteiro orgânico inclui uma feirinha verde dentro de um shopping. Esta é a ideia do projeto que está reunindo no Shopping da Bahia dezenas de produtores de alimentos orgânicos do estado.

No próprio estacionamento do centro comercial, durante todos os sábados, é possível encontrar barraquinhas com produtos orgânicos, como cogumelos, derivados do mel de abelha, frutas da época e hortaliças. As delícias incluem ainda pães integrais, doces, bolos e geleias feitas a partir de ingredientes regionais como cupuaçu, cacau e umbu.

A feira conta ainda com a participação das Agrossilvicultura Cosme e Damião e das 15 cooperativas da Rede Moinho. O projeto está sendo realizado por meio de uma parceria com a Feira Agroecológica da Universidade Federal da Bahia."O shopping já faz parte do cotidiano das pessoas e a feirinha vem agregar à vida dos clientes mais essa oportunidade. A iniciativa também está alinhada com o nosso compromisso social, justamente por ser uma iniciativa que valoriza o trabalho do agricultor e oferecer produtos de qualidade. Os clientes têm abraçado essa causa, tanto que a feira, que seria apenas até dezembro, irá ser prorrogada por tempo indeterminado", declara a gerente de marketing do Shopping da Bahia, Mayara Diniz. Feirinha Verde Agroecológica é realizada todo sábado no estacionamento do Shopping da Bahia. (Foto: divulgação) SERVIÇO:

O QUE: Feirinha Verde Agroecológica do Shopping da Bahia (SDB). QUANDO: Todos os sábados. Das 9h às 13h. ONDE: Shopping da Bahia - Estacionamento E.

OUTRAS FEIRAS DE ORGÂNICOS NA CAPITAL BAIANA:

Quinta-feira:  - Parque da Cidade, Pituba - a partir das 6 horas - Feirinha da Uneb, Cabula - a partir das 7 horas

Sexta-feira:  - Universidade Federal da Bahia. Praça das Artes, Campus de Ondina - a partir das 7:30 horas

Sábado:

-Feirinha Orgânica  - Circo Picolino - Patamares - a partir das 7 horas