Projeto social transforma lixo em renda para comunidades de Salvador

Produtos descartados e restos de materiais viram artesanato e até blocos de concreto

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 22 de maio de 2021 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Paula Fróes/ CORREIO

Garrafa PET, pedaços de madeira, isopor, resto de cimento, pedaço de cano. O que para muitos teria o lixo como destino, para o projeto “1+1 é sempre mais que 2”, que tem mais de 20 anos de história, é sinônimo de transformação social. Através da ação “De A a Z”, a iniciativa leva o conhecimento do artesanato para pessoas das comunidades de Salvador vítimas da desigualdade. Na tarde desta sexta (21), aconteceu mais uma oficina do projeto, desta vez na Comunidade de Vila Vitória, em Cajazeiras. A ação já passou pelas comunidades do Pantanal e Alto da Bola. 

Durante a oficina, os participantes aprenderam a fazer um abajur com pedaço de cano, um arranjo de flores com pote e garrafa de vidro, enfeites decorativos com arame e garrafas PET e até mesmo blocos de concreto para construção civil a partir de moldes construídos com madeira. Quem coordena a ação é a presidente do projeto, Bárbara Trindade, de 46 anos, com o apoio do voluntário Antônio Maia, de 52. “O lema do projeto é de que não existe lixo, tudo pode ser reaproveitado”, diz Bárbara. Bárbara Trindade coordena a iniciativa (Foto: Paula Fróes/CORREIO) Marli Santos, de 45 anos, foi uma das que aprenderam com o projeto a fazer caqueiros, os vasos de planta de concreto. Ela é vizinha de Bárbara, ficou sabendo da iniciativa e se interessou. Agora, já tem encomenda de vasos para entregar. “Eu aprendi a fazer as placas de cimento para as plantas, porque eu tenho muitas plantas em casa. E aí já teve vizinha minha que encomendou vaso na minha mão e isso é muito bom. Nessa época de pandemia, eu estou desempregada, vivo de bico. Aí, com o passar do tempo, vou aprimorando o trabalho e fazendo um dinheirinho com isso”, diz Marli. 

Ela explica como acontece a produção. “Com o resto de cimento da obra que o pessoal faz, a gente já pega, junta com as placas de isopor que vêm nas embalagens de compras e fazemos os vasos. Você rala o isopor, deixa fininho, aí coloca num balde e mistura com cimento e molda. Eu já fiz dois, um só de cimento com areia e outro de cimento com isopor. E dizem que isso é melhor do que os vasos de plástico, porque não deixa a planta pegar tanto calor”.

Do problema à solução  Antônio Maia, responsável por ensinar as técnicas de construção, é encarregado geral de obra e veio de Manaus para Salvador através de uma empresa para trabalhar em uma obra de drenagem no condomínio em que Bárbara mora. A obra aconteceu em fevereiro deste ano e o que parecia um obstáculo, virou solução. Com a pandemia e o lockdown, os funcionários se depararam com a falta de blocos no mercado. Mas logo veio a ideia de iniciar a produção do material e, para isso, era preciso, primeiro, um molde.

“Iniciamos a produção com os materiais que tínhamos à disposição aqui, que era a madeira. Ela serviu de molde e deu certo. Conseguimos fazer os blocos e concluir a obra assim”, conta Antônio. Tudo atendendo aos critérios técnicos de produção. E a história não parou por aí. O encarregado de obra virou amigo de Bárbara, que logo viu na história uma oportunidade de ajudar a comunidade e iniciar mais uma ação no projeto social que coordena. 

“Ela me falou sobre os trabalhos sociais e eu já estava com essa vontade de participar de alguma coisa assim. Então, fizemos uma parceria. Vimos que podemos levar, além do artesanato, o conhecimento na construção civil para a comunidade como uma opção de renda e melhorando a qualidade de vida dessas pessoas”, diz Antônio.

Os primeiros a passarem pela ação foram os funcionários que trabalharam na obra. Eles não tinham o conhecimento da produção de moldes e dos próprios blocos. “Aí agora eles aprenderam e podem vender esses moldes, que são encontrados por aí por até 800 reais, ou fazer os blocos e utilizar ou vender. Isso e os artesanatos eles podem produzir e ganhar dinheiro, melhorando a renda em casa e, até mesmo, aumentar a produção e passar a viver disso”, completa o voluntário do projeto. 

Bárbara Trindade ressalta a importância do trabalho social. “É de A a Z, ou seja, é para todo mundo, sem distinção. Nosso objetivo maior é atingir as pessoas que são discriminadas, que sofrem com a desigualdade, com a violência. Queremos transformar, mesmo que um pouquinho, a vida dessas pessoas. É aquela história clássica, se cada um fizer um pouquinho, a gente faz a diferença”, explica a presidente.  Cimento é um dos materiais usados para confeccionar placas (Foto: Paula Fróes/CORREIO) As oficinas e iniciativas do “1+1 é sempre mais que 2” contam com a ajuda de parceiros e voluntários e acontecem em comunidades, escolas, faculdades e presídios, por exemplo. Com a pandemia, os trabalhos foram reduzidos, mas estão sendo retomados aos poucos. “No meu ponto de vista, educação e conhecimento, de uma forma geral, é fundamental. Sem isso, não temos nada, então essas ações são muito importantes”, pontua Bárbara. 

Transformação “Nosso foco mesmo é nas mulheres, com o objetivo de que elas tenham independência financeira, autoestima e consigam sair do ciclo da violência doméstica, por exemplo. E também temos uma atenção especiais com presidiários e ex-presidiários, porque botar uma algema e jogar no presídio não vai adiantar de nada, precisamos dar um caminho para essas pessoas, mostrar outra realidade, dar um conhecimento para que haja a mudança de vida”, acrescenta a presidente do projeto. 

Adriana, de 43 anos, e Angélica, de 61, são ex-detentas que participam do projeto. Angélica foi solta há quatro anos e agora conta com o apoio do “1+1 é sempre mais que 2”. “Nós, ex-presidiárias, temos um grupo com a Bárbara e sempre trocamos mensagens. Ela dá esse apoio e eu já até recebi cesta básica. Bárbara está sempre mandando coisas dos artesanatos que ela faz com o pessoal e eu já estou super animada para participar também. É bom porque a gente pode fazer em casa, se distrair e até vender, tirar uma renda. Porque eu vivo agora só de Bolsa Família”, afirma Angélica.

Adriana está solta há três anos e participou das iniciativas do projeto dentro do Conjunto Penal Feminino da Mata Escura. “Eu conheci o projeto no complexo, através das ações que tinham lá. Eles ensinavam a gente a fazer bordado, colagens, artesanato no geral. É uma coisa para a gente lá dentro, trabalha a cabeça e faz a gente evoluir”, diz ela.

Para contribuir com o projeto, os voluntários podem entrar em contato através do perfil no Instagram @projetosocial11 ou do telefone (71) 987992540. 

*Com orientação da subeditora Monique Lôbo