Publicidade infantil abusiva é mais comum do que se imagina

Saiba como identificar um conteúdo abusivo na web

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  • Da Redação

Publicado em 2 de abril de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Morgana Lima

As informações que acessamos nas redes sociais, canais de streaming ou sites sempre carregam  uma grande quantidade de propagandas  dos mais variados gêneros. É impossível acessar o YouTube, mesmo por poucos minutos, e não ser bombardeado pelos anúncios.

Mas nem sempre essa publicidade é percebida. Principalmente pelas crianças, atraídos como imãs. A liberdade para criação de novos conteúdos na internet abriu espaço para que a publicidade de nicho, principalmente voltada para o público infantil, encontrasse novos mecanismos de divulgação, que muitas vezes aparecem de forma abusiva para os pequenos usuários da internet.

Para regulamentar e controlar esses conteúdos patrocinados, a legislação brasileira se apoia em artigos da Constituição Federal, do Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Além do Marco Legal da Primeira Infância, como explica a advogada Ekaterine Karageorgiadis, que coordena o programa Criança Consumo.“Não necessariamente as crianças querem brinquedos realmente novos de uma loja, algumas delas só querem brinquedos diferentes”.  Ekaterine Karageorgiadis, advogadaA iniciativa é uma das vertentes trabalhadas pelo Instituto Alana, entidade não governamental responsável por atuar contra a circulação de conteúdo abusivo para crianças, em diversos meios. “O grande foco do instituto e do programa Criança Consumo é gerar o debate público, ouvindo diversas vozes da sociedade e das empresas, para não limitar o debate em um dos polos”, explica Ekaterine.

Atuando desde 94, o Alana vem se especializando cada vez mais no conteúdo propagado na internet, principalmente em plataformas como o YouTube: “O impacto desses canais é muito grande e isso acaba influenciando também no desenvolvimento de novos produtos, que se baseiam no público dos youtubers, principalmente os mirins”.

Ekaterine explica que esse movimento muitas vezes passa despercebido aos olhos dos pais e responsáveis, afinal a publicidade costuma se misturar ao conteúdo infantil e muitas vezes aparece como parte do roteiro do vídeo que a criança está assistindo. Práticas como essa violam artigos do ECA e do Código de Defesa do Consumidor.   

Entenda como funciona o passo a passo das denúncias feitas pelo Instituto Alana

- Recebe a denúncia do conteúdo abusivo

- Encaminha para a empresa responsável pela propaganda ou para as representações no poder legislativo: Procon, Ministério Público ou Defensoria Pública.

A denúncia pode ser encaminhada de três formas: - Carta enviada para a empresa (geralmente é o primeiro contato). Na carta o instituto se apresenta e fala sobre sua área de atuação, analisando a propaganda comprovando se é de fato um conteúdo infantil abusivo

- A depender da empresa e da gravidade é enviado uma notificação. É dado um prazo para a resposta. 

- Depois da resposta pode ser solicitada uma representação. O instituto representa algum órgão público responsável por fiscalizar o desrespeito a legislação que protege o consumidor e a infância. 

Como identificar

É importante lembrar que a publicidade infantil não se limita a produtos ou serviços exclusivos para crianças. Segundo Ekaterine, é necessário ficar atento aos elementos presentes no vídeo. “Não é necessário questionar a qualidade do produto. O foco é a mensagem direcionada à criança. Se o produto é bom ou ruim, se o alimento é gorduroso ou saudável, não é preciso questionar esse aspecto. A publicidade infantil abusiva independe se alguém comprou ou não o produto”, afirma. 

É importante pais e responsáveis se atentarem a alguns aspectos: a maioria dessas propagandas apela para elementos que se aproximam do universo infantil, como a linguagem, trilhas sonoras e personagens animados, que vendam ou representem o produto exibido."Os pais precisam acompanhar os seus próprios hábitos de consumo. Observar quanto tempo desse lazer são perdido atrás das telas" . Ekaterine KarageorgiadisNo caso do YouTube, algumas marcas utilizam canais infantis para fazer a divulgação de brinquedos e acessórios, prática chamada de unboxing. Em tradução livre, é o ato de desembalar novos produtos. E é a comercialização desse ato que Ekaterine avalia como uma violação ao direito da criança: a publicidade quando fala diretamente com uma criança ignora o adulto e busca entrar no sujeito infantil, onde passa a constituir sua personalidade, passando valores e mensagens.

Publicidade abusiva x propaganda enganosa

É comum as pessoas darem o mesmo significado para os dois termos, mas eles têm origens e funcionalidades diferentes. Enquanto o conteúdo abusivo vende um produto ou serviço real, utilizando artifícios específicos para seduzir o consumidor, a propaganda enganosa divulga uma informação não verdadeira, criando falsas expectativas.

Ou seja, se um anúncio utiliza uma linguagem voltada para um público, ela pode ser definida como abusiva. Mas, se o comercial se apegar em fatos surreais, é classificado como conteúdo enganoso. 

Independente da definição dada, é importante os usuários ficarem atentos e, sempre que possível, utilizarem os recursos de denúncia pela internet, ou através de instituições como o próprio Instituto Alana (www.alana.org.br).

Dicas para evitar o consumo de conteúdo abusivo

- É possível utilizar navegadores de rede específicos que bloqueiam qualquer tipo de publicidade ao utilizar a internet. Um deles é o Brave Browser, que, além de cortar as propagandas, reduz a rastreabilidade enquanto acessa plataformas e sites. Ou seja, evita que novos conteúdos cheguem a sua rede depois de visitar páginas de lojas ou sites de compra. Outra alternativa é optar pelos plug-ins, ou simplesmente extensões, de navegadores como o Google Chrome ou Mozzila Fire Fox. Essa funcionalidade também reduz a quantidade de conteúdos abusivos na sua rede.

- A versão paga do YouTube também funciona bem para quem precisa controlar algum conteúdo para os pequenos. Entre outras alternativas, o YouTube Premium retira as propagandas antes e durante a exibição dos vídeos para os assinantes. O upgrade na plataforma custa R$20,90 por mês.  

- Caso seja identificado algum conteúdo infantil na plataforma do YouTube, o usuário pode clicar no ícone ‘por que esse anúncio?’, representado por um ponto de exclamação. É possível escolher por qual motivo aquele anúncio está sendo denunciado. No caso de propaganda infantis abusivas, o consultor em segurança da informação, Thiago Vieira, aconselha o usuário a clicar na opção ‘impróprio’. Assim, os a propaganda será retirada da tela e a plataforma passa a filtrar os conteúdos que exibirá.    "Nenhum firewall consegue reter 100% desses riscos para os filhos. O principal é a educação dos pais". Thiago Vieira, consultor em segurança da informação

Confira outros trechos da entrevista com a advogada e coordenadora do Criança Consumo, Ekaterine Karageorgiadis"Criança é a pessoa até 12 anos de idade. O código de defesa do consumidor diz: é expressamente abusiva a publicidade que se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança".“Nosso maior objetivo não é multar empresas, é fazer com que elas mudem as práticas através do debate”. “As famílias têm o papel de cuidar dessas crianças no dia a dia, as empresas de não fazer esse tipo de publicidade por desrespeitarem o direito da criança e o estado tem o papel de fazer com que as práticas sejam regulatórias, por meio de leis e normas, e de fiscalizar as condutas ilegais das empresas”.“É muito mais difícil dizer não a uma criança do que simplesmente pausar o vídeo ou desligar o youtube”. “Não é certo culpar os pais como os únicos responsáveis pelo o que acontece com os filhos”."Não podemos olhar a publicidade infantil de forma individual, mas sim coletivamente. Porque muitas vezes os pais pensam que seu filho não é impactado, mas se pensarmos se não desses resultados, o mercado não investiria seu dinheiro para fazer esse tipo de mensagem. Nenhuma empresa gasta dinheiro à toa".  “Geralmente as famílias ficam cientes das publicidades pelas crianças, pelos pedidos que elas fazem de alguma cosia que os pais nunca ouviram falar”."Não podemos olhar a publicidade infantil de forma individual, mas sim coletivamente. Porque muitas vezes os pais pensam que seu filho não é impactado, mas se pensarmos que se não desses resultados, o mercado não investiria seu dinheiro para fazer esse tipo de mensagem. Nenhuma empresa gasta dinheiro à toa". "Uma das soluções é buscar atividades de lazer que não envolvam atividades comerciais, de consumo. Como aproveitar as praças, valorizar aquilo que vem de casa, incluir a criança nesses processos diários, como cozinhar".