Qual é o valor do trio elétrico? Entenda os custos do 'motor do Carnaval'

Um trio pode chegar a custar de R$ 1 milhão a R$ 10 milhões

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  • Thais Borges

Publicado em 12 de fevereiro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO

A lista é longa. Carroceria de ferro, caminhão acoplado, um ou mais geradores. Processador, mesas digitais, sistema de monitoramento, camarins e sanitários climatizados, cobertura retrátil que obedece a um controle remoto. Tudo isso ao longo de até 25 metros de altura, chegando a pesar 60 toneladas e com a certeza de que é um dos equipamentos mais baianos que poderia existir – o trio elétrico. 

Mas, diante de tantos atributos, quando se coloca tudo na ponta do lápis, um trio pode chegar a custar de R$ 1 milhão a R$ 10 milhões. Só que essas cifras astronômicas escondem um mercado pouco promissor. No ano em que o trio elétrico completa 70 anos – a Fobica, criação de Dodô e Osmar, foi inventada em 1950 –, o negócio movimenta cerca de R$ 20 milhões, anualmente, de acordo com as estimativas da Associação Baiana de Trios Independentes (ABTI). 

Esse valor leva em conta todos os trios e minitrios que existem na Bahia – algo em torno de 60. O número é pouco menos da metade da demanda do Carnaval de Salvador, que chega aos 130. O restante vem de outros estados especificamente para a festa. “O trio pode ter crescido no Brasil todo, mas a Bahia ainda é o celeiro. Esse mercado ficou muito difícil, mas a gente que tem envolvimento e história com o Carnaval faz por amor”, diz o presidente da ABTI, Paulo Leal. Para ter um trio de qualidade, entre os mais modernos do ramo, hoje, Leal estima que não dá para investir menos do que R$ 3 milhões. Há 11 anos, no Carnaval de 2009, a cantora Ivete Sangalo estreou o trio Demolidor 3 na folia. Na época, foi divulgado que ele tinha custado R$ 2,5 milhões. 

Só que, ao mesmo tempo, o número de eventos que contrata um trio elétrico foi caindo. Desde que showmícios foram proibidos, em 2006, boa parte da demanda caiu. Outras proibições para a presença dos trios, como a Lavagem do Bonfim, também contribuíram. 

“Tínhamos uma lista de micaretas e carnavais fora de época que foram se criando, mas isso caiu muito. Para manter um trio elétrico atualizado, é muito caro. Se você tem um celular hoje, daqui a dois, três meses, já lançou um novo. A mesma coisa ocorre com equipamento de som. São poucos donos de trio que conseguem ter isso atualizado”, diz.  Vistoria dos trios elétricos vai até o dia 21 (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Defasagem  As diárias de um bom trio custam cerca de R$ 40 mil. No entanto, esse valor é defasado. O ideal, de acordo com os empresários, seria que o tíquete girasse em torno de R$ 60 mil.“A diária não evoluiu. Os contratantes não querem pagar 10% do valor que o artista recebe. Em 2016, o litro do óleo diesel era R$ 2,84. Hoje, você chega a pagar R$ 3,73”, explica um empresário que não quis se identificar, dono do trio Light. O Light, neste Carnaval, deve sair com artistas como Lincoln e Duas Medidas e Igor Kannário. Em outros dois dias – a sexta e o sábado da folia –, ainda aguarda a definição da prefeitura, por quem foi contratado. 

Só no Carnaval, o empresário estima que gasta entre R$ 60 mil e R$ 80 mil de manutenção. Esse valor não inclui o custo anual, que costuma passar dos R$ 200 mil, segundo fontes ouvidas pelo CORREIO, sem contar novos investimentos. 

Além da própria estrutura do trio, há gastos como aluguel de galpão para guardá-lo e salários de técnico de som e motorista. Normalmente, os condutores são fixos. No Light, por exemplo, com exceção do Carnaval (quando é obrigatório contar com dois motoristas), o motorista é sempre o mesmo. O profissional, que tem 15 anos de experiência com trios, trabalha com o grupo há cinco anos. 

“Você não vai entregar um patrimônio valioso e colocar na mão de qualquer motorista. Graças a Deus ele não bebe em festas, não usa drogas, é altamente responsável com horário. Hoje, infelizmente, tem muita gente que gosta de se drogar”, diz. 

O presidente da ABTI, Paulo Leal, também é categórico ao afirmar que um trio não pode ser confiado a “qualquer um”. Em 1982, quando era o responsável por cuidar do trio de Dodô e Osmar, o caminhão virou na estrada. O trio estava indo para o carnaval de Itabuna, no Sul da Bahia quando sofreu o acidente. 

“A gente tinha dispensado nosso motorista, que já era um senhor, e eu contratei um carioca. Ele virou o trio por irresponsabilidade”, lembra. 

Por isso, a diária de um bom motorista nos grandes trios, durante o Carnaval, é alta. No período momesco, entre os melhores equipamentos, um condutor pode faturar até R$ 10 mil durante os seis dias. “Mas tem trios que são mais fracos, pagam menos”, pondera Leal. 

Os motoristas de trio precisam ter a Carteira Nacional de Habilitação tipo D ou E, além de fazer o curso de formação para motoristas de trios elétricos, oferecidos pelo Detran-BA. De acordo com o órgão de trânsito estadual, o curso é gratuito e dura quatro horas - haverá duas turmas por dia entre os dias 17 e 20 (das 8h às 12h e das 13h30 às 17h30).  Para participar, basta comparecer ao local com CNH. 

Burocracia São tantos detalhes, custos e burocracia que a maioria dos artistas deixou os trios de lado. Hoje, preferem alugar os carros em que desfilam. Mesmo os filhos de um dos inventores do trio elétrico, os Irmãos Macêdo, com o Trio Armandinho, Dodô e Osmar, não têm o seu próprio. Eles alugam o Trio Pan, que é de Aracaju (SE), mas circula em todo o Brasil. “O artista toca no Festival de Verão e não quer dizer que tenha que ser dono de palco. Antigamente, o trio tinha que ter a banda dele, os músicos dele, mas muito antigamente. Não era um palco de aluguel. Mas agora é uma coisa normal. Para a gente, que é artista, é melhor que fique na mão de empresas que têm essa estrutura”, diz o músico Aroldo Macêdo. Entre os modernos, um dos citados pelos especialistas é o RG, da família de Rubem Tourinho, conhecido como Rubinho dos Trios. “Mas, para mim, a novidade hoje é o pranchão, porque o artista fica perto do público. A gente tem que agradecer ao pessoal do Alavontê, hoje Mudei de Nome, que são os verdadeiros criadores. O primeiro foi deles, depois a gente fez e hoje já tem vários”, diz Rubem. 

Para garantir a saúde do negócio, os trios viajam pelo Brasil. O Light, por exemplo, passou o fim de semana em Juazeiro. Deve chegar nesta quarta-feira a João Pessoa (PB), que terá seu pré-Carnaval neste fim de semana. 

“O trio viaja para onde o contratante chama. Já fomos para Manaus, Recife, João Pessoa. Janeiro e fevereiro são mais concorridos, mas tem mês que o trio passa todo na garagem. Setembro, outubro... Às vezes, ficam parados logo depois do Carnaval”, admite o proprietário do Light.

Alguns veículos, porém, de acordo com Paulo Leal, da ABTI, ficam parados o ano inteiro. Hoje, uma das coisas consideradas mais lucrativas são os minitrios. “O minitrio roda muito, é menor e de fácil mobilização. Até grandes bandas usam trios no Carnaval e, fora dele, minitrios. Sem contar que o mercado de minitrio absorve as festas dos bairros. O mercado gira mais”, diz. Leal.  Vistoria acontece no Parque de Exposições (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Conheça três gerações de construtores de trio

Dodô e Osmar Adolfo Antônio do Nascimento, o Dodô, e Osmar Álvares Macêdo eram dois amigos que estudavam música e eletrônica. O primeiro era técnico em eletrônica, o segundo tinha uma oficina mecânica. 

Juntos, pretendiam amplificar o som dos instrumentos de corda – foi assim em 1942, quando criaram o chamado “pau elétrico”. Era o que viria a ser chamado depois de guitarra baiana – a primeira do Brasil. 

Oito anos depois, no Carnaval de 1950, os dois subiram em um Ford 1929 – a Fobica. A lateral do veículo vinha com os dizeres A Dupla Elétrica. No ano seguinte, 1951, depois de mais estudo e aperfeiçoamento, receberam um terceiro membro, Temístocles Aragão. Assim, formaram o trio elétrico. 

Em 1952, os cantores voltaram a desfilar sem Temístocles. No entanto, decidiram manter o nome ‘trio elétrico’, que já tinha se popularizado. 

Orlando Tapajós  Se Dodô e Osmar criaram o trio elétrico, foi Orlando Campos de Souza o responsável pelo trio como se conhece hoje. Em 1956, quando diretor do clube de futebol Flamenguinho, decidiu contratar o trio Cinco Irmãos. No dia da festa, os contratados não apareceram e Orlando anunciou ao povo que faria o próprio trio. 

Recorreu às orientações de Dodô e virou, assim, Orlando Tapajós – o criador de 60 trios “Tapajós”. Foi o primeiro de uma época em que outros empresários também queriam um Tapajós para chamar de seu: surgiram trios Marajós, Valneijós... Mas foi Seu Orlando quem criou a carroceria de metal, colocou banheiro, escadas e até elevador.

Seu Orlando fazia praticamente um trio por ano, mas um deles é inesquecível: a Caetanave – o trio elétrico em forma de nave que homenageou Caetano Veloso, em 1972. A história da inspiração é famosa: Orlando viajara ao Rio para comprar material. No avião, leu uma revista que falava sobre o Concorde, um avião supersônico que foi produzido entre as décadas de 1960 e 1970. O impacto da imagem foi tão grande que ele decidiu que aquele seria seu próximo trio. 

Ele morreu em maio 2018, aos 84 anos, após uma reportagem do CORREIO que mostrou, em janeiro daquele ano, que Seu Orlando tinha perdido praticamente tudo. Após a publicação, a Associação Baiana de Trios Independentes (ABTI) anunciou que ele receberia uma pensão mensal no valor de R$ 6 mil.

Waldemar Sandes O ex-locutor de rádio Waldemar Sandes é considerado um dos herdeiros da construção de trios elétricos na Bahia. Um dos principais construtores de trios em atividade no país, hoje, ele vive na Estrada das Pedreiras, nas proximidades do Centro Industrial de Aratu (CIA), ao lado de grandes carrocerias elétricas.  Ex-empresário de Luiz Gonzaga, Waldemar foi discípulo de Orlando Tapajós, responsável por trios icônicos como a Caetanave. 

Waldemar conheceu Tapajós quando o Rei do Baião fez um show em Alagoinhas, no Nordeste do estado. De última hora, o palco quebrou. Só que a Caetanave, trio elétrico criado por Tapajós em 1972, fazia um show na praça da cidade. Gonzaga, então, fez o show na Caetanave e uniu, assim, dois dos maiores nomes dos trios elétricos.

Autodidata, contou ao CORREIO, em 2018, que já tinha feito mais de 100, ao longo da vida, e nenhum semelhante a outro - ele não costuma desenhar, não projeta a criação antes. Por anos, foi o presidente da Associação Baiana de Trios Independentes (ABTI). 

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