Quando o trabalho pode levar à morte: especialistas fazem alerta

Excesso de trabalho, e mesmo desemprego podem ser gatilhos para algumas pessoas

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  • Da Redação

Publicado em 9 de setembro de 2019 às 06:20

- Atualizado há um ano

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No mês dedicado à prevenção do suicídio, muitos são os alertas feitos acerca da saúde mental e emocional dos indivíduos. Isso porque o problema costuma estar ligado à ansiedade, depressão e ao abuso de álcool e outras drogas. No entanto, cada vez mais especialistas têm enfatizado que o cenário socioeconômico também é capaz de interferir no agravamento de transtornos e, por consequência, no número de casos. ”Em conjunturas adversas, de guerras, recessão e crise política, pode haver um aumento no índice de suicídios”, explica o psiquiatra clínicio Victor Pablo da Silveira, da clínica Holiste. As pressões rotineiras no ambiente profissional, e mesmo o desemprego, podem ser a “gota d'água” para algumas pessoas. “Ninguém vai tentar o suicídio só porque ficou desempregado ou está passando por uma situação muito ruim no trabalho. O processo de contemplar a ideia, planejar e fazer essa tentativa decorre de um adoecimento crônico, de uma dificuldade de enfrentar adversidades ou de um perfil impulsivo”, elenca Silveira. Tanto assim que, segundo o especialista, muitas tentativas são meio destrambelhadas: a pessoa tenta, mas logo em seguida pede ajuda. “O suicídio não é sobre morte, é sobre alívio. A pessoa não vê saída, não vê sentido se sente impotente”, explica a psiquiatra Ana Paula Torres Guedes, do Núcleo de Estudo e Prevenção do Suicídio (NEPS). Como a interação entre os fatores de risco é complexa, fica difícil estabelecer uma relação causal e direta, mas a conexão existe. Mesmo porque parte do tempo de vida é dedicado ao trabalho — bem mais do que as oito horas diárias.  ”A lógica da produtividade e da aceleração a que estamos submetidos, além do déficit de experiências de subjetividade no trabalho, produzem um cenário de extremo sofrimento”, alerta a psicóloga líder do Hospital Português, Elisa Silveira Teixeira.Insalubridade Professores, policiais, jornalistas, médicos e enfermeiros estão no topo da lista dos profissionais com exposição aos riscos ocupacionais clássicos: alto nível de exaustão emocional, sobrecarga de trabalho e baixa realização pessoal. A soma de tudo isso geralmente resulta em uma mistura explosiva: a Síndrome de Burnout.

O nome não poderia ser mais elucidativo. Em inglês, “burn out” significa “queimar por completo”. É assim – acabados, esgotados – que um número cada vez maior de profissionais (de todas as áreas) se sente. Segundo dados da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, na comparação entre os anos de 2017 e 2018, o crescimento de benefícios de auxílio-doença com a doença chegou a 114,80%. O número de benefícios pulou de 196 para 421. Pesquisa divulgada no final de agosto pelo Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção (Gespesp) aponta que, entre 2017 e 2018, mais que dobrou o número de agentes de segurança pública que se mataram no Brasil. Em 2017, foram registrados 28 casos contra 67 em 2018, uma alta de 140%. O número inclui suicídios e homicídios seguidos de suicídios (quando a pessoa assassinou alguém antes de se matar). Além dos suicídios consumados, também houve aumento na tentativa: 14 em 2018, contra os seis registros de 2017.  Outro complicador é a dificuldade de conter uma pessoa que tem ao alcance ferramentas que facilitam a própria morte, como os fármacos e as armas de fogo. Apesar de não haver números atualizados em relação a todas as categorias profissionais, o quadro tem sido recorrente.  Daí, a importância de campanhas como o Setembro Amarelo, quando ganham destaque iniciativas de valorização da vida. “As campanhas são muito importantes porque mostram que o suicídio e o pensamento suicida é algo humano. E nelas deve haver as mensagens de que, primeiro, sempre há uma saída e, segundo, tudo passa”, diz Guedes. Desemprego  O recado vale para quem não vê perspectivas de melhora no ambiente de trabalho, e também para aqueles que estão desempregados e com uma sensação de inutilidade, inferioridade ou exclusão. 

O impacto do desemprego é grande justamente porque, além do salário, o indivíduo se sente isolado, impotente e passa a se enxergar como um peso. Esse conjunto de fatores desencadeia tendências autodestrutivas e o abuso de álcool e drogas, agravando transtornos como ansiedade e depressão e agindo ainda como “desinibidores”, ou seja, reduzindo o medo da morte. Nesse caso, familiares e amigos próximos têm de estar ainda mais atentos para perceberem os sinais, e os diferenciar de uma reclusão decorrente da nova condição de desempregado. “O risco de suicídio é considerado maior no caso de homens na faixa de 45 a 50 anos de idade, mas há uma subnotificação no caso de mulheres, cujas tentativas costumam ser menos letais”, ressalta Silveira.

Empresa francesa responde por casos O julgamento de sete executivos de uma empresa de telefonia francesa pode abrir precedentes no país e gerar uma discussão internacional sobre a responsabilização de empregadores em caso de suicídio de funcionários. Com base em uma lei de 2002 sobre assédio moral, promotores públicos entraram com ações contra a France Télécom pelo suicídio de 35 funcionários entre 2008 e 2009. Em vários casos, as vítimas culparam a empresa diretamente pelo seu desespero, e opção pelo suicídio. Num e-mail de despedida ao pai, uma mulher de 32 anos disse que não queria trabalhar com o novo chefe. Ela se jogou do quinto andar do prédio corporativo, na frente dos colegas de trabalho. Em outra carta, um homem de 51 anos acusou seus chefes de “gerir pelo terror”. “Eu estou me matando por causa do meu trabalho na France Télécom. É o único motivo”, escreveu.   De acordo com a acusação, os sete executivos foram responsáveis por promover um sistema de “assédio moral institucionalizado” que teria como objetivo forçar funcionários a pedirem demissão. O cerco teria começado em 2005, quando 22 mil postos (quase 20% da força de trabalho da companhia) deveriam ser cortados. As demissões deveriam acontecer em um prazo de três anos. Como se tratava de uma empresa estatal passando por um processo de privatização, muitos profissionais se recusaram a pedir demissão e perder a estabilidade garantida por lei. Diante disso, os executivos teriam decidido “tornar a vida dos empregados intolerável”. Após dois meses de oitivas de testemunhas e acusados, a França agora aguarda a sentença.