'Questão não é impedir as telas, mas possibilitar outros interesses', diz psicólogo

Veja como pais devem encarar o fascínio exercido por ídolos digitais

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 28 de abril de 2019 às 03:28

- Atualizado há um ano

. Crédito: Mauro Akin Nassor/CORREIO

Um dos autores do livro Intoxicações Eletrônicas: o Sujeito Na Era das Relações Virtuais, o psicólogo e psicanalista Luiz Mena acredita que nada é mais eficiente do que fazer o seu filho experimentar outros passatempos fora da web. Confira abaixo a entrevista.

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CORREIO: De repente, os pais se depararam com uma geração hiperconectada para educar. Você vê motivo de preocupação quando os pais comparam que os filhos não socializam como eles no passado? Sim, eu vejo com preocupação essa mudança de paradigma, mas uma preocupação diferente do que se costuma dizer por aí. A geração das telas se socializa de uma maneira diferente da geração precedente, mas isso não quer dizer que os jovens de hoje não se socializem. Eles se socializam em outras plataformas.

Quando insistimos pra que nossos filhos saiam do computador e convidem algum amigo pra ir em casa, ou quando eles mesmos vão pra casa de algum amigo pra se socializar, o que você acha que eles fazem juntos? Eles ligam o computador! Ou vão jogar juntos, ou vão surfar na internet juntos, ou vão assistir juntos. Creio que a plataforma digital já alterou o modo de nos relacionarmos uns com os outros, e isso é irreversível. 

Creio que o problema não é o uso que se faz, o tempo que se perde na frente do gadget, mas a ausência de outras atividades. É como a política de redução de danos no campo das intoxicações: a questão não é impedir o uso, mas possibilitar outros interesses, multiplicar as ofertas, para que elas não fiquem reduzidas às substâncias ou às telas.

Nesse sentido, ao invés de mandar o jovem desligar o computador, penso que é mais interessante ofertar outras possibilidades: convidá-lo pra ir à praia, ir andar de bicicleta, ir tomar um sorvete, oferecer outras alternativas. Sem esquecer que algumas dessas alternativas irão requerer a participação dos pais, gasto de tempo e gasto de dinheiro. Mas educar dá trabalho. E talvez esse seja um dos motivos para a proliferação dos abusos digitais: é uma maneira eficaz de educar sem precisar se implicar nessa educação, dispor de seu precioso tempo e dinheiro.

Os gadgets carregam um aspecto problemático: eles concentram em um único lugar uma série de usos, e nesse sentido quando estamos no celular podemos passar de uma coisa pra outra sem precisarmos mudar de aparelho. O uso não vai num só sentido. Podemos usar o celular pra jogar, pra ouvir música, pra estudar, pra ler notícias, pra ler um clássico de Freud, pra namorar, pra ver filme, pra trabalhar, pra descansar… Por isso ele é altamente viciável. Porque ele é um objeto pré-à-porter: o mesmo objeto serve aos mais diferentes usos, e se encaixa de maneira instantânea às mais diferentes necessidades.

A Bíblia pode ser altamente nociva se for o único livro presente em casa, mas pode ser um livro altamente rico se pudermos aliar sua leitura com outros livros.

CORREIO: Impor limites de horários pode ser uma boa opção? Qual deve ser o nível de rigidez? Já que cortar totalmente a Internet não pode ser uma opção, como encontrar o equilibro para uma boa educação digital dentro de uma sociedade que vive conectada? Não gosto de pensar em limites de horários universais, acho que depende muito de família pra família, pois esses limites envolvem a maneira como os pais foram educados, o que é diferente de casa pra casa.

Acho que depende também das outras atividades que fazemos, e que as crianças e jovens fazem. Mas é importante não demonizarmos o uso dos gadgets: a colocação de limites é fundamental na educação de qualquer criança e jovem, e não se restringe ao uso do gadget: está presente também nas atividades da vida diária, como comer, dormir, tomar banho ou escovar os dentes, estudar, fazer os deveres. É importante a colocação de limites. E isso inclui os gadgets.

CORREIO: Podemos ver crianças até de menos de 1 ano mexendo em celulares. Existe uma idade recomendada para que a criança comece a mexer nas telas? Um bebê já está exposto às telas antes mesmo que percebamos, ou antes que coloquemos uma telinha em sua mão. Ao seu redor, todo mundo tem telinhas nas mãos! O tempo todo!

Tendo a pensar que uma criança pequena não precisa de uma tela, pois a vida e suas múltiplas novidades já ofereceria bastante informação para despertar a atenção e a curiosidade, através dos gostos, dos cheiros, das cores, das sensações corporais, dos sons. Não acho que seja necessário colocar um tablet na mão de uma criança muito pequena."Mas a questão é que os pais não conseguem se desgrudar dos seus gadgets nem um minuto, e as crianças pequenas acabam se interessando pelos objetos que despertam a atenção dos pais!"Acho bastante problemático querermos que os filhos não bebam refrigerantes se nós bebemos, que eles façam esportes que nós não fazemos, ou que leiam livros se nós não lemos.

O mundo que apresentamos às crianças é o nosso mundo, no qual as crianças acabaram de chegar como estrangeiras. Nós somos os guias de apresentação desse mundo, tanto com relação ao que falamos quanto com relação ao que fazemos. E elas estão sempre atentas ao que fazemos! De novo, creio que devemos aumentar o repertório de oferta às crianças, e não restringir o uso de gadgets.