Raio-x da ômicron: o que você precisa saber sobre variante que infectou todo mundo

Esta semana, a Bahia bateu o recorde de casos ativos desde o início da pandemia

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  • Thais Borges

Publicado em 6 de fevereiro de 2022 às 07:00

- Atualizado há um ano

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Foi uma semana de recordes negativos. Na sexta-feira (4), a Bahia registrou mais de 36 mil casos ativos de covid-19 no estado - o maior número desde o começo da pandemia. Só que o recorde anterior também era recente: 31.884 casos ativos, em 29 de janeiro. O estado ainda bateu a maior soma de novos casos em apenas 24 horas: 15.536, quase o dobro dos 8.822 notificados no dia 27 de junho de 2020, o maior índice até então. 

A responsável por isso tem nome: a variante ômicron, que chegou ao estado em dezembro e, em janeiro, já dominava praticamente todas as amostras genéticas do Sars-cov-2 sequenciadas aqui, de acordo com o painel da Rede Genômica da Fiocruz. Desde que foi descrita pela primeira vez, em novembro, na África do Sul, a cepa tem provocado aumento de casos e internações na maioria dos países por onde passou, devido à sua transmissibilidade. 

Na maioria desses locais, essa alta de casos durou entre quatro e seis semanas. Por essa estatística, o Brasil ainda estaria em meio a esse período de crescimento das infecções. Os positivos para covid-19 registram crescimento até nos assintomáticos, como explica o infectologista Evaldo Stanislau, pesquisador do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade São Judas. Ele é responsável pelo Projeto Sentinela na cidade de Cubatão (SP), um dos poucos estudos do tipo no Brasil. 

Desde julho de 2021, o professor e um grupo de estudantes de Medicina testam 260 pessoas assintomáticas em bairros da cidade de acordo com a distribuição censitária. Até dezembro, a positividade - ou seja, o número de pessoas assintomáticas que estavam infectadas com covid-19 - não passava de 1%. Em média, ficava em torno de 0,3%. “Fizemos uma pausa no Natal e no Ano Novo e quando retornamos no dia 15 de janeiro, o percentual foi de 34,2%. Nós começamos o projeto com a variante gama e passamos pela delta. Nem a gama nem a delta tiveram uma capacidade de causar tanta infecção assintomática quanto a ômicron”, explica. A partir desses dados, é possível identificar uma transmissão comunitária alta. Segundo o professor, percentuais acima de 5% são considerados altos. No dia 22 de janeiro, o percentual de assintomáticos positivos em Cubatão era de 25,4% e, no dia 29, chegou a 13,5%. Quase 100% dos testados tinham tomado a vacina contra a covid-19. 

“A gente não pode extrapolar esses resultados para o Brasil como um todo porque é uma cidade da região metropolitana de São Paulo. Mas esse é um padrão que se repete em outros países e tem o valor do conceito de prova. Mostra como é importante ter vigilância”, reforça.  Tire as principais dúvidas sobre a variante ômicron Os doentes que estão vacinados ficam a mesma quantidade de tempo internados que nas ondas provocadas por outras variantes? 

O tempo que os pacientes internados permaneciam nos leitos de enfermaria e UTIs sempre foi um dos gargalos da rede assistencial na pandemia. Em geral, esses pacientes passavam de 14 a 21 dias na UTI, de acordo com o imunologista e pediatra Celso Sant’Anna, professor de Medicina da UniFTC e da Universidade Federal da Bahia (Ufba). “Hoje, a média desses pacientes é de 5 a 7 dias. Muitos nem vão para a UTI e acabam ficando só em enfermaria. A maioria dos que estão em UTIs não estão vacinados e têm comorbidades”, explica. Algumas instituições específicas, como o Hospital Espanhol, que é referência para covid-19, acabam fugindo da estatística por outras razões. Segundo a infectologista Giovanna Orrico, médica da instituição e preceptora da Ufba, não tem havido diferença significativa no tempo de internação entre os pacientes de dezembro - quando a cepa delta ainda era maioria - e em janeiro, já com a ômicron. 

Em dezembro, o tempo médio foi de nove dias, enquanto em janeiro foi de 10.“Às vezes, o paciente fica mais tempo porque a gente não consegue fazer a regulação. Nós recebemos vários pacientes de hospitais de Salvador onde houve surto. Quando passa o período de isolamento deles, não conseguimos enviar ao hospital de origem na mesma velocidade. Ou seja, o tempo de permanência não necessariamente quer dizer gravidade”, pondera. A Secretaria da Saúde do Estado (Sesab) não informou o tempo médio de permanência nos leitos de covid-19 na Bahia. No entanto, já há dados de outros estados que comprovam a tendência mundial também no Brasil. Em São Paulo, os pacientes têm ficado seis dias hospitalizados, em média. Em março do ano passado, eram 11 dias - uma redução de 55%. 

Além disso, a Bahia tinha, na sexta-feira (4), 77% de ocupação de leitos em geral e outros 70% de ocupação em leitos de UTI, com 1.463 leitos ativos. No entanto, a rede hospitalar não tem precisado ser tão ampliada quanto nos dois últimos anos, com as outras ondas da pandemia. Em determinados momentos de 2021, houve mais de 3,4 mil leitos para covid-19 no estado, com ocupação passando de 80%. 

A ômicron provoca problemas tão graves nos não vacinados quanto as variantes anteriores? 

De forma geral, a maioria dos pacientes com covid-19 nas últimas semanas têm chegado às emergências e consultórios com quadros mais leves. Segundo a infectologista Giovanna Orrico, do Hospital Espanhol, muitos apresentam sintomas que lembram uma sinusite ou uma amigdalite. Febre e os sintomas que eram classicamente associados à covid, como perda de olfato e paladar, não estão sendo tão comuns. 

“Temos uma minoria, algo entre 5 e 7% dos pacientes evoluindo com um quadro mais arrastado, às vezes uma pneumonia. Quando eles são internados, os vacinados estão geralmente em enfermarias”, explica. 

Os não vacinados ou com vacinação incompleta são aqueles que têm evoluído para quadros graves com mais frequência. Hoje, inclusive, ter apenas duas doses nas faixas etárias que já podem tomar o reforço é considerado vacinação incompleta. “Esses pacientes têm complicado um pouco mais. Nossa realidade hoje é da maioria das UTIs de não vacinados ou de vacinação incompleta”, acrescenta. 

Os não vacinados têm sido motivo de preocupação dos médicos.“Nas UTIs, apresentam quadros iguaizinhos aos do início da pandemia: catastróficos”, escreveu a infectologista Ceuci Nunes, diretora do Instituto Couto Maia, em uma rede social, esta semana.No entanto, também não quer dizer que esses pacientes internados desenvolvam a doença da mesma forma que os que foram infectados por outras variantes. O comprometimento pulmonar não é tão grande quanto com outras cepas, especialmente em que não tem nenhuma comorbidade. 

“O que a gente tem observado é que eles são menos críticos. Os pacientes que a gente observava em outras ondas eram mais doentes. A gente não sabe se é porque a ômicron é mais leve ou se é apenas ação da vacina, mas acredito que seja um pouco dos dois”, pondera o infectologista Evaldo Stanislau, pesquisador do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. 

O quão mais transmissível ela é em relação às demais?

A ômicron pode ser pelo menos quatro vezes mais transmissível do que a delta - a cepa que, até então, era maioria dos casos do mundo. Mas outros números ajudam a ter uma noção do tamanho do problema. 

Uma pessoa não vacinada ou que não completou o esquema tem seis vezes mais chance de se reinfectar pela ômicron, segundo um estudo recente da Agência de Segurança de Saúde do Reino Unido. Nos totalmente vacinados, a probabilidade é cinco vezes maior, justamente pela capacidade que essa cepa tem de escapar da imunidade, em comparação às outras variantes. 

Com quatro linhagens descritas, a ômicron surgiu como resultado de mais de 30 mutações na proteína spike do Sars-cov-2. Uma dessas linhagens - a subvariante BA.2 - tem sido considerada 1,5 mais transmissível do que a versão ‘original’, de acordo com cientistas dinamarqueses. 

O poder de replicação da ômicron nos tecidos respiratórios seria até 70 vezes mais rápido do que a delta - o que facilitaria essa alta transmissibilidade. No entanto, nos pulmões, a replicação do vírus seria até 10 vezes menor, o que pode explicar esse menor comprometimento pulmonar. “Aparentemente, ela tem mais dificuldade em penetrar o pulmão e causar uma doença sistêmica mais reverberante. Mas o que fez diferença mesmo e reduziu muito a internação foi a vacinação. Porque, na onda ômicron, quem tem três doses da vacina, mesmo diante dela, tem uma chance muito pequena de ir para a UTI”, explica o infectologista Evaldo Stanislau. Quanto tempo o vírus dura no organismo com a ômicron? 

Isso não é diferente de outras variantes. A carga viral ainda é grande em torno de cinco a sete dias do início dos sintomas. “Alguns estudos internacionais mostram que, a partir do quinto dia, dois terços das pessoas já não são capazes de transmitir. Mas um terço ainda pode continuar transmitindo, por isso essa extensão até o dia 7”, afirma o imunologista Celso Sant’Anna. 

Quando chega a 7 a 10 dias, a possibilidade de transmissão é de 15%. Com 10 dias, a chance de transmissão é de 5%. “Mas Medicina não é matemática. Por isso, o ideal seria manter a quarentena por 10 dias”, completa Sant’Anna. 

Por vezes, uma mesma pessoa pode testar positivo - especialmente em um teste do tipo RT-PCR, considerado ‘padrão ouro’ - mesmo que já não tenha a doença. A infectologista Giovanna Orrico explica que se trata de restos de vírus morto. “Temos relatos de pacientes cujos testes dão positivo por até três meses, porque os exames são muito sensíveis”, conta. 

Alguns pacientes, de forma mais rara, podem testar positivo por mais tempo. No Reino Unido, um homem testou positivo 43 vezes durante 10 meses e é considerado o caso de covid-19 mais longo do mundo. 

Quando essa onda deve passar? 

Até o momento, a ômicron tem se comportado de maneira parecida nos países por onde já passou. Há um pico de incidência progressiva que dura de quatro a seis semanas, como explica o imunologista Celso Sant’Anna. “Não é uma onda. É uma tsunami. Depois, ela cai drasticamente”, explica.

Depois dessas seis semanas, há ainda um período de duas a três semanas em que as UTIs devem seguir lotadas porque, após a infecção, alguns pacientes vão desenvolver sintomas com maior gravidade.“Assim, você tem em torno de um mês e meio de pico e um mês e meio de decréscimo. Mas isso pode variar de acordo com a incidência de vacinação nesses locais. Estamos falando de comunidades onde pelo menos 70% da população tomou as duas doses”, explica. Se a vacinação está mais baixa, esse cenário pode ser diferente e o pico de incidência pode continuar aumentando. No Brasil, os casos começaram a aumentar nos primeiros dias de janeiro. Assim, a expectativa de cientistas e profissionais de saúde é de que continuem crescendo até meados de fevereiro. 

Ainda assim, o médico é cauteloso. “Você não pode transpor esse cenário de uma realidade para outra. Cada situação precisa ser analisada individualmente para ver qual é a melhor estratégia para todos, quando atingirmos um nível de imunidade de rebanho”, pondera. 

A ômicron teria sequelas diferentes na síndrome pós-covid? 

A chamada covid longa ou prolongada ocorre, por definição, de oito a 12 semanas depois da fase aguda da covid. Por isso, ainda é cedo para falar sobre eventuais sequelas da ômicron, nesse caso, como explica o infectologista Evaldo Stanislau. 

“Se, no mundo, ela começa a despontar em dezembro, ainda não temos nem tempo suficiente para falar isso. É provável que ocorra, mas num percentual muito menor de pessoas”, explica. Todas as pesquisas até então têm mostrado que, quanto mais doses da vacina contra covid-19 alguém recebeu, menor a chance de desenvolver a covid prolongada. 

Finalmente a covid-19 está virando uma gripezinha para os vacinados? 

Apesar de cientistas do mundo inteiro estarem otimistas com relação ao comportamento da pandemia em 2022, ainda é cedo para falar qualquer coisa nesse sentido. É possível que a ômicron contribua para isso, mas, por enquanto, esse é mais um desejo do que qualquer outra coisa.“Não dá para dizer se vai ser uma gripezinha porque a gente não sabe se vai ter novas variantes”, reforça a infectologista Giovanna Orrico. A ômicron leva menos tempo para infectar? 

O tempo para manifestação de sintomas caiu drasticamente. Se antes você podia apresentar sintomas entre 10 e 14 dias depois do contato com uma pessoa infectada, hoje isso pode acontecer no dia seguinte. 

“Você entra em contato com ela um dia e, no dia seguinte, seu teste já pode dar positivo. Você já começa a transmitir dois dias antes dos sintomas e até 3 a 5 dias depois”, explica o imunologista Celso Sant’Anna.

Na semana passada, o caso do ex-participante do Big Brother Brasil Luciano Estevan chamou atenção justamente por isso. Ele testou positivo para covid-19 dois dias depois de ter sido eliminado, o que fez com que muita gente especulasse se havia sido infectado ainda dentro da casa. No entanto, pelo ciclo da ômicron, ele pode, sim, ter sido infectado já fora do programa. 

É verdade que a ômicron pode não impedir a reinfecção por covid-19? 

Ainda não é possível dizer com certeza, mas é provável que ela siga o padrão das outras variantes e permita a reinfecção - inclusive por subvariantes da própria ômicron. Por definição, como destaca o infectologista Evaldo Stanislau, a reinfecção está associada à perda da memória imunológica. 

“O que acontece é que não temos uma memória que seja perene. Por isso é muito perigoso esse conceito de que quem já teve covid-19 não precisa se vacinar. Isso é uma bobagem. A reinfecção acontece primeiro porque é uma característica imunidade que ela caia; e segundo porque a ômicron tem muitas mutações. Pode ser que as mesmas sublinhagens não tenham a mesma resposta imunológica”, avalia.