Resort de Praia do Forte faz obra na areia da praia e assusta moradores e ambientalistas

Prefeitura de Mata de São João alega que a intervenção tem todas as licenças necessárias

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  • Gabriel Amorim

Publicado em 14 de julho de 2020 às 05:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Leitor CORREIO

Trator na areia da praia, escavações para a construção de um muro. A imagem incomum chama atenção e assusta quem mora na Praia do Forte, no município de Mata de São João. A obra, realizada para contenção do nível do mar, está em curso no trecho da praia que fica em frente ao Tivoli Resort e motivou a movimentação de moradores e  ambientalistas que chamam a intervenção de crime ambiental. 

Segundo a administração municipal, no entanto, a construção da contenção é regular e tem todas as autorizações legais. “A obra de contenção do avanço das marés do Tivoli Resort da Praia do Forte está licenciada e tem o propósito de conter o avanço do mar, que fez grandes estragos no local nos últimos meses”, diz a prefeitura, em nota.

O texto afirma, ainda, que ao final do processo, a intervenção não vai interferir fortemente na paisagem natural da praia e que está sendo feita no terreno do resort. “Trata-se de uma alvenaria do tipo ‘gabião’, que, depois de pronta, ficará abaixo da linha de areia da praia. A alvenaria está dentro do limite do terreno do empreendimento. Como o avanço do mar provocou a erosão do terreno, para os leigos fica a impressão de que estão fazendo a obra na praia”, alega a prefeitura. 

Por fim, a prefeitura esclarece que obras desse tipo são comuns na região e que a própria prefeitura realiza construção similar. “O mesmo tipo de obra está sendo feito pela prefeitura na Praia do Portinho, para proteger a Colônia dos Pescadores, a Igreja São Francisco e a praça das barracas, assim como fizeram os condomínios daquele entorno na direção Sul e o Projeto Tamar há alguns anos”. 

O CORREIO conversou com biólogos e moradores da região que se dizem contra a obra. Sem querer se identificar, especialistas alegam que a obra não deveria ter sido autorizada. “Construir o muro na areia da praia, como mostram as imagens, é algo que afeta justamente a área de areia onde as tartarugas desovam. A obra do jeito que está vai afetar muita coisa. Vai afetar toda a movimentação de areia”, diz um biólogo.

 “Os moradores estão todos indignados, mas ninguém sabe como agir. A prefeitura criou uma Secretaria de Meio Ambiente para que eles mesmos liberem as obras que quiserem. A prefeitura sozinha não pode liberar uma obra dentro da praia. Já fizemos buscas em órgãos federais e não encontramos nenhuma documentação”, diz um morador, também sem se identificar. 

O Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), órgão estadual, disse que a gestão municipal é quem tem competência para as autorizações de obras no local, mas mesmo assim foi averiguar a área nesta segunda-feira e em breve poderá dar mais informações.

Nota do Editor: texto atualizado às 15h23 de terça-feira (14), com o posicionamento do Tivoli:

Uma nota atribuída ao Tivoli, que circula nas redes sociais, alega que o hotel age de acordo com as legislações ambientais vigentes, e que a intervenção foi autorizada pela Secretaria de Meio Ambiente da prefeitura. “A responsabilidade ambiental é uma preocupação do hotel há 35 anos, sendo que somos pioneiros no desenvolvimento sustentável da região. O Tivoli Ecoresort Praia do Forte, esclarece que a responsabilidade ambiental é um valor fundamental aplicado diariamente nas operações do hotel”, diz trecho do texto.

Em nota, o Tivoli confirmou que a texto que circula nas redes sociais é de sua autoria, afirmou o hotel age de acordo com as legislações ambientais vigentes e que a intervenção foi autorizada pela Secretaria de Meio Ambiente da prefeitura. 

Turismo Quem trabalha diretamente com o turismo na região acredita que a obra esteja sendo feita de acordo com a legislação ambiental e que a intervenção é necessária.  “O Tivoli é um grande parceiro da comunidade, que sempre está alinhado com a causa da sustentabilidade e com as causas sociais aqui da região. Estive em contato com a equipe do Tivoli e a informação que tive é de que, realmente, existe todo o licenciamento junto à prefeitura e que aquela é uma área que pertence ao hotel”, defende o presidente da Associação Comercial e Turística da Praia do Forte, Victor Hugo Knack.

O representante diz, ainda, que a preservação ambiental é uma preocupação do próprio estabelecimento. “É claro que essa é uma obra que tem um impacto visual bastante grande, mas entendo como sendo uma obra necessária. É evidente que a maré está avançando e não é só aqui, Temos que ser responsáveis, tratar essas questões com muito critério e cuidado, porque além da questão ambiental, isso envolve a questão de operação, emprego, renda, sustentabilidade do destino, passa por a gente ter a responsabilidade de tratar a parte ambiental e a questão econômica de uma forma equilibrada. É evidente que ninguém quer prejudicar a parte ambiental. O Tivoli vive disso, assim como todo o turismo de Mata de São João”.

Procurado pelo CORREIO, o Projeto Tamar afirma que a intervenção não representa grande gravidade no que diz respeito especificamente à causa das tartarugas. “Esse trecho do Tivoli, tem desova de tartaruga mas a gente há muitos anos vem registrando não mais do que dez desovas naquele trecho, sendo que tem quilômetros de praia em Praia do Forte que tem 100, 200 desovas. Na proporção, a obra está no ponto que é menos importante para as tartarugas, não vai impedir tartaruga nenhuma de desovar, porque tem o restante da extensão”, explica Paulo Lara, coordenador de base do Projeto Tamar.

Paulo conta também que obras semelhantes já foram de fato realizadas pelo próprio Tamar no passado e que são comuns para preservar construções na orla. “Essas obras de contenção de erosão nas praias são comuns de acontecer com uma certa frequência, porque realmente a gente está aí com o mar aumentando de nível e com a orla ocupada.  No caso da Praia do Forte, há muito tempo atrás, o farol de navegação que havia sido construído em 1930 foi ameaçado pela erosão e está debaixo d’´água. Lá no Tamar, no final da década de 90, uma obra foi realizada, para construir o cais e o muro que temos lá. Mais recentemente, por volta de 2014, o mar avançou de novo e nós fizemos  todo o processo de licenciamento ambiental para fazer o muro como está hoje’, lembra; 

Investigações  Diante do impasse, a questão foi parar no Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) que instaurou nesta segunda-feira (13) procedimento para apurar denúncias de irregularidades “A Promotoria de Justiça ambiental local foi comunicada da situação e encaminhou, nesta segunda, a denúncia para conhecimento dos órgãos ambientais (Inema, Ibama e Secretaria Municipal do Meio Ambiente), solicitando informações sobre medidas tomadas em um prazo de 30 dias. A denúncia também foi encaminhada para o conhecimento do Ministério Público Federal, por se tratar de área de marinha”, diz nota. Ainda segundo o MP, justamente por se tratar de área de marinha, é provável que a investigação siga a cargo do Ministério Público Federal. 

O CORREIO procurou a Superintendência do Patrimônio da União (SPU) para tratar do assunto, mas não teve os questionamentos respondidos até o fechamento deste texto. 

*Com orientação da subeditora Clarissa Pacheco