Responsabilidades de disseminação do vírus são divididas; mas quem 'contribuiu' mais?

Especialistas elencam principais meios de disseminação do vírus na Bahia

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  • Thais Borges

Publicado em 27 de fevereiro de 2021 às 09:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Betto Jr/Arquivo CORREIO

Um pedido à população tem sido recorrente: se puder, fique em casa. É verdade - se as pessoas ficarem em casa, certamente a transmissão do vírus vai diminuir. Talvez até desapareça por completo, como aconteceu por meses na Nova Zelândia e até em Fernando de Noronha. Mas, por mais contraditório que possa parecer, garantir que a população fique em casa não é só uma decisão de cada um. “A culpa não pode ficar no nível individual, se a pessoa olha para o lado e vê que os líderes estão fazendo errado. Isso é colocar toda a culpa da falha, do fracasso das estratégias governamentais, principalmente do governo federal, no indivíduo que está indo todo dia trabalhar no ônibus lotado”, pondera a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Ufes. Por isso, não é de se estranhar que muitas pessoas tenham percepções diferentes do risco que estão correndo. Para gestores públicos, para a classe média e até mesmo para a imprensa, a noção do perigo é uma. Para outra parte da população, é outra. 

“Sem auxílio emergencial, querem falar para as pessoas se importarem. Elas estão preocupadas com o que vão comer. Estão aí procurando emprego, sem perspectiva, sem auxílio, sem esperança, sem nada”, analisa Ethel. 

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Se a população precisa colaborar, outros entes da sociedade também. Ao governo federal, cabe garantir o auxílio emergencial e a vacinação em massa. “O Brasil tem uma relevância a nível mundial por ter uma das melhores campanhas de imunização e estamos comendo mosca desde o ano passado, com pessoas importantes fazendo chacota da vacina”, diz o infectologista Juarez Dias, da Bahiana.

Além disso, o governo federal precisa se comprometer com o pagamento das UTIs, disponibilidade de oxigênio e respiradores para os pacientes internados. Se houvesse uma coordenação nacional mais bem definida, deveria gerenciar o sequenciamento em massa do vírus. 

Com o governo estadual, fica a parte de decretar normas como lockdown, fechamentos parciais, restrições e também abertura de novos leitos e insumos. Este mês, o Supremo Tribunal Federal ainda autorizou os estados a comprar diretamente as vacinas, se o Ministério da Saúde não fizer isso. 

Já as administrações municipais são responsáveis por garantir o transporte da população sem aglomeração, assim como fiscalizar as áreas públicas. Assim como o estado, as prefeituras podem também ter decretos próprios proibindo a circulação nas praias, por exemplo. Foi o que cidades como Salvador, Camaçari e Lauro de Freitas fizeram nos últimos dias. 

“Aglomeração não é só paredão em áreas periféricas. A gente tem visto festas em áreas nobres com 30, 40, 50 pessoas. Cada ente tem seu papel bem definido. Com eles trabalhando juntos, a gente conseguiria ter uma situação bem melhor”, aponta Dias.  Para pesquisador, o transporte público deve ser visto como um dos principais meios de disseminação do vírus (Foto: Betto Jr./Arquivo CORREIO) Depois de tudo isso, o que ainda resta fazer? 

Mesmo com tantas estratégias, a Bahia chegou a essa semana dramática. Mas se a avaliação de alguns cientistas é de que as tentativas não foram suficientes, os próximos passos dependem do resultado deste fim de semana, com o fechamento parcial e o toque de recolher até segunda (1º).

De acordo com a subsecretária estadual da Saúde, Tereza Paim, o impacto das abordagens vai ser avaliado e os dados serão levados para o governador Rui Costa decidir o que será feito. 

Em entrevista na última quarta-feira (24), Tereza já tinha adiantado que, em alguns aspectos, as autoridades poderiam ser "repetitivas" neste momento. Isso porque, como lembrou, há três frentes principais que conseguem enfrentar o vírus, de forma cientificamente comprovada: usar máscaras, higienizar as mãos e garantir o distanciamento físico e social. 

“Por isso, temos medidas como os decretos, para que as pessoas não aglomerem, continuem usando máscaras e só saiam quando precisarem sair. Se a população consegue entender isso, a gente consegue ter um alcance enorme. Mas se a gente não alcançar (a redução de casos), precisaremos de mais medidas e a população vai ter que esperar mais para voltar ao normal”, avisa. 

Além do reforço dessa mensagem, alguns especialistas ouvidos pela reportagem defendem saídas que incluam desde uma nova estratégia para o transporte público e campanhas de comunicação que envolvam líderes da sociedade civil até que já adotado lockdown de fim de semana seja uma política mais frequente. 

Proibições  Uma possibilidade é determinar proibições específicas com foco em grupos que se arriscam mais - no caso, os que promovem mais aglomerações. É por isso que ações como o toque de recolher podem ter resultado, já que restringe a movimentação nos bares. 

“E também fechando alguns trechos mais críticos, como o prefeito (Bruno Reis) fez com os bairros com uma infectividade maior”, aponta o médico de família Washington Luiz Abreu, professor da UniFTC e da Ufba. 

Quando ele conversou com o CORREIO, o lockdown parcial ainda não tinha sido anunciado pelo governo. No entanto, essa já era a sugestão do professor.“No meu ponto de vista, a gente não suporta o lockdown total economicamente. Mas às vezes é necessário, por isso, poderia ser no fim de semana e à noite”. Além disso, ele sugere reduzir de forma obrigatória a quantidade de pessoas em certos locais, como no transporte público. O número máximo de pessoas por coletivo seria definido previamente. Porém, para que isso fosse implementado, seria necessário contar com apoio de outros segmentos - da Guarda Municipal, por exemplo. 

“O motorista não dá conta e o papel dele é conduzir as pessoas com segurança. Mas o transporte público precisa ser visto também como um veículo de disseminação do vírus. De repente, uma estratégia seria pensar em turnos diferentes, mas é um trabalho que tem que ser feito com as empresas e com a área social da prefeitura e do governo do estado”, enumera. 

Atualmente, a frota média em Salvador é de 85% e, pelos cálculos da Secretaria Municipal de Mobilidade (Semob), 64% dos usuários do sistema têm pegado ônibus. Nos horários de pico, a frota chega a 100% nas estações de transbordo e algumas linhas podem ter reforço de veículos. 

Em nota, a Semob afirmou que acompanha diariamente a situação, mantendo contato com as concessionárias para garantir o reforço nas linhas com maior procura para minimizar as aglomerações.  (Infografia: Casa Grida) Pacto social Neste momento, a vacina também deve ser prioridade. Nos países onde a vacinação avançou, o número de casos vem diminuindo visivelmente. E, como ressalta a epidemiologista Ethel Maciel, da Ufes, a compra de vacinas deve ser direcionada aos imunizantes que já tiveram sua eficácia e segurança comprovada. 

Mas, até lá, ela defende um grande "pacto social" - uma parceria entre os gestores públicos e setores da sociedade civil e empresas privadas para garantir a redução da circulação de pessoas. 

"Um exemplo é que as empresas privadas que podem fazer trabalho remoto voltassem a ele. A gente precisa de um esforço conjunto também com igrejas, congregações e setores que influenciam muitas pessoas para que ajudam a fazer com que todos entendam a gravidade desse momento. Precisa trazer essas pessoas para junto. Ao invés de convencer indivíduos, o governo convenceria segmentos", completa Ethel.