Rueiros da quarentena: baianos tentam explicar desobediência ao isolamento social

Ida ao mercado é a desculpa da maioria que circula pelas ruas

Publicado em 27 de março de 2020 às 09:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

O vai e vem de pessoas com sacolas de compras cessou na Avenida Sete de Setembro, conhecida pelo seu movimentado comércio de rua. A cena é consequência da recomendação do Ministério da Saúde de isolamento social por causa do avanço da pandemia do novo coronavírus. Mais afastadas do centro, algumas ruas ficam um pouco mais movimentadas e lojas ainda resistem com suas portas abertas.

No bairro do Uruguai, na Cidade Baixa, por exemplo, a maioria dos estabelecimentos de comércio que estavam abertos vendiam alimentos, como mercados, açougues e hortifruti. Eram essas lojas as responsáveis por tirar as pessoas de dentro de casa no fim da tarde desta quinta-feira (26). 

A ajudante de desenvolvimento infantil, Priscila Carita, 31 anos, era uma das moradoras do bairro que desbravava as ruas nesta tarde. Ela garante que está isolada em casa, mas deu uma escapadinha para sacar o salário e fazer compras para abastecer a casa.

“Essa rua é um inferno e agora está vazia. Eu só saí de casa para comprar o que estava faltando”, comentou sobre o movimento da Rua Direta do Uruguai.

Os moradores relataram que a via costuma ficar engarrafada no fim da tarde, mas a circulação de veículos reduziu há cerca de oito dias.

Quando é necessário deixar o isolamento, a dona de casa Cássia Anunciação, 48, tem uma estratégia para reduzir os riscos de contágio. “Hoje eu tive de ir ao mercado e fiz isso da forma mais rápida possível. É ir e voltar sem parar para nada”, contou.

Durante a saída, a dona de casa percebeu que a rua está, de fato, pouco movimentada. De acordo com ela, os idosos, que são grupo de risco em caso de contágio pelo novo coronavírus, são a maioria das pessoas que está saindo de casa. “No caminho para o supermercado, eu vi uns 10 idosos. O Largo de Roma está cheio de idosos”, disse.

A aposentada Edneira da Silva, 67, passeava com o cachorro na Rua Direta do Uruguai na tarde desta quinta. De acordo com ela, o percusso foi rápido e o próximo destino era sua casa. "Tô em casa, só saio para comprar as coisas que tem que sair, como comprar pão e remédio. Fico com medo quando eu saio, mas não tem jeito, tem que sair", disse.

Outra que estava na rua era Celia Maria,60. Ela contou que só foi na farmácia comprar um remédio para dor de cabeça. "Só saio por uma necessidade", garantiu.

Mesmo com o movimento baixo, a loja CM Cell abriu nesta quinta. O dono do estabelecimento, Cristiano de Jesus, 31, disse que essa é a única opção, já que as contas não param de chegar. “Se eu fechar, como eu vou sobreviver? Eu tento me prevenir usando o álcool gel”, relatou.

De acordo com Cristiano, houve uma redução de cerca de 70% no fluxo de clientes na sua loja de acessórios para celular e assistência técnica. Ele também teve que reduzir o horário de funcionamento da CM Cell devido aos assaltos. “A rua está muito deserta e está tendo muito assalto. Com menos gente, fica mais fácil para os bandidos atuarem”, analisou.

Quase todo o comércio da Rua Direta do Uruguai  que ainda está aberto fecha por volta das 17h. O compositor Davi Nascimento, 20, contou que as poucas pessoas que vão para a rua voltam para suas casas por volta das 18h, aí “fica tudo parado”.

A barbearia do tio de Davi até abriu nesta quinta, mas teve que encerrar as atividades do dia por volta das 14h pela falta de clientes para atender. 

O vendedor ambulante Ricardo Santos, 36, andou por vários bairros de Salvador nos último dias em busca de clientes para comprar seus barbeadores. Nesta quinta, ele oferecia o produto para quem estava nas ruas do Uruguai - a localidade é a que possuía o maior número de pessoas fora de casa.

“Estou preocupado por ter que sair de casa, mas se eu não vender, não tenho o que comer. Antes, eu conseguia vender até R$ 300 por dia e agora só consigo R$ 80”, disse.

O CORREIO ainda esteve no Bairro de São Marcos na manhã desta quinta. O local possuía bastante movimento e algumas pessoas que estavam na rua ignoravam o carro de som da prefeitura que indica que as pessoas devem ficar em casa.

Na Uruguai Calçados, no Uruguai, a estratégia foi limitar o acesso das pessoas para evitar o contágio pelo coronavírus. A loja funciona com a grade fechada e os clientes têm que gritar por um atendente, que vai até o gradil para fazer a venda.

O vendedor, Bruno Ferreira, 20, disse que a loja vai permanecer aberta enquanto puder e, por ter uma grande área, teme ser fechada pela prefeitura. “Se fechar, não vamos ter o que comer”, afirmou.

Nesta quinta, o prefeito ACM Neto anunciou que todas as lojas de rua de Salvador que possuírem mais de 200 metros quadrados de área total devem fechar suas portas a partir deste sábado (28) como medida de prevenção contra o novo coronavírus (covid-19). O prazo inicial da suspensão das atividades vai até 4 de abril, quando também acaba a interdição dos shoppings da capital.

*Com supervisão da subeditora Clarissa Pacheco