Rui defende assistência jurídica para PMs que praticarem violência durante operações

Governador afirmou que projeto que está em discussão com a PGE, SSP e PM deve ser divulgado em breve

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 21 de abril de 2021 às 04:45

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Um projeto do governo do estado pretende oferecer defesa jurídica aos policiais que praticarem atos de violência durante operações. Segundo afirmou nesta terça-feira, 20, o governador Rui Costa (PT), a iniciativa está em discussão com a Procuradoria Geral do Estado (PGE). Ele também divulgou que a PM irá implementar uma avaliação psicológica preventiva dos agentes. O anúncio foi feito em transmissão ao vivo pelos canais oficiais do governo e do próprio governador no YouTube. Participaram da live o secretário de segurança pública, Ricardo Mandarino, e o comandante-geral da Polícia Militar da Bahia (PM-BA), Paulo Coutinho.

“Tenho recebido o feedback dos nossos policiais da importância de ter uma defesa jurídica perante os atos praticados em serviços em defesa da sociedade. Muitas vezes, quando envolvidos em processos, os policiais têm que recorrer a pagamentos de advogados com recursos próprios. Nós estamos estudando com a Secretaria de Segurança Pública (SSP), com a PM e com a Procuradoria Geral do Estado qual o formato para institucionalizar essa defesa, até porque são atos praticados em serviço, em nome da sociedade, da lei e da constituição. Estamos afinando isso e, nos próximos dias, devemos ter uma posição”, disse o governador.

O secretário da SSP, Ricardo Mandarino, comentou sobre a implementação da assistência jurídica: “Os policiais têm que se defender e isso tem um custo alto, então é justo que o estado dê essa assistência, já que eles estavam ali para prestar serviço à sociedade. Não é justo que um policial que se envolve em uma situação inevitável de homicídio fique desprotegido. Vale ressaltar que estamos falando de legítima defesa, de operações corretas e enfrentamentos inevitáveis que resultam em morte”, pontuou.

O anúncio veio no dia seguinte da morte do soldado Leandro Cursino, policial militar baleado na cabeça durante uma perseguição de criminosos na região do Cabula. Um suspeito também foi baleado e morreu na ação. O governador, durante a transmissão desta terça, prestou solidariedade aos familiares e amigos de Leandro e comentou sobre a política de armamento da população. “Eu quero prestar a minha solidariedade à família do soldado Cursino que, ontem, infelizmente, foi vítima dessa violência e é por isso que o meu posicionamento é muito claro e transparente contra essa política de armar a população e facilitar o acesso às armas. Infelizmente, quanto mais armas nas ruas, mais vítimas inocentes e policiais nós teremos”, opinou.

Apesar de se mostrar contra a política de facilitar o acesso da população às armas de fogo, não é a primeira vez que o governador se posiciona em defesa dos policiais militares perante atos de violência praticados em serviço. Em 2015, quando uma ação da PM no bairro do Cabula terminou em 12 mortos e três feridos, Rui afirmou que, nesse caso, não houve indícios de atuação fora da lei e defendeu que nenhum dos nove policiais envolvidos fosse afastado das atividades. Após denúncia, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) concluiu que o crime, que ficou conhecido como “Chacina do Cabula", foi premeditado pelos PMs como vingança. 

Os policiais envolvidos foram absolvidos sob o argumento da “excludente de ilicitude”, recentemente bastante discutida e defendida pelo presidente da República Jair Bolsonaro. A excludente de ilicitude é um dispositivo que isenta agentes da lei de culpa e punição quando, por “medo, surpresa ou violenta emoção”, matar alguém em serviço. O Código Penal brasileiro prevê a exclusão de ilicitude para qualquer cidadão em três situações: no estrito cumprimento do dever legal, em casos de legítima defesa e em estado de necessidade. 

Em 2019, um projeto apresentado pelo governo federal tratou exclusivamente da ação de agentes de segurança e militares em casos de operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e definiu em quais situações é justificada a legítima defesa. O projeto foi enviado ao Congresso.

De acordo com um estudo feito em 2019 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 13,3% das mortes violentas no Brasil foram provocadas por policiais, totalizando 6.357 óbitos. Na Bahia, segundo relatório da Rede de Observatórios da Segurança, iniciativa que monitora operações policiais, em 2019, a polícia baiana matou 650 pessoas e 97% delas eram negras. 

O movimento Reaja ou Será Morto, que luta também contra a violência policial, se manifestou sobre o anúncio do governador. De acordo com as coordenadoras da organização Silvana Santos e Lígia Bitencourt, o projeto de defesa jurídica vai culminar na impunidade não somente de policiais que de fato agirem corretamente. "A Bahia é o estado que ocupa o terceiro lugar no número de mortes por policiais. Com a aprovação desta proposta, veremos em dias não tão distantes chacinas como a do Cabula em 2015, ameaças e assédios de policiais direcionados as mulheres nas comunidade que fingem proteger e execuções com balas de fuzil no peito das nossas crianças, de forma ainda mais frequentes", afirmou Silvana.

Sobre o argumento utilizado para a implementação do projeto de que os policiais estão a serviço da sociedade, Lígia coloca: "Para nós essa justificativa é superficial, com o claro instituto de camuflar o verdadeiro objetivo dessa proposta que seria blindar os agentes do estado contra qualquer acusação de crime, fechando as portas já estreitas da justiça para a maioria de sua população, o povo negro".

Silvana e Lígia também relembraram os casos dos meninos Ryan Andrew, de nove anos, e Micael Silva, de 12 anos, que teriam sido atingidas por policiais durante troca de tiros no Vale das Pedrinhas. "São os pobres e negros que acabam pagando e sendo usados pela política; o principal inimigo interno do estado brasileiro é o indivíduo negro, seja ele um idoso ou crianças como Ryan Andrew e Micael Silva", pontuou Lígia. 

O CORREIO procurou a PM, a SSP e a PGE para detalharem o projeto de assistência jurídica. A PM e a SSP não quiseram se manifestar e a PGE não respondeu até o fechamento da reportagem.

Novas medidas para a PM Durante a transmissão ao vivo desta terça, o comandante-geral da Polícia Militar da Bahia, coronel Paulo Coutinho, também anunciou medidas que visam acelerar o fluxo de carreira dos policiais militares e a implementação de avaliação psicológica preventiva dos agentes. 

A implantação do projeto, com a contratação de mais psicólogos, permitirá, segundo o governo, uma ampliação da rede de atendimento, com avaliações frequentes, psicoterapia, terapias de grupos, entre outras dinâmicas. Os profissionais atenderão os militares que atuam na capital baiana, na Região Metropolitana de Salvador (RMS) e no interior do estado. Com o suporte é possível mensurar traços comportamentais e cognitivos de ansiedade, depressão e descontrole emocional em geral. Somente nos meses de março e abril de 2021, mais de 800 militares receberam algum tipo de acompanhamento.  

A avaliação será implementada para todos os candidatos aos cursos de progressão de carreira, inclusive aqueles que ainda não iniciaram as aulas em 2021. O projeto vai abranger cerca de 2.300 policiais militares que passarão por essa avaliação específica até o final de 2021. A nova medida foi anunciada semanas após a morte do soldado Wesley Soares, no Farol da Barra, em Salvador. De acordo com as autoridades, Wesley teria apresentado um episódio de surto psicótico. 

Além desta iniciativa, com o fluxo de carreira apresentado, a promoção de soldado para sargento, na Polícia Militar da Bahia (PMBA), que demorava em média 15 anos, poderá acontecer de forma mais rápida. O projeto de lei que estabelece as novas regras também trata de outras promoções e será enviado para aprovação na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba). Ao todo estão previstas mais de 3 mil progressões de carreira apenas para o ano de 2021, entre sargentos e outras patentes, além da convocação – no segundo semestre deste ano - de 1.000 aprovados em concurso para o Curso de Formação de Soldado (CFS).  

A projeção para cursos da PM-BA para este ano prevê um total de 4.256 vagas. São elas: mil para curso de formação de soldados (CFS), 1.400 para curso de formação de cabos (CFC), 76 para curso de formação de oficiais (CFO), 80 para curso de formação dos oficiais auxiliares (CFOA), 200 para curso de formação de tenentes auxiliares (CFTA), 200 para curso de formação de sargento (CFS) e 1.300 para curso especial de sargento (CES). 

*Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro