Safra de algodão cresce 17% na Bahia

Estado, que já é o segundo maior produtor do Brasil, deve ter uma das maiores colheitas da história

Publicado em 1 de setembro de 2019 às 13:13

- Atualizado há um ano

. Crédito: (Foto: Abapa)
Empresários estrangeiros analisam de perto qualidade do algodão brasileiro. Países asiáticos são os principais compradores. por (Foto: ABAPA)

A lavoura com flores alvas e fofinhas, a perder de vista no horizonte, chama a atenção nas fazendas do oeste da Bahia. As plantações se espalham por vários municípios da região. No meio das lavouras, as máquinas estão em ação e o ritmo de colheita é acelerado. Até o dia 20 de setembro as colheitadeiras devem retirar mais de um milhão e quinhentas mil toneladas de algodão. Vai ser uma das maiores safras de todos os tempos, cerca de 17% maior do que a anterior. Mais de 75% desta produção já foi comercializada.

O bom desempenho da Bahia, segundo maior produtor de algodão do Brasil, acompanha a tendência nacional. Este ano os cotonicultores brasileiros devem colher mais de 4 milhões de toneladas de algodão em caroço e 2,7 milhões de toneladas de pluma de acordo com estimativas da Companhia Nacional do Abastecimento. A produção nacional deve atingir um novo recorde, alcançando um patamar 34,2% maior do que no ano passado. O país já está entre os cinco maiores produtores do mundo, ao lado da China, Índia, Estados Unidos e Paquistão.

Bahia deve colher uma das maiores safras de algodão de todos os tempos. (Foto: Abapa) DO FUTURO

Nem terminaram de colher uma das maiores safras de algodão da história e os produtores rurais da Bahia já partiram para a China em busca de novos compradores para vender a próxima, que ainda vai ser plantada em 2020. É que o futuro sempre começa antes para os cotonicultores. Planejar a longo prazo é uma das principais marcas deste segmento agrícola.

Eles embarcaram na última sexta (30/08) para divulgar as qualidades das plumas do oeste da Bahia no mundo. A missaõ é atrair os principais compradores internacionais, sediados em países como Bangladesh, Turquia, Paquistão, Índia, Vietnã e Coréia do Sul, tradicionais produtores de artigos têxteis.

O Brasil fornece cerca de 29% do algodão mundial voltado para exportação, mas quer aumentar esta fatia, ultrapassando a faixa das 2,1 milhões de toneladas que exporta atualmente.

“Temos condições de fornecer um algodão de qualidade, com transparência, segurança, garantia de fornecimento a longo prazo e com manutenção dos estoques durante os doze meses do ano. Queremos conquistar este espaço do mercado, por isso estamos levando esta informação lá para fora”, afirma Júlio Busato, presidente da Associação Baiana de Produtores de Algodão  (Abapa) e vice-presidente da associação brasileira. Presidente da Abapa, Júlio Busato, defende conquista de novos mercados para valorizar algodão brasileiro. ( Foto: Abapa) O intercâmbio tem sido intenso nos dois sentidos. No mês de agosto, comitivas internacionais de compradores visitaram o oeste para conhecer de perto o processo de produção das fazendas baianas.“Muitas vezes eles precisam ver, com os próprios olhos, as tecnologias e todo o processo de produção da fibra. A interação direta com os vendedores possibilita o fechamento de futuros negócios”, afirma Gregoire Negre, consultor francês.Na Bahia o cultivo de algodão é mantido por 150 produtores, que já ocupam o topo do ranking nacional em produtividade de sequeiro, conseguem colher 330 arrobas por hectare.

“O uso de tecnologia avançada e as boas práticas de manejo têm sido fatores decisivos para o desenvolvimento do algodão no oeste. Com planejamento e investimento constante conseguimos entregar aos compradores um produto de excelente qualidade”, afirma o produtor rural Walter Horita.

O algodão da Bahia é exportado para oito países, tendo conquistando fama como um dos melhores do mundo.“Apesar do algodão brasileiro ter uma quantidade um pouco menor de fibras curtas do que o produzido nos Estados Unidos, a grande vantagem é que o algodão brasileiro tem menos impurezas que o americano. Estamos muito animados para fechar negócios”, avalia Lalit Mahajan, empresário indiano.A estratégia dos produtores do estado é ampliar a lista de consumidores para expandir a chance de escoar as safras que ainda virão.

“Esta é uma das grandes oportunidades que o Brasil tem de se fixar como um dos maiores produtores e exportadores de algodão do mundo, gerando riqueza e emprego no país”, completa Júlio Busato.

A cadeira produtiva do algodão emprega na Bahia mais de 30 mil pessoas. O envio do algodão bruto para outros países representa um incremento de mais de US$ 375 milhões por ano na balança comercial, cerca de 4,2% do total exportado pela Bahia. No país, a cotonicultura gera cerca de US$ 1,7 bilhão  por ano em exportações.“Produzir muito não basta, é necessário ter quem compre nosso algodão. A partir de agora, o Brasil, que já era um grande player, passa a ser também formador de preços no mercado mundial. Por isso precisamos aprimorar detalhes como o escoamento e o marketing”, aponta Milton Garbugio, presidente da Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa). Altamente mecanizadas, lavouras de algodão exigem tecnologia e investimentos em insumos modernos, fatores que encarecem os custos. (Foto: Abapa) TECNOLOGIA

A preocupação em aumentar o mercado consumidor tem um motivo estratégico. A cada ano os volumes produzidos de algodão tendem a ser maiores. O cultivo da fibra aumenta cerca de 2% ao ano em todo o mundo, apesar da redução da área cultivada.

A façanha é possível principalmente graças ao aperfeiçoamento no manejo das plantações e à aplicação de novas tecnologias. Elas deram ao cultivo do algodão a reputação de ser um dos mais tecnificados do mundo. Os cuidados vão desde a escolha das sementes à forma de colheita, beneficiamento e comercialização.

Depois de colhidas no campo e beneficiadas nas algodoeiras, as amostras das fibras são analisadas em laboratórios modernos. Os lotes já saem de lá com código de barras identificando o produtor, a fazenda, a quantidade de adubo que recebeu, e até o talhão onde o algodão foi colhido. O chamado QR Code permite rastrear o algodão e o caminho percorrido até o consumidor final.

Foi usando novas tecnologias, e contando com a ajuda de condições ambientais favoráveis, que os produtores brasileiros passaram a deter recordes importantes no mercado. Enquanto nos Estados Unidos a produtividade média é de 987 quilos de pluma por hectare, e na Índia não passa dos 350 quilos por hectare, no Brasil as lavouras de algodão alcançam 1.800 quilos de pluma por hectare.

O aumento da produtividade ajuda a enfrentar os entraves do setor, como as dificuldades de logística e as altas tarifas de escoamento nos portos. Para elevar ainda mais a rentabilidade, em todo o mundo estão sendo desenvolvidas várias pesquisas, entre elas as que envolvem algodões resistentes à seca, ou variedades ideais para biomas específicos como a caatinga.

PLANEJAMENTO

Do campo até as indústrias, cada etapa do cultivo é planejada com detalhes, e não há espaço para improvisos. A preocupação é grande, porque o cultivo de algodão é considerado um dos mais vulneráveis. Um passo ou decisão errada pode levar a lavoura ao fracasso, promover uma rápida invasão de pragas ou o aparecimento incontrolável de ervas daninhas.

Entre os principais vilões estão o bicudo, a broca da raiz, o pulgão, a mosca branca, o percevejo, ácaros e fungos que provocam doenças como a fusariose e a romulária. Antigos conhecidos dos agricultores, eles são capazes de atacar em fases diferentes da planta e podem dizimar vários hectares de algodão em pouco tempo.

Os agricultores costumam montar até força tarefa nas fazendas para monitorar as áreas. Para reforçar ainda mais a proteção, são usados produtos mais resistentes que envolvem sementes selecionadas, fertilizante e herbicidas.

As empresas fornecedoras de insumos, como sementes e inseticidas se esforçam para atender esta demanda. A cada safra surgem novas soluções. Este ano, entre as novidades utilizadas pelos agricultores, estão as sementes desenvolvidas pela multinacional Basf, uma das líderes mundiais de produtos voltados para agricultura. Sementes selecionadas e protegidas com proteínas especiais são algumas das novidades do mercado de insumos para o cultivo do algodão. ( Foto: Georgina Maynart) Para surpreender os insetos invasores, a companhia desenvolveu uma nova variedade de algodão. Chamada de FiberMax 985 GLTP, a tecnologia levou 15 anos para ser desenvolvida e promete tripla resistência à lagarta e tolerância a herbicidas que ajudam no controle de plantas daninhas. Inédita no Brasil até 2018, a variedade de semente permitiu aumentar a produtividade das plantações em até 12% na maior parte das fazendas. Em inglês, a GLTP quer dizer, Glytol libertylink Twinlink Plus, que possui um conjunto de proteínas protetoras da semente. 

“Esta tecnologia tem dupla proteína para o auxílio no manejo das lagartas, e oferece flexibilidade no uso de herbicidas. Fornece tanto produtividade, quanto qualidade, e já vem embarcada com uma tecnologia que se adaptou muito bem ao cerrado”, afirma o engenheiro agrônomo Marcos Lawder, gerente de produtos da Basf. 

A companhia investe cerca de 900 milhões de euros por ano no desenvolvimento de tecnologias de inovação. Um dos produtos já em uso no mercado é o verismo, um inseticida que já vem sendo utilizado por mais de 90% dos produtores rurais do Brasil.

Durante o Congresso Brasileiro do Algodão, realizado em Goiânia na semana passada, a empresa anunciou ainda que pretende trazer para o Brasil outra nova tecnologia. Chamada de Inscalis, a substância é um inseticida direcionado para controle de insetos sugadores, como a mosca branca. Em contato com o animal, ela impede que o inseto transmita viroses para as plantas. Para o engenheiro agrônomo Luiz Straioto, uso de tecnologia é essencial para combater pragas e doenças nas lavouras. (Foto: Georgina Maynart) “Estamos em um país tropical, onde a proliferação de pragas é constante. O algodão tem um ciclo longo, de 180 dias. O índice de dano econômico neste período deve ser minimizado, com uso adequado das substâncias, para manter a produtividade e a rentabilidade da atividade no campo”, afirma o engenheiro agrônomo Luiz Fernando Straioto, gerente de marketing de algodão e feijão da Basf.

O anúncio antecipado de novos produtos tem outra razão estratégica. Assim como vendem com antecipação as safras que ainda não foram plantadas, os agricultores também costumam comprar os insumos com antecedência. A ideia é evitar surpresas indesejáveis, como as drásticas oscilações de preços.

No mercado futuro, que tem como base a bolsa de valores de Chicago, a maior parte da produção baiana chegou a ser comercializada por US$ 0,76 or libra/peso. Agora a cotação está em queda, e despencou até para US$ 0,52 por libra/peso, uma redução de mais de 30%. A guerra comercial entre Estados Unidos e China, com aumento dos estoques mundiais, é apontada como um dos motivos da desvalorização no mercado internacional. Algodão tem múltiplas funções, além dos simples cotonetes e produtos de higiene. (Foto: Georgina Maynart) RESISTÊNCIA

A fibra é natural, macia e confortável. Mas os consumidores brasileiros ainda resistem a usar o algodão. Ao invés de seguir para as principais indústrias têxteis do país, a maior parte da volumosa produção nacional engrossa a lista das exportações e transforma o algodão numa das principais commodities do Brasil.

Na Bahia, cerca de 40% da produção vai para outros países, os outros 60% ficam nas indústrias do país."O custo de produção ainda é muito alto, demanda investimentos, torna a fibra cara, e se torna um gargalo para aumentar o consumo. Além disso, como o algodão é negociado no mercado futuro, as vezes não é possível ter flexibilidade nos valores. Um caminho é continuar desenvolvendo pesquisa e ciência para aumentar a produtividade, baratear os custos e repassar esta diminuição para o consumidor, inclusive para as confecções que ainda preferem as fibras sintéticas, derivadas de componentes de petróleo", analisa Daniel da Silva Ferreira, analista de negócios da Embrapa.Para aumentar o consumo interno, os agricultores mantêm uma campanha nacional, a “Sou do Algodão”. Através de ações permanentes eles tentam incentivar o uso da fibra pelas indústrias fabricantes de roupas, peças de cama, banho e decoração.

Antenados com o futuro, eles também desenvolvem há quase uma década ações de sustentabilidade na gestão das fazendas. Mais de 80% da safra brasileira possui certificados de sustentabilidade, atestados pelo Programa de Algodão Brasileiro Responsável (ABR) e pela Better Cotton Initiative (BCI), uma entidade suíça que autentica parâmetros sustentáveis de produção. Para obter o certificado as fazendas precisam cumprir mais de 180 exigências, que vão desde normas de segurança do trabalho a princípios baseados na produção socialmente justa, ecologicamente correta e economicamente viável.

“Hoje é um dos selos mais rígidos. Ele atesta a conformidade sócio ambiental, prova que as fazendas estão de acordo com a legislação brasileira e que prezam pela responsabilidade produtiva. Isso mostra o comprometimento da cadeia não somente com a produtividade de maneira quantitativa, mas também qualitativa“, afirma o produtor rural César Busato, que pertence a segunda geração de cotonicultores da família.

BIODEGRADÁVEL

Nas últimas décadas a fibra natural perdeu espaço, definitivamente, para as fibras sintéticas, geralmente mais baratas. Mas acreditando no potencial do algodão, o uso tem sido estimulado entre os setores da moda.

Em Goiânia uma iniciativa vem dando certo. Desde que passou a usar a fibra na produção, os negócios da Cooperativa Bordana cresceram. Todas as peças são feitas com fios 100% de algodão pré-lavado e biodegradável. A cooperativa, formada apenas por mulheres, costuma percorrer as feiras e eventos do país para divulgar os produtos.

“Nós começamos com algodão cru e depois fomos migrando para os mais elaborados, com 200 fios. A vantagem é que o algodão não perde a qualidade, não deforma, se adapta ao bordado e tem durabilidade”, afirma a bordadeira Rosinélia da Silva. Atualmente o grupo produz centenas de peças que vão desde almofadas, sacolas, fronhas e roupas. Os preços variam de R$ 20 a R$ 350. Bordadeiras de Goiânia valorizam fibra natural ao utilizar apenas algodão nas peças artesanais. (Foto: Georgina Maynart) UTILIDADE

Muito além do simples algodão usado nos hospitais e nos salões de beleza, as flores que brotam no campo ganham múltiplas e variadas funções. As indústrias utilizam desde as plumas até os talos.

A parte mais nobre do algodão, formada por 41% de pluma e 55% de caroço, vai para a fiação de camisas e lençóis. Esta fatia corresponde a 25% da produção e é direcionada para a indústria têxtil. Uma outra parte, que possui um pouco mais de impurezas, segue para a composição do jeans. Por surpreendente que pareça, apesar de ser um dos produtos derivados mais consumidos, menos de 0,5% do algodão produzido no Brasil é direcionado para fabricação de produtos de enfermagem, como cotonetes e ataduras vendidos nas farmácias.

Do caroço se extrai ainda o óleo usado na composição do diesel, da margarina, do óleo comestível e da ração para alimentação do gado bovino. Já a fibrilha, que é considerado um sub-produto feito com fibras e resíduos, ganha espaço nas indústrias de feltros, estofamentos e na produção de celulose.

E se para muita gente o algodão significa renda, ele também está em cada nota do dinheiro do Brasil. Cerca de 75% do papel moeda brasileiro é feito de algodão, o linho compõe os outros 25%.