Salvador escravista: projeto lista estátuas e locais dedicados a traficantes de escravizados

Iniciativa pretende discutir como Salvador lida com as memórias do passado escravocrata

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  • Hilza Cordeiro

Publicado em 13 de agosto de 2020 às 06:11

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: GA/Arquivo Correio e AFP

Depois que manifestantes derrubaram a estátua de um traficante de africanos escravizados na Inglaterra e as imagens do ato se espalharam pelo mundo, um debate se instalou sobre as homenagens em memória destas figuras perversas. Neste embalo, pesquisadores baianos da história da África criaram um projeto colaborativo chamado Salvador Escravista, que lista e discute as estátuas, prédios e ruas existentes na capital baiana dedicadas a personagens responsáveis pela escravidão no Brasil.

Em junho, logo após o episódio na Inglaterra, o CORREIO publicou uma matéria contando a história da estátua em homenagem ao milionário traficante Joaquim Pereira Marinho, colocada no Hospital Santa Izabel, no bairro de Nazaré. Na semana seguinte, o Coletivo de Entidades Negras (CEN) protocolou um pedido no Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) pedindo a retirada da imagem da unidade, em respeito à população negra.

De acordo com os criadores do Salvador Escravista, a ideia do projeto é questionar como Salvador lida com as suas memórias da escravidão e do tráfico transatlântico. Na época da escravatura, Salvador chegou a ser o segundo maior porto de desembarque de africanos nas Américas. Estima-se que navios negreiros da Bahia carregaram cerca de um 1,35 milhão de mulheres, homens e crianças e que, deste total, em torno de 150 mil morreram durante a travessia de lá até cá, conforme pesquisas do projeto. “Apesar desse infame histórico, Salvador é, ainda hoje, pontilhada por homenagens a traficantes de escravos, 170 anos após a extinção do tráfico e 132 anos depois da abolição formal da escravidão. O imenso poder econômico e político desses homens converteu-se em poder simbólico. Sua memória passou para a posteridade como grandes benfeitores, homens de negócio, empreendedores”, expõem. Professor de História da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) e parte da equipe à frente do projeto, Carlos Silva Jr. explica que após assistirem acontecimentos como a morte violenta de George Floyd, nos EUA, e do caso na Inglaterra, pesquisadores baianos entraram em conversa e propuseram discutir a situação de Salvador e levar o debate da academia para a esfera pública. 

“Obviamente, a gente não inventou a roda. Os movimentos sociais estão discutindo isso há décadas. Neste caso, nesse comitê formado por historiadores e historiadoras, colocamos nosso conhecimento a serviço de um debate público mais amplo e daí veio a ideia de primeiro fazer a catalogação dos prédios, estátuas e outros espaços que se relacionam com a memória da escravidão em Salvador e construir um site onde esse conteúdo pudesse ser organizado. Esse site é só o pontapé, tem muita coisa para ser desenvolvida”, conta.   O Salvador Escravista pretende revelar informações sobre a participação destas figuras homenageadas no processo de dominação e exploração das pessoas negras, oferecendo melhor compreensão sobre o papel desses indivíduos no desenvolvimento de uma sociedade marcada pela desigualdade e pelo racismo.“Salvador tem um potencial de turismo muito grande, mas é preciso ser aprofundado nesse turismo que os grandes prédios públicos foram construídos a custo da força de trabalho de pessoas escravizadas e é nesse sentido que a gente acredita que possamos contribuir”, completa o historiador.O site também reúne homenagens reparadoras sobre as conquistas da luta negra e já conta com textos de autoridades no assunto como João José Reis (Ufba), Robério Souza (Uneb), Cândido Domingues (Uneb), Elciene Azevedo (Uefs), Iacy Mata (Ufba), Érica Lôpo (Ufpi), Carlos da Silva Jr. (Uefs), Mariana Dourado (Uneb) e Moreno Pacheco (Ufba). O projeto digital ainda tem como propósito contribuir para o ensino de história, servindo como uma ferramenta de pesquisa. 

Novos verbetes serão adicionados à página gradualmente nas próximas semanas e qualquer pessoa pode indicar locais ou estruturas que relembrem o passado escravocrata da capital baiana, bem como as memórias das lutas contra esse regime.

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