Salvador vive melhor momento da pandemia, diz Léo Prates

Ele faz balanço dos quase três anos na Secretaria Municipal da Saúde 

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  • Da Redação

Publicado em 14 de março de 2022 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Ana Lúcia Albuquerque/CORREIO

No próximo domingo (13), se completam dois anos desde os primeiros casos de covid-19 em Salvador. Naquele março de 2020, pouco se sabia sobre como lidar com uma pandemia. De lá para cá, a secretaria de saúde não mediu esforços para proteger a vida dos soteropolitanos. Os leitos clínicos e de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) foram ampliados, gripários foram criados, testagens foram feitas nos bairros e várias medidas restritivas foram aplicadas, até que, enfim, chegaram as tão esperadas vacinas.  

Salvador, que chegou quase ao colapso no sistema de saúde, em maio de 2020, hoje, tem o melhor cenário epidemiológico desde o início da crise sanitária. A taxa de transmissão (rt), que mede a quantidade de pessoas que podem ser contaminadas, está em 0,15, um dos menores números já vistos. O controle desse cenário se deve muito à condução do secretário municipal da saúde de Salvador, Leo Prates, que deixa a pasta no dia 30 de março para disputar as eleições de 2022. Prates falou com exclusividade ao CORREIO sobre os maiores desafios nesses quase três anos como secretário, cargo que ele já pensou em desistir várias vezes.  

Como está a pandemia na cidade, agora?  Nunca tivemos uma condição tão boa, com os melhores indicadores dos últimos dois anos. A taxa de RT está em 0,15. Até 1, a pandemia está sob controle, estável. Acima de 1, está em descontrole. A taxa de leitos de UTI em 34%, com o gripário dos Barris vazio, a Upinha de Pirajá vazia. Os atendimentos, hoje, são muito mais de outras doenças. 

Com as festas privadas que tiveram no Carnaval e com o aumento do público para 8 mil pessoas, existe risco de um aumento de casos?  O risco do coronavírus nós ainda vamos ter que conviver por muito tempo. Em Salvador, temos um problema e uma fortaleza, em termos de vacinação. Temos 96% da população vacinada em primeira dose, mas 51% do público em terceira dose, com 624 mil pessoas em atraso. O Ministério tomou uma decisão de dar dose de reforço com quatro meses da segunda dose. Na nossa visão, foi a medida mais acertada para se alertar de uma contaminação alta. Porém, as pessoas não estão seguindo. Os especialistas chamam isso de buraco de vacina e pode, sim, trazer problema na frente. 

O governador de São Paulo, João Doria, retirou a obrigatoriedade do uso de máscaras em locais abertos. Isso também será liberado aqui?  Com muita tranquilidade, temos, hoje, indicador para qualquer tipo de flexibilização. O prefeito, Bruno Reis, e o governador, Rui Costa, que cabem a liderança da cidade e do estado, podem adotar a flexibilização do uso de máscaras. Porém, tomaria cuidado com o mês de abril, não porque pode ter uma alta de internamentos, mas um aumento considerável do atendimento, por conta das síndromes gripais, o que já ocorria, antes da pandemia. 

Qual o momento mais difícil que Salvador enfrentou da pandemia? Chegamos perto do colapso?  Maio de 2020, sem sombra de dúvidas. Retirei minha pré-candidatura a prefeito, justamente porque a gente atingiu um pico. E, sim, chegamos muito perto do colapso. Tínhamos reuniões diárias com ACM Neto e era muito duro aquele período. 

No meu ponto de vista pessoal, também foi o pior momento. Tive dois filhos contaminados, todos os meus sobrinhos pegaram, saí de casa e fiquei sem ver minha família por 15 a 20 dias. Minha irmã estava no oitavo mês de gestação, foi internada com covid, o marido dela pegou também. Foi bastante angustiante, várias noites sem dormir. É um mês que não deixa saudade.  

O fato de sua esposa ser também da secretaria de saúde, ajudou?  Eu e a Ana Paula temos 43 anos de amizade. Não me lembro de minha vida sem ela. Crescemos no mesmo prédio, estudamos na mesma escola. E ela foi fundamental. É doutora em saúde pública, concursada aqui da secretaria. Uma pessoa com inteligência rara. Agradeço a essa parceria, porque, em muitos momentos, quem deu suporte e informação foi ela. É uma das grandes sanitaristas da nova geração. 

O senhor  teve vários momentos delicados com a família, recentemente, com seu sobrinho, com leucemia. Como foi lidar com isso?  Aprendi a transformar o sofrimento em felicidade para as pessoas. Pude melhorar o contrato do hospital Aristides Maltez, aumentamos em 20% o contrato aqui na secretaria e isso quer dizer que vou ter 20% mais pessoas atendidas lá com câncer. Estamos também em negociação com o Martagão Gesteira para dobrar a capacidade de onco-hematologia, que é, inclusive, o que sofre meu sobrinho, e com o Santa Izabel, para ter um serviço de oncologia mais forte. 

Em algum momento, o senhor pensou em desistir, entregar a pasta e voltar a ser deputado?  Pedi a ACM Neto várias vezes para sair, não vou esconder isso. A rotina é muito dura, você não tem um dia sem problemas na saúde. A gente é humano também, sente na pele as críticas, que, muitas vezes, vêm para destruir. Mas, quem está na vida pública, tem que ter couro grosso e aprender a apanhar. Estou saindo mais maduro do que entrei aqui e, com certeza, um ser humano melhor. Em dezembro de 2020, pedi para o prefeito Bruno Reis, eleito à época, para trocar de pasta, mas, ele disse que, no momento de incertezas, ele precisava de mim na saúde. ACM Neto também fez esse apelo e resolvi atender, devido à necessidade cidade de Salvador e o apelo de dois grandes amigos.  

Qual foi a decisão mais difícil que o senhor  teve que fazer como secretário de saúde?   A política de restrição. Tenho vários amigos donos e bares e restaurantes e acredito que botar um interesse coletivo acima dos pessoais, ser um mau amigo e um mau parente, em prol de todos, foi uma das coisas mais difícil que fizemos.  

Sua formação é em engenharia e administração. Como foi gerir uma pasta sobre uma área que não dominava?   Tenho que agradecer a minha família, que tem a origem muito humilde. Ela me possibilitou um ensinamento talvez o mais profundo que tenha recebido: que só tem uma coisa que transforma um homem inteligente em burro, a vaidade. Isso, nunca tive. Então me coloquei no lugar de facilitar o trabalho dos profissionais de saúde, de botar o remédio no posto, botar a máscara, a luva, botar profissional para atender o povo. Esse era meu papel. 

Durante esses meses de pandemia, o senhor apareceu muito na imprensa para falar com a população. Acha que esse trabalho foi importante para ter mais visibilidade?  Tenho uma aversão muito grande a televisão, é até engraçado falar isso, desde pequeno. Mas, não posso negar que meu trabalho trouxe um reconhecimento grande. Você não é um super-homem que vai resolver tudo, mas acho que mostrei para as pessoas que fiz meu melhor, com meus erros, acertos, qualidades e defeitos. Isso tranquiliza meu coração.  

Qual o legado que o senhor deixa na secretaria de saúde?  O que mais me orgulho, é o legado social na saúde. Criei o Girassóis de Rua, que é o maior programa de atenção à população de rua na área da saúde do Brasil. Botamos para testar a população de rua e acompanhar o fluxo viral, porque eles estão mais expostos e vulneráveis.  

Outra coisa é o Mãe Salvador, que atende a gestante e a criança, o nosso futuro. Combatemos a sífilis congênita. É muito triste você ver criança nascer com deformidade porque não teve pré-natal. E o Mãe Salvador dá o transporte e enxoval para estimular. Saímos de 1.500 pré-natais feitos para 7 mil. Somaria aí o plano municipal da criança e do adolescente, em que fizemos o planejamento para 10 anos.  

O segundo legado é o da atenção primária, que chegamos a quase 60% de cobertura. Saímos de 18% para 60%, nesses últimos nove anos, é o maior crescimento da história de Salvador e tenho muito orgulho de fazer parte desse grupo. Não foi só eu, mas dei continuidade.  

Outro legado muito forte foi trazer a academia para dentro da secretaria. Isso permitiu que a UFBA, através do Instituto de Saúde Coletiva, e a Fiocruz trabalhassem nas tecnologias de enfrentamento até a pandemia. Criamos um COE, vamos inaugurar mais uma base do SAMU, sem gastar um real, por uma doação da FTC. Teve o legado da pandemia, em que Salvador virou referência para o Brasil, com a criação dos gripários, upinhas, a vacinação pelo drive, além da automatização no processo de compra de medicamento.  

Mas a palavra que mais define meu legado é servir. O que mais gosto de fazer é cuidar das pessoas. E a palavra que define esse momento da minha vida que está se aproximando, no dia 30 de março, quando vou sair, é gratidão. Gratidão à cidade [secretário começa a chorar], à imprensa, mesmo com as críticas, à minha família, esposa e filhos, que souberam me apoiar, em todos os momentos. A meus amigos, Bruno e Neto, e a Deus, porque esse momento chegou.  

Foi difícil, não fui perfeito, mas fiz meu melhor. Às pessoas, pelos meus erros, peço desculpas. E os meus acertos divido com todos os trabalhadores e trabalhadoras da cidade do sistema público e privado, que entregaram suas vidas à vida das outras pessoas. Tenho muito orgulho de ter sido trabalhador do Sistema Único de Saúde. Foi a coisa que mais me orgulhou nesses dez anos que eu tenho de cargos públicos.   

Quem será o sucessor ou sucessora da pasta e quais os desafios que essa pessoa enfrentará?  O maior desafio é a sequela pós covid no sistema de saúde, pois vamos ter uma alta demanda. Há um crescimento expressivo da fila de ressonância aqui em Salvador, além das sequelas, como AVC, infarto e o agravamento de algumas doenças de pessoas que não se cuidavam.  

Quanto a nomes, defendo uma continuidade da gestão desse grupo que conduz a prefeitura. Acho que Décio Martins [atual subsecretário municipal da saúde] é um bom nome. Thiago Dantas [titular da Semge, Secretaria Municipal de Gestão] tem um conhecimento profundo da Secretaria Municipal de Saúde, assim como o subsecretário da Casa Civil, Moisés Andrade, porque é lá inclusive que se libera o orçamento para nós. Mas a decisão é exclusiva do prefeito, Bruno Reis.  

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