'Se não tiver luz, limpeza, segurança, não tem pesquisa', diz reitor da Ufba

Entenda a situação da Ufba: bloqueio é de R$ 37 milhões do orçamento de custeio

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  • Thais Borges

Publicado em 30 de abril de 2019 às 17:39

- Atualizado há um ano

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Foto: Betto Jr/CORREIO Os últimos quatro anos não foram fáceis para a Universidade Federal da Bahia (Ufba). Desde 2015, em um cenário nacional de redução de gastos, a instituição que outrora desfrutou de importantes programas de expansão, como o Reuni, se viu com dificuldades para fechar as contas. Mesmo assim, a notícia de um novo corte de 30% no orçamento da universidade, divulgada nesta terça-feira (30), chocou a comunidade acadêmica. 

Desta vez, a justificativa não é de limitação de recursos. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o ministro Abraham Weintraub afirmou que o Ministério da Educação (MEC) cortaria especificamente recursos de universidades que estivessem promovendo “balbúrdia” em seus campi, ao mesmo tempo em que não estivessem apresentando desempenho acadêmico esperado. 

Segundo o ministro, três universidades já estão enquadradas nesses critérios: além da própria Ufba, somam-se à lista a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal Fluminense (UFF). Uma quarta instituição, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais, estaria sendo avaliada e corre o risco de se juntar às três primeiras. 

Em nota, o MEC confirmou que a Ufba, assim como as outras duas universidades, teve 30% de suas dotações orçamentárias anuais bloqueadas desde a semana passada. “O MEC informa, ainda, que não envia comunicados a respeito do orçamento a nenhuma instituição, todos os dados são visualizados pelo Siafi. Nesse sentido, cada uma pode informar os impactos do bloqueio em sua gestão”, descreveu o ministério, citando o Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi). 

De acordo com o reitor da Ufba, João Carlos Salles, o bloqueio equivale a R$ 37,342 milhões da rubrica de funcionamento de custeio. O orçamento da Ufba é dividido em três partes: custeio, capital e pessoal. O custeio inclui todas as despesas de manutenção da universidade – ou seja, contas de água, luz, telefone, limpeza, vigilância e assistência estudantil. Essa rubrica atinge tudo, menos a assistência estudantil. 

Por enquanto, a redução nos recursos repassados se configura como um bloqueio. Existiria um corte se o valor fosse retirado da Lei Orçamentária Anual (LOA), algo que só pode ser feito pelo Congresso. No entanto, se esse bloqueio não for revertido, vai ser equivalente a um corte. “Isso afeta a nossa projeção de contratos, nossa capacidade de fazer frente às despesas do ano. Representa bem mais do que dois meses do nosso custeio”, afirmou o reitor, em entrevista ao CORREIO, nesta terça. Ou seja, se a situação do corte se confirmar, a universidade só terá dinheiro para custeio até outubro. Ainda que, segundo o MEC, as instituições não recebam comunicados sobre o orçamento, a Ufba deve solicitar, ao órgão, uma justificativa formal para o bloqueio. “O que não pode é ter um corte imotivado. E a motivação não pode ter um vício de origem. Então, a gente precisa saber qual é a razão para tomar as medidas cabíveis”, disse Salles. 

A redução dos repasses não afeta diretamente a pesquisa e o ensino na universidade. No entanto, para o reitor, não há como isso não acontecer, indiretamente.“Muitas pesquisas têm recursos próprios. Se não tiver luz, limpeza, segurança, não tem pesquisa. Isso (o bloqueio) impacta tudo”. Eventos e festas  O MEC também não respondeu aos questionamentos do CORREIO quanto à motivação do bloqueio. No entanto, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o ministro Abraham Weintraub disse que a Ufba, assim como a UnB e a UFF, têm permitido, em suas instalações, eventos políticos, manifestações partidárias e festas inadequadas. “A universidade deve estar com sobra de dinheiro para fazer bagunça e evento ridículo”, disse, ao jornal paulista. Weintraub deu exemplos do que considera bagunça: “Sem-terra dentro do campus, gente pelada dentro do campus”, citou o ministro, sem especificar onde os eventos teriam acontecido. Para completar, afirmou que a produção científica das três instituições está distante do que deveria. “A lição de casa precisa estar feita: publicação científica, avaliações em dia, estar bem no ranking”, afirmou, sem nomear nenhum ranking. 

Para o reitor da Ufba, João Carlos Salles, nenhuma das duas razões caberiam à instituição. Quanto aos eventos, ele explica: de fato, a universidade é um espaço aberto, público, para produção de conhecimento e também realização de eventos. Em 2017, a Ufba promoveu 106 eventos e 66 cursos e minicursos - esse número não inclui, porém, eventos promovidos por outros entes. 

“É de diálogo com a sociedade, de liberdade de expressão, de crítica, de discussão cuidadosa de temas relevantes. Essa discussão não poderia ser feita sem atores também da sociedade. É natural que isso ocorra num espaço público da Ufba”, justificou. Ele explica que festas, por sua vez, fazem parte da vida estudantil historicamente. 

No entanto, existem regramentos para impedir situações de insegurança nessas festas – nem criar constrangimentos ou ferir a legislação. “Não podemos pensar uma universidade desprovida de vida cultural e também de debates. De forma alguma podemos aceitar que ocorra balbúrdia na Ufba”, reforçou. 

A Ufba realmente tem eventos com a participação do Movimento Sem Terra (MST). É o caso da Feira Agroecológica da Reforma Agrária, que costuma vender produtos da agricultura familiar no campus de Ondina. A feira ocorre como um projeto de extensão desde 2014, tendo sido criada por uma iniciativa do Núcleo de Estudos e Práticas em Políticas Agrárias (Neppa).

Em 2015, manifestações de estudantes da Ufba que uusavam a liberdade corporal viralizaram. Na performance “Gordura Trans”, um homem nu tomou banho de dendê em Ondina. Lá, alunos assistiram nus a uma apresentação.

Além disso, a universidade já sediou grandes eventos, como o Fórum Social Mundial, no ano passado, que contou com 60 mil participantes de 120 países diferentes. Para o reitor, é por isso que a instituição não pode aceitar o bloqueio sem uma posição oficial. “A feira (agroecológica) tem a ver com atividades importantes extensionistas. O Fórum Social Mundial foi um dos eventos mais relevantes, que estiveram aqui enfrentando reflexões sobre o sentido atual da sociedade. Isso, sim, interessa à universidade pública”, completou o reitor.Segundo Salles, a Ufba não financia eventos que não sejam voltados para os interesses da própria instituição e nem patrocina eventos político-partidários. 

Para o professor Joviniano Neto, diretor da Apub Sindicato, que representa os professores, as declarações do ministro vão contra a autonomia universitária, especialmente pelo caráter seletivo. 

“Só o fato de ele escolher três (para o bloqueio) já mostra que o ataque é seletivo. Ele precisa dizer quais são os eventos inadequados e ridículos, porque ele dá exemplos no geral e equipara a presença de sem-terra à gente pelada no campus. Sem-terra é indecência? É uma visão totalmente elitista e preconceituosa”, criticou o professor. 

Desempenho acadêmico O alegado baixo desempenho acadêmico da Ufba também foi questionado. Um dos principais rankings internacionais, o Times Higher Education, colocou a instituição como uma das 10 melhores do Brasil – 15 universidades brasileiras ficaram entre as mil melhores do planeta. Na classificação das melhores da América Latina, a Ufba passou da 71ª para a 30ª posição, de 2017 para 2018.

Da mesma forma, a Ufba passou de 15º lugar para 14º, entre 2017 e 2018, no Ranking Universitário Folha (RUF), o principal do Brasil. “Nossa situação é que todos os nossos cursos de graduação foram muito bem avaliados e tiveram crescimento. Hoje, mais de 70% dos nossos cursos têm notas superiores a 4 ou 5. E houve um deslocamento significativo da nossa pós-graduação, que passou a ser, majoritariamente, de cursos 4 e 5. Ou seja, a Ufba melhorou a qualidade da graduação e da pós”, pontuou João Carlos Salles. 

Um levantamento feito pelo CORREIO mostrou que, dos 64 programas de mestrado acadêmico da Ufba, apenas 13 têm notas 3 pela Capes. O restante, que equivale a 80% do total, tem notas entre 4 e 7 - sendo 4 'bom' e 7 aqueles com alto padrão internacional. 

Entre os 54 programas de doutorado, somente dois têm notas 3. Os outros 96,3% têm notas maiores do que 4. A Capes classifica os programas através de uma escala: os que têm notas 1 e 2, têm canceladas as autorizações de funcionamento e o reconhecimento; a nota 3 significa desempenho regular, atendendo ao padrão mínimo de qualidade. 

Já os cursos com nota 4 são considerados como tendo bom desempenho, sendo que 5 é a nota máxima para programas com apenas mestrado. Notas 6 e 7 indicam desempenho equivalente ao alto padrão internacional.“Não podemos aceitar qualquer menção a um desempenho acadêmico insatisfatório, pelo contrário. Enquanto não tivermos uma justificativa precisa, não podemos acreditar que essa seja a motivação do ministério”, afirmou Salles.  A situação da Ufba, de acordo com especialistas em educação, é “muito satisfatória”. Quem diz isso é a coordenadora do RUF desde a primeira edição, a pesquisadora docente da Universidade de Campinas (Unicamp) Sabine Riguetti. Ela explica que, segundo a literatura da área, as avaliações de rankings devem ser por faixas – a cada 50 universidades ou a cada 25, por exemplo. As 25 seriam as grandes universidades do país. 

“A Ufba sempre esteve entre as 25 primeiras. Estar em 14º (no RUF), sendo que ela está em um grupo onde estão todas as universidades públicas do estado de São Paulo, que respondem por metade da produção científica do país, é muita coisa. Ela está entre as universidades de excelência e ‘competindo’ com as melhores do país”, explicou. 

O RUF conta com parâmetros como a avaliação de patentes – a Ufba é a 13ª universidade brasileira que mais solicita patentes – e internacionalização (a 15ª). De acordo com a pesquisadora, entre 2008 e 2017, a Ufba aumentou sua produção científica em 102%, na base de periódicos Web of Science. No mesmo período, a média nacional foi de 65%. 

Na prática, isso revela que, ainda que todas as universidades brasileiras estejam aumentando sua produção científica, a Ufba está aumentando em um ritmo mais acelerado que as demais.“Isso acontece mesmo considerando as dificuldades intrínsecas da Ufba, que é uma universidade no Nordeste que fez um processo de inclusão, que é custoso. Mesmo com esse processo, a universidade conseguiu produzir mais ciência que a média nacional”, analisou Sabine, coordenadora do RUF.Crescimento Para o coordenador-geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE), José Neto, a situação dos estudantes na universidade deve se tornar ainda mais frágil, devido aos novos cortes. Ainda que os auxílios estejam sendo repassados – a exemplo dos 8.086 benefícios do Programa Permanecer –, é como se o total oferecido não atendesse ao total de necessitados. “Estamos tendo uma redução muito grande disso. A quantidade de estudantes que entra vai aumentando progressivamente, mas o orçamento, não. Você tem estudantes classificados, que são aqueles que poderiam receber, e os efetivamente selecionados, que são os que vão receber, a partir de um quadro de vulnerabilidade econômica”, explicou Neto. Esses critérios incluem, por exemplo, a existência de um parente que more em Salvador como possível definição entre dois estudantes que têm a mesma situação econômica. 

O reitor da Ufba, João Carlos Salles, reforça que a Ufba, de fato, cresceu. No entanto, o orçamento não acompanhou. “O orçamento é defasado, insatisfatório e já fizemos vários registros ao MEC, considerando que a nossa gestão é compartilhada. Considerando a necessidade de suplementação orçamentária, a instituição tem melhorado seus índices, a despeito de todas as dificuldades”. 

Através da assessoria, o MEC informou que “estuda os bloqueios de forma que nenhum programa seja prejudicado e que os recursos sejam utilizados da forma mais eficaz”. O órgão garantiu que o Programa de Assistência Estudantil não sofreu impacto em seu orçamento.

A Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Bahia (OAB-BA) publicou uma nota de preocupação com o contingenciamento de recursos para ciência e educação na Ufba. A entidade criticou o "caráter arbitrário e punitivo da decisão", afirmando se tratar de um ataque à autonomia universitária e à liberdade de cátedra.

A Assufba, sindicato que representa os servidores da Ufba, repudiou, em nota, o bloqueio no orçamento da universidade. "A ASSUFBA lembra que, lamentavelmente, as instituições têm trabalhado nos últimos anos no limite, após sucessivos cortes orçamentários. O que o Sindicato defende é uma universidade pública, gratuita, democrática e de qualidade. Para isso, precisa de investimentos", diz a nota. 

Entidades como a Associação de Ex-alunos da Universidade Federal da Bahia (Aexa) também divulgaram nota repudiando o anúncio dos cortes orçamentários. "A Ufba, por onde passaram prefeitos, governadores e parlamentares do nosso Estado é um orgulho, pois é a universidade mais bem ranqueada na Região Nordeste", afirmou o presidente da Aexa, Weslen Moreira.

Na próxima semana, uma assembleia geral dos estudantes deve debater o tema. Além disso, na terça-feira (7), os professores também devem se reunir. A assembleia, que já tinha um indicativo de greve – uma paralisação nacional no dia 15, que tem pautas como a defesa da educação e contra a reforma da previdência –, também deve tratar do tema.