Se prepare porque vai doer: 50% dos idosos sentem algum tipo de dor

Desde 2015, foram 11,8 mil internações causadas por fraturas e quedas, mas é possível se prevenir

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  • Fernanda Santana

Publicado em 22 de setembro de 2019 às 07:09

- Atualizado há um ano

. Crédito: Morgana Miranda/CORREIO

O tempo cobra seu preço no corpo. O esforço de passar horas sentado e os movimentos repetitivos, por exemplo, funcionam como uma bomba relógio dentro de você. A explosão de todos os fatores costuma acontecer na terceira idade. A Sociedade Brasileira de Geriatria estima que até 50% dos idosos sentem dor. Se prepare porque pode doer, mas isso não significa banalizar os incômodos.

A presença da dor nos mais velhos pode ser explicada por questões naturais e exposições ao longo da vida. É o período em que as articulações e os órgãos começam a apresentar problemas resultados pelos usos. Também ocorre perda de massa óssea e fragilização dos ossos. 

Nessa fase da vida, a absorção das células velhas aumenta e no sentido contrário vai a formação de novas células, o que torna os ossos mais porosos.  A chamada osteoporose aumenta a chances de fratura.

Os problemas mais comuns estão nas articulações, conexões entre os ossos que possibilitam a mobilidade. Na verdade, todos os idosos têm algum grau de artrose, doença que atinge as articulações, desgasta a cartilagem e pode danificar os ligamentos. 

De 2015 até aqui, foram 2.430 internações provocadas por artrose em baianos com mais de 60 anos, calculou a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) a pedido da reportagem.  

Como explicar A frequência de atrose entre os idosos pode ser explicada estruturalmente. O desgaste da articulação ocorre pelo próprio uso, explica o presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria na Bahia, Léo Brandão. 

A dor surge quando a proteção da articulação, basicamente composta por colágeno, é reduzida e o atrito entre os ossos se torna maior.  As grandes articulações, como joelhos, quadris e colunas, são as mais afetadas. Nos casos mais graves, quando as articulações perdem quase completamente a flexibilidade, a única opção é a substituição por próteses. “O limite de quando vai começar a doer varia de paciente para paciente, que estilo de vida ele tem, qual é a alimentação. A gente pode envelhecer com artrose mas sem dor”, diz.  Foram necessárias três quedas para que Branca Hortélio, 84, entendesse que o seu limite de dor havia sido atingido.

Dói tudo As dores de Branca surgiram aos 81 anos. A sensação de peso nas pernas e nos quadris e a dificuldade para andar revelariam, mais tarde, uma artrose nos nos dois lados do quadril. Antes, nunca havia sentido dores tão intensas. “Quando eu mexia na cama doía demais. Antes eu não sentia nenhuma dor, só essa”, lembra. 

O problema, no caso dos idosos, também são as dores provocadas por outras dores. São as chamadas comorbidades, complicações como as quedas sofridas por Branca. Segundo a Sesab, foram 11,8 mil internações causadas por fraturas, quedas e lesões em partes do corpo entre 2015 a 2019."Além da doença dele, as comorbidades, pode levar o paciente à internação. O que acontece: à medida que você não trata uma doença crônica, a chance que você tem é de evoluir para uma doença pior", detalha o reumatologista Marco Paschoalin.Diagnosticando a dor A dor pode e deve ser diagnosticada. A diferença da gravidade das dores entre idosos e pessoas mais jovens, na verdade, costuma ser associada à demora do diagnóstico. Isso porque as dores necessariamente indicam algum problema. "É muito importante fazer a consulta direito. A gente ouve o paciente dizer que tem dor nas costas e precisa se perguntar o porquê", diz o reumatologista Jamil Natour, especialista no estudo das doenças dos tecidos conjuntivos, como articulações, ossos e músculos. No consultório na Avenida Juracy Magalhães, o geriatra Rômulo Luiz recebe idosos que se queixam da frequência das dores e complicações causadas por ela. Mas faz questão de frisar: “Nascer é sentir dor. É preconceito dizer que é coisa de idoso. Acho que temos que trabalhar isso e não atribuir que o idoso é amigo do reumatismo“. 

Até porque, os baianos estão cada vez mais velhos. A última estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que 2 milhões de idosos vivem na Bahia. Até 2060 o número deve mais que duplicar e chegar a 4,7 milhões de pessoas. 

Músculo traz equilíbrio O corpo funciona a partir de um equilíbrio entre partes fixas, ossos, e móveis, articulações. O músculo é um dos protetores naturais dessas camadas que possibilitam a locomoção. Por isso, a musculação e o exercício físico costumam ser indicados antes mesmo de começarem as dores, para todas as idades. “É uma questão estrutural, de equilíbrio da articulação, quando há musculatura mais bem preparada, a articulação vai sendo acionada quando necessário”, explica Léo Brandão, da SBG.

Dona Branca sai três vezes do apartamento onde vive, no bairro da Graça, para aulas de musculação. Não há pausa nem aos finais de semana. Às terças, sextas e sábados faz fisioterapia em casa. "Eu já fazia musculação antes. Se não fizesse antes então...", brinca ela, que garante estar melho depois de intensificar a rotina. “Melhor tratamento para idoso é programa de exercício de reabilitação, orientar todas as atividades. Todos os exercícios são benéficos. Alguns pacientes se beneficiam de certos tipos de exercício, então é preciso individualizar”, explica o reumatologista Fábio Jennings.Os idosos não precisam ser submetidos a nenhuma restrição de treino. O que determina a internsidade da atividade, explica a educadora física Ariane Guimarães, é o estado clínico e físico de cada um."[Ele] precisa fazer um treino com intensidade para que obtenha ganhos relacionado a perdas morfológicas e funcionais, destacando o treino de força que ajuda no ganho de massa magra", diz. Se possível, é indicado que o idoso opte por academia e espaços onde possam ser acompanhados por instrutores.

A dor psicológica Na raíz da dor, há um aspecto psicológico. Do ponto de vista social, falar da dor, para os idosos, pode significar ter voz num ambiente silenciador para os mais velhos. “Às vezes, é uma forma de voltar a atenção para ele”, explica Isabela Santos, psicóloga especialista em atenção à saúde do idoso.

O aspecto psicológico, no entanto, não inviabiliza a dor física. A psicóloga conta da existência de estudos que mostram o impacto do emocional no desconforto crônico, com a desregulação de neurotransmissores e hormônios. Ainda não há consenso científico.“As escalas de dimensão de dor são muito subjetivas, as pessoas que classificam para essa dor. É difícil para a família e o médico validarem a dor”, justifica a psicóloga. Hoje, nos consultórios, observa-se dois relatos comuns: um, o medo da dor, quando o idoso associa um desconforto a um hábito; outro, a associação de transtornos de humor com queixas de dor. A psicóloga frisa que a análise da dor deve ser sempre entendida como multifatorial. Em todas as idades.

Cai em 29% artrite reumatóide em idosos A cadeira de rodas está guardada num canto da sala, no município de Ilhéus, Sul da Bahia. A aposentada Luzimar Souzar já consegue se manter de pé sozinha e retorna, aos poucos, à rotina que mantinha quando as articulações não haviam sido comprometidas pelas inflamações da artrite reumatóide. ”Meu joelho doía, tudo doía. Hoje, tomo banho sozinha, lavo louça não todo dia", comemora. 

O número de internações causadas por artrite começa a cair. Na Bahia, houve redução de 29%.  A artrite reumatóide é uma doença autoimune, ou seja, surge quando o organismo começa a atacar a si próprio por causas ainda desconhecidas pela comunidade científica. 

No ano de 2017, diz a Sesab, foram 133 internações causadas pela doença. Em 2018, 95. A diminuição é ligada a mudança de atitude do próprio idoso e de novos medicamentos. 

Os imunobiológicos, que agem no sistema imunológico, de onde vem a doença, são os principais."Qual é a mudança? O alvo terapêutico foi mudado. Eu não me contento em tratar mais ou menos, eu tenho um objetivo, essa é a mudança no paradigma", explica o reumatologista Marco Paschoalini. *Com supervisão da editora Mariana Rios

*A repórter viajou ao Congresso Brasileiro de Reumatologia, em Fortaleza, a convite da AbbVie.