Sem água e luz, população e turistas sofrem em Morro de São Paulo e Boipeba

População triplica no verão, mas serviços não acompanham o ritmo

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 4 de janeiro de 2019 às 09:41

- Atualizado há um ano

. Crédito: Moradores de Boipeba reclamam da falta de água - Foto: Acervo Pessoal

A população da ilha de Boipeba e do Morro de São Paulo, que fazem parte do Arquipélago de Tinharé, em Cairu, na região do baixo sul da Bahia, vive dias de tormenta por conta da falta de água e energia que afeta as ilhas na alta temporada e agora está mais intenso.

O problema mais grave é relativo ao abastecimento de água, com mais intensidade em Boipeba, onde nativos e turistas não veem o líquido jorrar das torneiras há oito dias, e de forma pontual em Morro de São Paulo, mas nem por isso sem causar prejuízos.

Em Boipeba, a falta de água faz pousadas perderem hóspedes e reservas. As que ainda têm água estão racionando, o que tem irritado turistas. Restaurantes atuam no limite com reservatórios próprios e também fazem economia.

Muitos estão recorrendo à compra de água mineral até para tomar banho. Algumas pousadas, já prevendo que a situação iria ocorrer, resolveram investir na perfuração de poços artesianos, investimento que chega a mais de R$ 20 mil.

Por causa do problema, moradores de Boipeba resolveram trancar o reservatório da Embasa, estatal responsável pelo abastecimento, nesta quarta-feira (2), depois de tomar a chave de um funcionário. A devolução ocorreu nesta quinta-feira, após uma negociação.

A Embasa informou que a falta de água em Boipeba ocorre devido a quedas no fornecimento de energia por parte da Coelba (empresa concessionária), que atribuiu as interrupções do sistema à sobrecarga na rede elétrica devido ao fluxo de turistas.

Durante o verão, o Arquipélago de Tinharé, composto pelas ilhas de Boipeba e Tinharé, onde estão os povoados de Morro de São Paulo, Gamboa, Garapuá e Galeão, recebe a maior parte dos cerca de 300 mil turistas que frequentam o local no resto do ano.

Isso faz com que Cairu, de pouco mais de 17 mil habitantes, triplique sua população nesse período, sobretudo em final de ano. O mais procurado é Morro de São Paulo, terceiro destino turístico da Bahia – Salvador e Porto Seguro lideram.

Em Morro de São Paulo há 12 mil leitos em 220 estabelecimentos para hospedagem e 125 bares e restaurantes, com geração de 4 mil empregos -- a maioria dos trabalhaores moram na Gamboa. No final de 2018 a lotação chegou a 95%, segundo estimativas da Secretaria do Turismo do Estado (Setur).

De acordo com a Embasa, as ilhas de Boipeba e Tinharé, onde há 1.218 ligações de água, entre residências e estabelecimentos comerciais, possuem consumo médio normal, por pessoa, de 104 litros de água ao dia durante o ano.

E quando chega o verão, em Boipeba, o consumo eleva 70%, enquanto em Morro de São Paulo é mais que o dobro no mesmo período, o que faz os valores das contas de água serem maiores que as de energia elétrica.

Boipeba é abastecida por dois poços que chegam a 200 metros de profundidade. Um terceiro está sendo montado, informa a Embasa. O reservatório de Boipeba tem capacidade para 150 mil litros de água e o de Morro de São Paulo 300 mil.

Devido à alta demanda em Morro de São Paulo, o abastecimento é proveniente do riacho da Gamboa, com reforço de quatro poços. Em todos os casos, a água utilizada é devidamente tratada antes da distribuição, segundo informou a estatal.

Muito cloro Mas mesmo com tratamento, a água não é considerada de qualidade por moradores como Vera Rocha, gerente da Pousada Velha Boipeba. “A água da Embasa tem excesso de cloro, não dá para beber”, ela disse, mas com saudade do líquido.

Na Velha Boipeba, cinco reservas já foram canceladas por conta da falta de água. A pousada tem uma cisterna cuja água está sendo usada de forma racionada “Avisei aos turistas sobre a situação e resolveram cancelar. Perdemos mais de R$ 5 mil”, afirmou.

“Mas ainda tiveram outros dois que ainda vieram mesmo assim. Eles estão tomando banho de balde, assim como todo mundo aqui na pousada”, informou a gerente, segundo a qual a Velha Boipeba está com 28 hóspedes, metade da lotação.

“O problema sempre ocorre final de ano, fazemos racionamento, mas nunca chegou a ficar numa situação dessas, zerado. Temos 14 anos de pousada. A gente não tem satisfação de nenhuma autoridade, ninguém assume a responsabilidade”, criticou.

Oriunda de Rosário, na Argentina, a administradora de empresas Eliana Lisandra Lopez, 35, está em Boipeba há cinco dias e disse que a falta de água incomoda: “Estou usando pouca água, e não temos certeza se ainda teremos nos próximos dias, já quero ir embora”.

O paulista Paolo Silveira, um programador de computadores de 27 anos, afirmou que nunca passou por situação parecida. “Vim pra cá achando que tinha água em abundância, mas pelo jeito é só água salgada, amanhã vou pra Salvador”, comentou.

No restaurante Toca do Lobo, proprietários economizam a água de um reservatório de 10 mil litros. “Ano passado teve esse problema, mas foi bem menos”, disse a dona Ione Lobo. “Por enquanto, estamos conseguindo atender aos clientes normalmente”.

Gerente do Hotel Vila da Barra, em Boipeba, Jackson Fernandes critica o fato de a Embasa não ter uma bomba reserva para manter o funcionamento em caso de problemas. “Não há planejamento algum para atender turistas no verão, todo ano é isso”, disse.

Em Morro de São Paulo, a falta de água levou os donos do Amendoeira Hotel da Vila a perfurar um poço artesiano em plena praça Aureliano Lima, localizada no centro do povoado. A presença dos equipamentos deixou muita gente assustada.

“Foi o jeito que tivemos de dar para não ter esse problema da falta de água esse ano, por enquanto estamos tendo água. Investimos R$ 22 mil para fazer o poço e estamos atendendo tranquilo aos nossos hóspedes”, afirmou o empresário Cosme Silva.

A falta de água no hotel, segundo o empresário, fez com que seu estabelecimento ficasse mau falado na internet, em sites de turismo. “Teve gente que me processou nas pequenas causas por não ter água e nem energia no hotel”, ele disse.

Com o poço artesiano, ele deve ficar livre das contas de água, que ultrapassam os R$ 2 mil. Mas ainda está tendo dor de cabeça com o fornecimento de energia elétrica que afetou tanto Morro quando Boipeba no final de 2018. Moradores estão tendo que comprar água  Foto: Acervo Pessoal Sobrecarga de energia Em Morro de São Paulo, houve quatro interrupções entre os dias 28 a 31 de dezembro, mas segundo a Coelba o problema afetou 4% dos consumidores, cujo número total não foi informado. Boipeba também teve quatro ocorrências entre os dias 30 e 31.

A Coelba afirma que em Boipeba o problema durou menos de 30 minutos em três das interrupções e 1h40 em uma delas, mas não especificou quanto tempo durou a interrupção em Morro de São Paulo.

Segundo moradores, o problema mais grave no Morro foi entre às 20h do dia 31 e às 3h do dia 1º. Com a interrupção, eles tinham à disposição uma fase da energia, o que impediu ligar ar-condicionado, máquinas de lavar e computadores, dentre outros.

“Como lâmpadas estavam acesas, os hóspedes não acreditavam que estávamos tendo problemas com relação à energia, achavam que era para a pousada economizar, e muitos saíram daqui irritados”, afirmou Fabrício Matos Siqueira, da pousada Xerife. Fabrício perdeu equipamentos eletrônicos  Foto: Acervo Pessoal O empresário disse que perdeu dois equipamentos com as quedas de energia: um computador e uma máquina de lavar. “Só não coloco a Coelba na Justiça pra rever meu prejuízo porque não tenho mais as notas fiscais dos equipamentos”, afirmou.

“É lamentável um local desse ter problemas constantes por causa disso. Todo ano tem esse problema, a sobrecarga, e a Coelba não trata de dar um suporte maior, não precaver a quantidade de gente que vem para o Morro de São Paulo”, declarou.

Presidente da Associação Comercial e Empresarial de Cairu, o empresário Christian Willy minimizou o problema da falta de energia no final de ano e disse que “a situação melhorou muito com relação ao ano passado”.

“Antes, acontecia de ficar sem energia por até 12 horas, era muito grave”, disse Willy, segundo o qual a Coelba prometeu fazer investimentos de mais de R$ 8 milhões para melhorar o fornecimento de energia.

“A meta é a partir de 2020 o problema ser sanado”, afirmou o empresário, para quem o problema da falta de abastecimento é o mais grave nas ilhas. “Boipeba teve um êxodo de turistas no final de ano por conta da falta de água”, falou.

“Há ainda o problema do lixo que é jogado no meio da Mata Atlântica. Tem uma área equivalente a três campos de futebol coberta de lixo, e isso é muito preocupante por conta dos lençóis freáticos que podem contaminar os poços que usados para captação de água”, observou Willy.

Esgoto clandestino é jogado na praia Ainda em Morro de São Paulo, às vistas das autoridades locais, esgotos clandestinos jogam dejetos no riacho da Biquinha, os quais vão parar na primeira praia, uma das mais frequentadas por turistas. O mau cheiro no local é intenso.

Moradores e donos de pousadas reclamam também de esgotos que estão voltando pelo ralo de banheiros e da falta de investimento no patrimônio histórico, mesmo com a Prefeitura de Cairu cobrando dos turistas tarifa de R$ 15 para entrar no Morro, desde o final de 2017.

A tarifa visa “assegurar a manutenção, restauração, e preservação do patrimônio histórico, cultural, ambiental e estrutural do arquipélago, e as condições ambientais e ecológicas da Área de Proteção Ambiental (APA) Tinharé”, segundo a Prefeitura.

Além da falta e cuidado com o lixo, jogado em área ambiental, moradores reclamam da ausência de investimentos na manutenção da Fortaleza de Tapirandu, que está com paredes remendadas, prestes a cair, e portões com ferrugens.

Questionada pelo CORREIO, a Prefeitura de Cairu se limitou a comentar sobre o problema da falta de água e energia e declarou que “entende as dificuldades enfrentadas pela população e tem cobrado da Embasa e da Coelba a ampliação do abastecimento de água e fornecimento de energia nas localidades”.

A Embasa, depois de dizer que “o abastecimento de água foi afetado por quedas na energia elétrica”, afirmou que “o fornecimento de energia foi retomado nesta quarta-feira (2), no entanto um dos poços teve um equipamento danificado. O equipamento já foi substituído e o abastecimento da localidade está sendo regularizado gradativamente”.

Para reforçar o fornecimento de água para Boipeba, "a Embasa também deve começar a operar, a partir desta sexta-feira (4), um terceiro poço que já vinha sendo implantado na localidade", segundo diz o comunicado.

“Não há registro de problemas no abastecimento de água em Morro de São Paulo. Os clientes que estiverem com alguma irregularidade no fornecimento devem entrar em contato com a Embasa para solicitar uma verificação pelo 0800 0555 195, informando número de matrícula”. 

Quanto ao esgotamento sanitário de Morro de São Paulo, a Embasa informa que “o sistema está operando normalmente” e diz que esgoto no riacho da Biquinha “é proveniente de lançamentos clandestinos, realizados por imóveis situados às margens do córrego”.

“A Embasa já realizou diversas campanhas de conscientização na área, em conjunto com a Prefeitura de Cairu e com a Associação Comercial e Empresarial de Cairu. Além disso, em 2017, a Embasa fez um levantamento de todos os imóveis que estavam jogando esgoto clandestino no riacho e encaminhou a prefeitura para providências.”

Com relação às pousadas que estão reclamando de retorno de esgoto pelo ralo, a Embasa diz que “esses estabelecimentos não utilizam o sistema de esgotamento sanitário operado pela Embasa, e sim fossas sépticas.”

A Coelba informou que “ao longo de 2018 foram realizadas diversas ações de melhoramento na rede elétrica, a fim de reforçar a qualidade no fornecimento de energia nas referidas regiões”.

“Desde outubro de 2018, a concessionária inspecionou e reforçou mais 884,38 quilômetros de rede elétrica nas principais ilhas do Litoral Norte, além da manutenção e blindagem de 15 alimentadores de rede elétrica”, afirmou.