Sem registro, fábricas de licor em Cachoeira são interditadas pela PF

'Arraiá do Quiabo' e 'Licores Roque Pinto' têm produção tradicional

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  • Wendel de Novais

Publicado em 23 de junho de 2022 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: PF/Divulgação

As fábricas 'Arraiá do Quiabo' e 'Licores Roque Pinto', tradicionais produtores de licor artesanal em Cachoeira, no Recôncavo baiano, tiveram sua produção interrompida na terça-feira (21), quando fiscais do Ministério de Agricultura, Agropecuária e Abastecimento (Mapa), junto com agentes da Polícia Federal (PF), interditaram os dois estabelecimentos. 

A interdição se deu pelo não cumprimento de exigências estabelecidas pelo ministério como mudanças no espaços físicos dos  empreendimentos, contratação de químico responsável, engenheiro químico e engenheiro de produção para as fábricas e registro junto ao Mapa.

Essa não foi a primeira vez que fiscais do ministério apareceram nas fábricas. De acordo com informações da Associação dos Fabricos de Licor de Cachoeira, as exigências foram feitas em 11 de maio após duas visitas dos agentes, que estipularam prazo de dois meses - que terminaria em 11 de julho - para que elas fossem atendidas. No entanto, a interdição aconteceu antes, diz a associação. Procurado para falar sobre o prazo, o Mapa não respondeu à reportagem e nem deu detalhes sobre as exigências feitas às fábricas na visita dos agentes em maio.

Presidente da associação e gestor da Roque Pinto, Roseval Pinto também foi procurado e limitou-se a dizer a principal razão da ação do Mapa e da PF:  "Foi a falta de registro no Ministério da Agricultura", afirmou, em resposta às mensagens enviadas pela reportagem. 

À TV Bahia, ele deu mais detalhes sobre a situação e disse que os fiscais "constataram que a fábrica está rigorosamente em dia, mas falta o registro do Mapa. Registro esse que nós já demos entrada, mas ainda não foi aprovado. Só que estamos com químico contratado e, inclusive, ele pode fazer o serviço para todas as fábricas", disse Roseval na entrevista à emissora. Ele também pede para que o Ministério libere o funcionamento até o fim de junho.

Risco à Produção 

Ainda de acordo com a entrevista de Roseval à TV  Bahia, a ação de interdição do Mapa às duas fábricas pode colocar em risco a produção de licores para 2023, já que parte deles são feitos com um prazo de seis meses a um ano de antecedência. "O nosso processo de fabricação é feito de um ano para o outro. Além de usarmos a fruta da região e da época, nós armazenamos ela para, no ano seguinte, consumir o licor", disse Roseval, afirmando que a interdição impossibilitou o processo.

Os gestores do fabrico ‘Arraiá do Quiabo’ foram procurados para falar sobre a situação, mas não retornaram o contato até o fechamento da edição, às 23h de ontem. Assim como a prefeita de Cachoeira, Eliana Gonzaga, que recebeu ligações e mensagens, mas não respondeu. Em entrevista à TV Bahia, ela afirmou que acompanha de perto o caso e que uma ação civil pública vai ser movida.

"Tínhamos elaborado uma documentação em 11 de maio, que foi a última visita. Chegamos a um consenso e, através da documentação, pedimos a dilatação do prazo até 60 dia, que ia vencer no dia 11 de julho. Ontem [terça, 21], de forma surpreendente, recebemos essa visita dos fiscais, acompanhados da Polícia Federal, para fazer essa interdição", reclamou.

A paralisação na produção das fábricas tem impacto direto e indireto em trabalhadores da cidade. Só na Roque Pinto são dezenas de pessoas que dependem do serviço que prestam fazendo licor para manter as contas em dia e colocar comida na mesa. De acordo com informações de Roseval à TV Bahia, na volta da pandemia, o quadro de funcionários da fábrica tem entre 60 e 70 pessoas.

Patrimônio cultural

A interdição das fábricas acontece justamente durante processo de patrimonialização do licor de Cachoeira e da sua forma de produção pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia (IPAC). Desde fevereiro, o licor já passou a ser considerado patrimônio com registro provisório pelo órgão.

Presidente da Câmara de Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Natural do Conselho Estadual de Cultura da Bahia, Táta Ricardo Tavares, ressaltou a importância do licor de Cachoeira quando do registro provisório, em fevereiro.

“O patrimônio imaterial que ainda pulsa dentro daquele povo, a arte do fazer, dos saberes ancestrais é algo tão forte e o licor é tradição. O licor é peça fundamental na economia, ele aquece o comércio local, estadual e até interestadual e internacional”, disse à época.

*Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro