'Sem sair de casa': empreendedores faturam até R$ 8 mil por mês vendendo aos vizinhos

Confira dicas de como montar seu negócio em casa e vender para a vizinhança

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 9 de agosto de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arquivo pessoal

Quando o marido da aposentada Sonia Bitencourt ficou desempregado, o casal decidiu investir num sítio. Da propriedade saem produtos orgânicos que, depois de colhidos, são armazenados em casa. De lá, vão para a clientela - os vizinhos do condomínio onde o casal mora, no bairro da Pituba, em Salvador. O negócio começou na pandemia e deu tão certo que pessoas de outros bairros passaram a comprar. “Também passei a vender pizza artesanal e muitos dos meus clientes são o pessoal do condomínio”, diz a empreendedora, que revela faturar até R$ 8 mil por mês com as vendas. 

O dinheiro tem servido para continuar os investimentos no sítio, localizado em Pojuca, na Região Metropolitana de Salvador. Mas, também, tem suprido a falta deixada pela antiga renda do marido. “Eu sou aposentada, graças a Deus, mas meu marido ainda está tentando se aposentar. É esse trabalho que tem nos sustentado”, afirma dona Sonia. E ela não é a única a empreender no condomínio onde mora.   “Aqui mesmo no meu prédio tem de tudo. É muita gente vendendo. Tem pessoas que vendem manteiga, queijo, esses produtos laticínios. Uma outra que vive da venda de bolos. E é legal, pois eu compro tudo deles e tão perto de casa”, conta.  De acordo com Wagner Gomes, orientador de negócios do Sebrae Bahia, esse tipo de empreendedorismo em condomínio já existia, mas foi impulsionado durante a pandemia. “Por muitas pessoas passarem a estar dentro de casa, é natural que elas passem a consumir mais em sua própria residência. Atrelado a isso, algumas pessoas ficaram desempregadas, tiveram dificuldade financeira e boa parte do aumento do empreendedorismo é reflexo do desemprego”, explica.  

Pequeno porte  Em 2018, a Prefeitura de Salvador autorizou, por meio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur), o funcionamento de microempresas e empresas de pequeno porte em residências, além da atuação de Microempreendedor Individual (MEI). De acordo com a Secretaria da Fazenda de Salvador (Sefaz), até agosto de 2021 foram registradas 102.571 inscrições de MEIs não estabelecidos, que são os profissionais que não possuem um local próprio de trabalho e, por isso, fazem parte ou toda sua atividade laboral em casa. A pasta não possui dados referentes às microempresas ou empresas de pequeno porte que funcionam em residências.  

Essa autorização municipal contribuiu para o surgimento de negócios como o de Sonia, mas também o de Denise Andrade, 38 anos, que começou a vender no condomínio onde mora há sete anos e hoje já está inscrita como MEI. Moradora do Parque Summer Ville, em Sussuarana, Denise vende cosméticos, bolsas, acessórios e joias. Quando saiu do seu emprego com carteira assinada, há três anos, ela investiu no negócio e passou a trabalhar com pronta entrega para bairros vizinhos. Seu faturamento mensal é de R$ 7 mil, em média.  

“Tem meses que são mais fracos e preciso me virar com promoções. Aí, o faturamento cai bastante. Mas, a gente não perde a esperança. Divulgo meus produtos nas redes sociais, tenho cartão fidelidade, não cobro para entregar a depender da localidade... tudo para conquistar as clientes”, conta a empreendedora, que sonha em abrir sua loja física. “É o meu sonho, pois sou apaixonada por vendas. Amo trabalhar e cuidar das minhas clientes”, diz. Uma dessas clientes é Virgínia Araújo Marinho, 49, moradora do Summer Ville.“Eu compro muita coisa com minhas vizinhas. Nós temos um grupo no WhatsApp onde o pessoal só posta o que está negociando. Já encomendei bolos, salgados, decoração, roupa, café da manhã... tem o que você imaginar”, diz.Ela estima gastar cerca de R$ 200 por mês comprando com os vizinhos. “E tem época que gasto bem mais, quando preciso comprar um presente ou algo mais elaborado”, revela.    Denise Andrade é MEI e empreende em sua própria casa (Foto: Acervo pessoal) Casa virou mercearia  Quando a servidora pública Mariana Esteves se mudou para um condomínio na Avenida Paralela, que fica relativamente longe de supermercados, ela viu imediatamente uma oportunidade de negócios. Montou em seu apartamento uma mercearia delivery com itens básicos para atender aos vizinhos. E a iniciativa deu certo. “Passou de ser um dinheiro que completava nossa alimentação para pagar as contas da casa”, diz, orgulhosa. Ela preferiu não revelar o faturamento.  

O nome do negócio de Mariana foi dado pelas próprias clientes: “Socorro, Vizinha!”. É que no mercadinho tem de tudo: “Comecei com café, açúcar, leite condensado, farinha, ketchup e tudo considerado básico. Com os pedidos dos clientes, fui diversificando mais. Hoje já vendemos também refrigerante, suco e até vinhos”, relata. E ela não é a única do condomínio que tem faturado uma renda extra com negócios entre vizinhos. “Quando criei a mercearia, já tinha alguém que vendia ovos de granja e outra pessoa que negociava cerveja. Tem também a vizinha que vende mel do interior, outra que faz salgadinhos e bolos, uma que faz almoço, tem a dos petiscos, a do brigadeiro gourmet. Tem o rapaz que conserta computador e outro que colocou uma equipe para lavar os nossos carros. Você encontra também roupa de academia, cosméticos, enfim, o que você imaginar. E a gente sempre prioriza adquirir os produtos daqui”, conta.   O negócio de Mariana começou antes da pandemia, mas cresceu mesmo no período de crise sanitária, já que algumas pessoas não saíam de casa nem para ir ao mercado. “E foi no meio da pandemia que perdi a minha mãe. Além da perda física e sentimental, teve o impacto financeiro, pois deixamos de contar com o salário dela. Foi quando eu pensei em incrementar com vinhos e colocar mais itens na mercearia para tentar cobrir as despesas e não ficar com dificuldade”, lembra.   Mariana Esteves é dona da mercearia Socorro, Vizinha! (Foto: arquivo pessoal) Outros condomínios também têm uma rede própria de negócios  No Condomínio Reserva das Plantas, localizado no Horto Bela Vista, também há dezenas de pessoas que começaram a empreender para os vizinhos. A advogada Laís Carvalho, 34, conciliava o trabalho com venda de roupas de academia. Quando foi demitida, passou a focar nas vendas e diversificou o negócio. Hoje ela negocia também abará, salgados integrais, almoços, sucos, sopa, acarajé, sobremesa, refrigerantes, passarinha, caranguejo, lambreta. E não para por aí. “A cada dia vou inovando, pois os clientes gostam de novidade”, diz. 

Laís também não revela quanto fatura. Seu campo de trabalho compreende 800 apartamentos, onde vivem cerca de 2 mil pessoas, uma população próxima a de uma cidade bem pequena. Num destes locais mora Bárbara Luciana, 51, que passou a vender quitutes da culinária nordestina (bolos, canjicas, cuscuz e mingaus) em 2018, depois de ter ficado desempregada. Hoje, ela fatura aproximadamente um salário mínimo com o serviço, o que ajuda a pagar as contas da casa.  “Vender ao meu vizinho me possibilitou uma interação fantástica ao fazer uma entrega, pois eu conheço, converso, aprendo, ensino e me inspiro", diz. Laís decidiu expandir os negócios depois que foi demitida: clientela é formada por moradores de 800 apartamentos (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Já em Lauro de Freitas, no Residencial Alto do Picuaia, a dona de casa Silvia Regina, 44, começou a vender acarajé. Essa foi a forma que ela encontrou de trabalhar sem ter que sair de casa, para continuar cuidando do filho. “E eu só vendo no condomínio mesmo. Alguns que gostam vêm buscar na portaria. Como aqui é um local residencial, tenho que ter cuidado para não atrapalhar a rotina do espaço. Mas, meu sonho é expandir. Estou pensando em alugar um ponto, mas não pode ser distante do condomínio para não perder meus clientes”, diz.   

Por lá também há uma verdadeira rede de negócios. “Várias pessoas vendem pastel, coxinha, pizza, picolé, sorvete e diversas outras delícias. Eu compro deles e eles de mim”, afirma a empreendedora, que viu as vendas aumentarem durante os períodos mais severos da pandemia. “Meu faturamento varia de uma semana para outra. Mas já cheguei a fazer R$ 1,9 mil em um final de semana, quando tinha toque de recolher e as pessoas não podiam ficar tanto na rua”, lembra.   Acarajé vendido por Silvia Regina (Foto: divulgação) Sebrae dá dicas para montar seu negócio em casa   Embora muito do crescimento do empreendedorismo seja devido às necessidades das pessoas em ter que pagar suas contas, o orientador de negócios do Sebrae Bahia explica que o ideal é que um negócio surja fruto de uma oportunidade. “O empreendedor deve perceber a necessidade que há naquele condomínio e planejar o seu negócio, criar um alicerce importante para torná-lo sustentável”, argumenta Wagner Gomes. Por se tratar do condomínio o local de trabalho, o especialista orienta que os empreendedores observem as regras do local onde vivem.“Lá é um ambiente residencial, ou seja, não tem o objetivo de ser um ambiente de negócios. Precisa ser observado se o comércio feito não está causando despesas extras para o condomínio, se traz algum tipo de perigo, odores, ou sons desagradáveis. Até mesmo o uso excessivo do elevador pode atrapalhar as pessoas. Na prática, tem que ter cuidado para que sua operação não incomode o vizinho”, explica.  Sobre isso, todos os entrevistados para essa reportagem afirmaram que nunca tiveram nenhum problema com o trabalho do vizinho ou em exercer seu trabalho no condomínio. “A gente vive em um momento tão singular na nossa história que precisa de muita solidariedade e compreensão. Eu circulo com o material para entregar e não tem problema. Não podemos ligar para a vaidade. Aqui, o pessoal é receptivo e, graças a Deus, não ouvi nenhum comentário ou reclamação”, disse Bárbara Luciana, do Reserva das Plantas. 

Gomes atribui a isso a comodidade que essa rede de negócios no condomínio traz para os moradores do espaço. “O morador vai ter facilidade em adquirir algo que está próximo dele. Não precisa que alguém de fora vá lá fazer uma entrega. É o seu próprio vizinho, que você conhece, que vai te entregar. Isso facilita e gera até mais segurança. É um fator muito positivo”, aponta.  

Confira oito dicas do Sebrae para montar seu negócio em casa: 1 - Faça um planejamento; 2 - Observe as regras do condomínio ou local onde vive; 3 - Procure fazer ou vender algo que você se identifica; 4 - Verifique se há uma demanda do produto no condomínio;  5 - Prepare um local da sua casa para fazer um estoque dos materiais necessários;  6 - Faça a divulgação do seu serviço no âmbito digital; 7 - Facilite ao máximo a forma de pagamento, com Pix, cartão, espécie, dentre outras possibilidades;  8 - Calcule bem o preço do seu produto com base no quanto você gasta para prepará-lo.  

Confira exemplos de negócios que começaram em casa e cresceram: 

Alvo Educacional (@alvo_educacional)  Em junho de 2016, o professor Diego Saraiva começou numa área comum do condomínio onde morava, o Canto Belo Aeroporto, a dar reforço escolar em matemática. Três meses depois, ele já tinha dez alunos. Um ano depois, aumentou para 20. Em 2018, pessoas de outros condomínios ficaram interessadas e houve a necessidade de alugar o espaço fixo. Em 2019, outro espaço foi alugado, passando a funcionar também como curso de inglês e espanhol, pré-IFBA e curso preparatório para concursos. Com a pandemia, as aulas passaram a ser online e, em 2021, voltaram a ser presenciais. Para 2022, o professor pretende abrir ainda uma escola de educação infantil.     Alvo Educacional é a empresa de Diego Saraiva (Foto: divulgação) Pizzalinha (@pizzalinha) Em janeiro de 2012, a família Mônaco construiu um espaço gourmet em sua casa e um forno de pizza para confraternizar com amigos e familiares. Deu tão certo que o local vivia lotado. Eles dizem que criaram a primeira Pizza Funcional, aquela que não tem adição de derivados do ovo, leite ou fermento. O sucesso fez com que eles comercializassem em casa o produto e, em 2014, abriram a primeira unidade em Stella Maris, como o nome de Pizzalinha. Hoje, o estabelecimento também está presente na Barra e em Vilas do Atlântico.   Ana Paula Mônaco e Eduardo Mônaco são os donos da Pizzalinha (Foto: arquivo pessoal) Le Doce Petite (@ledocepetite)  Em junho de 2015, após perder o emprego, a confeiteira Cristiane Mota Baptista precisou se reinventar. Após fazer alguns cursos de empreendedorismo no Sebrae, ela começou a vender doces e bolos para amigos e familiares, através das redes sociais. Ao longo do tempo, a empresária foi adquirindo novos clientes e passou também a organizar festas. Toda a preparação dos produtos é feita em sua casa. Além de investir no meio digital, ela participa de eventos da área, tais como o Feira da Cidade, Biergarten, eventos na Arena Fonte Nova e feiras em condomínios fechados.   Torta feita no Le Doce Petite (Foto: reprodução)