Sobre saudades, no plural

Um dos preços que se paga por ter vivido é ter cada vez mais passado

  • D
  • Da Redação

Publicado em 28 de janeiro de 2019 às 13:00

- Atualizado há um ano

"Saudade / Palavra triste / Quando se perde um grande amor / Na estrada longa da vida / Eu vou chorando a minha dor". Era criança quando ouvia minha avó entoando esses versos da canção Meu Primeiro Amor, imortalizada nas vozes de Cascatinha & Inhana. A canção original é uma guarânia composta pelo paraguaio Herminio Giménez intitulada Lejanía, que em português se traduz por distância.

A criança, que quase não tem passado, mal tem saudade, mas me lembro de sentir na voz da minha avó a dor das suas saudades acumuladas, o lamento das distâncias que o tempo e o espaço impuseram a ela. Eu, recém-chegado à vida, talvez com uma única saudade inconsciente do útero, aprendi desde cedo com minha avó que saudade não se expurga, mas se abafa com música. Há que se ter cuidado, porque há melodias que mobilizam saudades adormecidas que só o silêncio pode voltar a abrandar.

Fui crescendo e adquirindo minhas próprias saudades, não mais emprestadas. Um dos preços que se paga por ter vivido é ter cada vez mais passado e, portanto, saudades - assim mesmo no plural, porque são sempre tantas. São mesmo muitas, mas nem todas doem a mesma dor. Há saudades macias de tardes que nos lembram da ingenuidade distante. Há saudades agridoces porque trazem consigo a esperança do reencontro. E há a pior delas: quando se perde um grande amor. Estas são amargas, não como o jiló, mas como o alumã. No ano passado perdi a minha mãe. Morreu sem termos tido tempo para matarmos nossa saudade de uma vida inteira, uma falta tão longeva e tão acentuada que, de tão presente todo o tempo, transformou nosso futuro no mais irreversível dos passados. 

"São prantos de dor / Que dos olhos caem / É porque bem sei / Quem eu tanto amei / Não verei jamais". Morreu o meu primeiro amor. E eu, como criança crescida, sinto hoje uma segunda saudade do útero, distante para nunca mais. Estranhamente, a distância fatal que a morte causa traz consigo uma saudade com um sabor ambíguo. Ao passo que revela a doçura das recordações despercebidas, traz o amargor das ausências nunca supridas. "Saudade é só mágoa por ter sido feito tanto estrago", já cantou Renato Russo. Talvez seja essa gratidão tardia, logo ingrata, que dá à saudade dos que se foram para sempre esse gosto de cinza.

Descobri, por ocasião deste texto, que existe o Dia da Saudade no Brasil, para dividir com Finados, Dia das Mães, Natal, aniversários de nascimento e morte, o status de dia mais triste do ano para quem perdeu um grande amor, como uma mãe. Ao menos os saudosos saberemos que não estamos sós, que o luto é um tipo de gestação da saudade, uma antigravidez sem pressa nem qualquer prematuridade. "Saudade até que é bom / Melhor que caminhar vazio", já alertou Peninha. Talvez. Sigamos, então, prenhes de saudades pela estrada longa da vida.