Tatuagem íntima: quando o buraco é mais embaixo

Tatuar o ânus, como Anitta fez, é excêntrico, mas pode trazer problemas na saúde

  • D
  • Da Redação

Publicado em 28 de fevereiro de 2021 às 12:16

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Tiago Caldas/CORREIO

Transformar prega em arte é mais antiga que o vídeo de Anitta tatuando seu ânus, viralizado na última semana. A cantora não lançou moda, tampouco foi a primeira a rabiscar sua zona mucosa. No máximo, mostrou ao Brasil algo que já acontece pelo mundo, mas permanece tão escondido quanto o próprio lugar: a tatuagem íntima. Florzinha na vagina, asas no pênis ou palavras de efeito no ânus é mais comum do que se imagina.  A primeira experiência de uma tatuagem no local aconteceu em 2012, no South Florida Tatoo Expo, nos Estados Unidos: Maria Louise Del Rosario tatuou o nome de dois ex-namorados no ânus.  Quase nove anos depois, ainda é difícil encontrar algum tatuador baiano que já desenhou no local. Profissional há 26 anos, Mad já tatuou uma naja que iniciava na zona pubiana da vagina, passava pela genitália e terminava com a calda no ânus. “Foi há muito tempo, a pessoa nem mora no país. A pele (genital e anal) geralmente é muito delicada e exige mais cuidado durante o procedimento. As dificuldades em fazer uma tatuagem não depende só do local a ser tatuado, mas principalmente do grau de complexidade. Um amigo tem duas asas no pênis. Ele chama de 'cara*** alado'", lembra Mad. Anitta tem tatuada no ânus uma frase romântica: “I luv u”, uma forma de escrever “eu amo você” em inglês. A região anal é mucosa, com micro rachaduras e muito sensível. Por isso, a dor é bem intensa, o que explica os gritos da cantora no vídeo. Contudo, Mad estranhou os gritos. “Doeria se não fizessem uso de anestésicos tópicos. Eu não vi o vídeo, mas soube que é antigo. De repente não era tão acessível na época. Ou foi marketing”, completa Mad. Na mosca... 

Além do lançamento de uma nova música, Anitta também fez um perfil no OnlyFans, uma rede em que o fã paga uma quantia mensal para ter acesso exclusivo da artista, para maiores de 18 anos. O certo é que alguns estúdios de Salvador já se preparam para uma eventual procura de tatuagem anal depois de Anitta. “Aqui nós temos uma sala exclusiva para tatuagens íntimas. É bem comum fazer nos seios, regiões pubianas e nádegas. Mas anal, nunca fizemos. Mesmo assim, é possível que comece alguma procura, principalmente depois deste vídeo de Anitta. Estamos preparados”, diz o tatuador Dudu Petersen.   Tatuadora e digital influencer, Malfeitona, acredita que tatuagens intimas abraçam diversos seguimentos da sociedade. “É curioso falar sobre isso. A tatuagem de Anitta é considerada íntima pelo local. Porém, o procedimento é totalmente não íntimo. Foi registrado e compartilhado nas redes. Nunca fiz tatuagem anal, mas faço muita tatuagem íntima. Já tatuei mulheres que tinham cicatrizes, sofreram violência no local e marcas cirúrgicas. A tatuagem acaba tendo um significado bem pessoal. Já fiz tatuagem íntima em evangélicas que queriam se tatuar, mas não podiam mostrar. É uma forma de evitar o julgamento da sociedade, né?”, lembra Malfeitona, que já passou por um caso inusitado. “Uma mulher chegou querendo colocar o nome de um homem perto da vagina. Depois descobri que o rapaz era casado com outra. Ela tirou foto e mandou para a esposa do rapaz. Foi uma confusão aqui”. Tatuadora no Canadá, a capixaba Ísis Muniz evita trabalhos que envolvam tatuagens íntimas, mas por outros motivos. “Fazer tatuagem íntima tem muita ética envolvida, por parte do tatuador, para evitar assédio. Eu prefiro não fazer. Involuntariamente, podemos tocar em parte que não deveria. O cliente pode entender errado. Outra coisa é a higiene. Quando fazia, algumas pessoas chegavam com um odor muito grande nas partes íntimas ou sem a raspagem adequada. Desisti, não faço”.

Perigos  O valor de uma tatuagem não muda apenas pelo fato de fazer no ânus ou na vagina. Geralmente depende do desenho, seus detalhes e tempo de serviço.  Para dermatologistas, tatuar em partes íntimas pode trazer consequências muito sérias para a saúde. E pode custar muito caro.  Para Karla Rebouças, dermatologista da Clínica Osmilto Brandão, o buraco é mais embaixo. “O fato de ter uma pele próxima de mucosas, a região também tem uma flora bacteriana bem característica. Existe um risco grande de contaminação com estas perfurações da agulha e ocorrer uma infecção grave. Outro risco é ter uma reação com a tinta da tatuagem. Pigmentando esta região sensível, pode ocorrer um incômodo maior de coceira e até de nodulação. A região é difícil até para tirar as pigmentações da tatuagem com laser, caso se arrependa. A pessoa precisa ponderar bastante antes de aderir ao modismo”, avisa.  Também existe o perigo da tatuagem íntima apagar algum sinal que possa aparecer na região vaginal ou anal, indicando o surgimento de doenças como o câncer. A vagina e o ânus também são locais de passagem de fezes e urina, o que aumenta riscos de contaminação e dificuldade com a cicatrização. É preciso ponderar. O que era um desejo excêntrico pode se tornar um rapto pútrido, como escreveu Caetano Veloso, na música O Cu do Mundo.