Trios elétricos não deixaram saudade na Lavagem do Bonfim

Reportagem do CORREIO de 1998 mostra que maioria da população aprovou saída

Publicado em 16 de janeiro de 2022 às 16:00

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Foto: José Simões/Arquivo CORREIO

Lavagem do Bonfim em 1998, livre dos trios elétricos pela primeira vez em anos (Foto: José Simões/Arquivo CORREIO) Principal slogan da Lavagem do Bonfim, “quem tem fé, vai a pé” foi, durante muito tempo, ignorado por grande parte dos frequentadores da festa, que não se davam ao trabalho de passar nem perto da Colina Sagrada. Era muito comum, aliás, a galera chegar na Igreja da Conceição, início do longo cortejo liderado pelas baianas, e ao invés de descer no sentido Itapagipe, pegar a pista contrária, subindo a Avenida Contorno. Era dela que partiam os trios elétricos para converter a celebração de cunho religioso em putetê carnavalesco antecipado, com a embolação restrita à região do Comércio. 

Era tanto um Carnaval fora de época (ou de hora) que tinha até camarote no curto circuito, como reporta a edição do Correio de 17 de janeiro de 1997. Aliás, um dos textos inclusive trazia no título a classificação: “Camarotes oferecem conforto para os foliões”. Pois é, era folia das grossas, com quase tudo que tinha direito.

O destaque dessa matéria era a “comodidade” dos camarotes, privilegiando “vips e anônimos”. “Para quem não quis acompanhar o cortejo do Senhor do Bonfim até a Colina Sagrada, a grande opção foi participar da festa de ontem nos camarotes dos blocos instalados na Avenida Contorno, onde a animação foi total regada a muita cerveja. Desde cedo os foliões começaram a chegar e não abriram mão de desfilar no trecho Contorno-Conceição da Praia para ver o movimento”, informava o texto. 

Ao todo, 29 trios elétricos (!) passaram pela ‘festa do Bonfim sem Bonfim’. A reportagem também citava uma característica mais comum na época, que hoje: o medo de uns e outros de participar da festa sem cordas. “Poder contar com a segurança e a comodidade dos serviços oferecidos são as grandes vantagens de ficar na Contorno. Cada bloco procurou dar aos pagantes um tratamento vip, pois a animação da festa de ontem já servia como uma prévia do que vai ser o Carnaval este ano”, especificava a edição, que também citava ocorrências policiais.

Fala, garoto! Os camarotes, aliás, eram concorridos e, às vezes, até bem frequentados.“Além de acompanhar os grandes nomes da música baiana com o desfile dos trios, quem ficou nos camarotes também teve direito a show. No Fala Garoto, os 2.500 participantes dividiram espaço com nomes como Carla Perez e o pessoal do É o Tchan, Serginho Groisman e a turma de Os Cafajestes [peça teatral famosa na época]. O som foi assegurado pelas bandas Prisioneiros do Samba e Cafuné”.Esse camarote era, aliás, colossal: tinha 800 metros quadrados, com 100 profissionais atuando para atender  clientes e convidados. Dez ventiladores ajudaram a amenizar o calor. “Esse camarote foi considerado o mais animado do ano passado e queremos animar mais uma vez. O equipamento de som é o mesmo usado em um trio elétrico”, disse um dos empresários do bloco, Mauro Cardin, que recentemente ressurgiu com um papo de querer comprar o Esporte Clube Bahia. Boa sorte.Ainda sobre ser bem frequentado, outro trecho do texto comentava: “Quem pagou R$ 20 pela camisa do camarote da Timbalada teve direito a um serviço de primeira categoria, além da companhia da global Marieta Severo e da equipe do Vídeo Show”. Mais tranquilo Assim como o programa global, esse rolé errado dos trios acabou e não deixou saudade para a maioria. É o que indica o título aliviado de uma das matérias do pós-Bonfim no ano seguinte: “Tranquilidade predomina no Comércio”, seguido do óbvio: “Ausência de trios muda perfil da festa”.

O texto destaca que sem os trios elétricos, a Festa do Bonfim começou e prosseguiu tranquila, “garantindo conforto e segurança aos participantes da lavagem”. “Os jovens, que em anos anteriores lotavam o trecho entre a Avenida do Contorno e a frente do Elevador Lacerda”, deixaram o espaço para o cortejo passar  (foto acima), sem maiores sobressaltos.

Com os trios fora, o movimento na Contorno também “foi praticamente irrelevante, na primeira edição da Lavagem do Bonfim sem trios, após anos de folia paralela.” 

Houve quem sentiu falta, como o professor Marlon Vieira Passos, então com 27 anos, que ao invés de seguir os trios, resolveu seguir apenas as baianas à Colina Sagrada. “Eu costumava voltar da Colina quando terminava a lavagem das escadarias para aproveitar a festa na Contorno”, explicou o professor, saudoso.

Mas a retirada dos caminhões foi elogiada pela maioria. “Isso vai evitar as brigas e confusões”, previa a dona de casa Maria Francisca de Menezes, então com 60 anos, e que desde 1985 frequentava a festa, e não gostava da concorrência das estrelas do axé com o Senhor do Bonfim.

O estudante brasiliense Raul Reis, então com 26 anos, estava na festa pela segunda vez seguida, e notou a diferença. “Está bem mais calmo e menos violento do que no ano passado”, comentou, ao lado da estudante alemã Vera Laun, então com 20, que “olhava com interesse cada detalhe” do cortejo, e por um ano de diferença perdeu a chance de curtir a ‘micareta’.