'Tudo indica que é dele', diz tia de soldado sobre corpo encontrado em lagoa no Cabula

Militar foi torturado e obrigado a nadar enquanto levava tiros

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  • Bruno Wendel

Publicado em 9 de março de 2020 às 16:10

- Atualizado há um ano

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Bombeiros resgatam corpo de lagoa na manhã desta segunda-feira (9) (Bruno Wendel/CORREIO) O uniforme verde sempre encantou Fernando Silveira Gardiano, 21 anos, desde quando ele era apenas uma criança. O menino acreditava que um dia estaria vestido igual aos seus heróis, vistos pela televisão ou nos desfiles de Sete de Setembro. “Era o sonho dele servir ao Exército”, contou a tia dele, Silvana Conceição da Silveira, 30, na manhã desta segunda-feira (9), ao saber que um corpo, que provavelmente pertence ao sobrinho, soldado do Exército, foi encontrado na Lagoa da Pedreira, na comunidade da Timbalada, no Cabula. 

“Estava em casa, aguardando notícias da busca, quando vi ao vivo na televisão que o corpo do meu sobrinho foi retirado da lagoa pelos bombeiros. Foi horrível. Tudo indica que é ele mesmo. A gente está aguardando um posicionamento oficial da polícia e da perícia para dizer de que forma ele foi morto, se foi torturado ou baleado”, disse a tia, que conversou com o CORREIO por telefone. 

Segundo a Polícia Civil, no início desta manhã agentes do Serviço de Investigação de Local de Crime (Silc) do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) foram até a lagoa após o corpo de um homem ter sido resgatado pelo Corpo de Bombeiros.

A identificação do corpo, levado para o Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, ainda não foi feita, mas, pelas características, a família acredita ser de Fernando. Além disso, o cadáver foi localizado no mesmo local onde o jovem desapareceu na madrugada de domingo (8), depois que ele e outro colega do 6° Batalhão de Polícia do Exército foram espancados por traficantes. Depois, foram obrigados a nadar na lagoa e fugir atravessando pela água, enquanto os bandidos atiravam contra eles.

Um dos soldados conseguiu atravessar a Lagoa da Pedreira e pedir ajuda. Segundo o Comando da 6ª Região Militar, ele está no Hospital do Exército, em Salvador, para a realização de exames e encontra-se em observação. 

O caso é apurado pela 2ª DH Central e ainda não há pistas dos criminosos. No entanto, o tráfico de drogas na localidade é de domínio da facção Comando da Paz (CP), uma das maiores do estado.  Fernando desapareceu após ser espancado (Foto: Acervo Pessoal) Festa Era por volta das 2h de domingo quando os três soldados do 6° Batalhão de Polícia do Exército, sediado em Salvador, retornavam de uma festa, de carro. Após um deles ter sido deixado nas proximidades de sua residência, na localidade de Timbalada – comunidade que fica atrás do Colégio Estadual Governador Roberto Santos –, no Cabula, os outros dois foram abordados por um grupo de bandidos armados.

O carro de Fernando foi encontrado ainda na comunidade e levado para perícia. “A gente não entende por que ele entrou num lugar tão perigoso. Acredito que pode ter sido pela adrenalina mesmo, não pensou duas vezes. Eles tinham acabado de sair de uma festa, provavelmente beberam e estavam empolgados, aí ele nem pensou nos riscos”, disse Silvana. Apesar de ainda não ter a confirmação da morte do sobrinho, Silvana disse que a família já imaginava que ele seria encontrado sem vida. “Estávamos preparados para todas as notícias, as piores possíveis, devido ao relato que nos passaram do rapaz sobrevivente, mas acreditávamos que ele sobreviveria, que um milagre o salvaria”, declarou a tia. 

Pais abalados Filho caçula, Fernando morou a vida inteira com os pais, no bairro de Fazenda Grande do Retiro. O casal recebeu a notícia de que um corpo foi encontrado no local das buscas quando estavam sendo ouvidos no DHPP.

“Eles estão destruídos. Ainda havia uma esperança, mesmo que remota, mas havia. A preocupação agora é cuidar do enterro, mas não sabemos de como proceder, pois tem alguns detalhes que precisam ser visto com o Exército”, contou Silvana, que admite que os familiares já se conformaram que o corpo é do jovem. 

Ela disse ainda que os pais de Fernando ainda não estiveram com o soldado que sobreviveu à ação dos traficantes. “Eles ainda estão tentando digerir tudo isso. Não o que de fato aconteceu, só o que contaram a eles”, declarou a tia.

Fernando estava no Exército há mais de um ano e estava de férias. “No dia 5 deste mês ele tinha completado 21 anos e aproveitou o comprou um carro dele, um Palio. Ele estava muito feliz”, lamentou a tia. 

Corpo encontrado e comoção Era por volta das 6h30 quando os primeiros mergulhadores do Corpo de Bombeiros retomaram as buscas na lagoa – no domingo, iniciaram por volta das 16h, mas encerraram às 18h, pela falta de luminosidade.

“O nosso grande problema aqui é visibilidade na água, apesar do dia. A água é muito escura e suja. Só é possível enxergar com o uso de uma lanterna. É uma lagoa com profundidade de até 50 metros”, declarou o capitão do Corpo de Bombeiros Ricardo Almeida. 

Depois idas e vindas, um dos mergulhadores sinalizou o encontro do corpo de um homem que estava submerso há poucos metros da margem esquerda da lagoa, por volta de 11h. “Estava camuflado na vegetação”, declarou Almeida.

Retirado das águas, o corpo usava apenas um short, estava rígido e o cheiro característico de decomposição já se apresentava forte. 

A retirada do corpo comoveu alguns moradores da Timbalada. “Meu Deus, tão jovem. Imagino a dor dessa mãe, desse pai”, disse uma mulher que chorava abraçada à outra moradora.

Ao serem questionadas sobre o que poderia ter acontecido com o rapaz, uma delas respondeu: “Eu e meu marido só escutamos os tiros, mas não saímos de casa. Aqui, infelizmente, não podemos fazer nada. Quem fala demais paga com a vida”, respondeu ela, antes de deixar o local.

O motivo do medo delas estava estampado nas paredes do entorno da lagoa. A sigla “CP” e a escrita “Tudo 2” estavam na maioria dos muros das casas. Isso é sinal de que o comando do tráfico de drogas no local é da facção.

“Eles são audaciosos e cruéis. Foram eles que deram fim no cabo”, disse um dos policiais da 22ª Companhia Independente (Narandiba), acionados para garantir a segurança dos bombeiros que faziam as buscas. 

O policial fez referência ao cabo da Polícia Militar Gustavo Gonzaga da Silva, 44 anos, morto em setembro de 2018, no final de linha do bairro Santa Cruz – a região é o "quartel-geral" do CP. O cabo passava pelo local em um veículo Onix, quando foi cercado por indivíduos da região que efetuaram disparos de arma de fogo. Gonzaga reagiu, mas foi atingido e não resistiu aos ferimentos.  O PM foi torturado e teve mutilações no corpo.