Tuíte engana ao afirmar que Ferrovia do Sol está em vias de ser implementada

Publicação que viralizou no Twitter e que anuncia uma estrada de ferro que ligaria as capitais do Nordeste é apenas a ideia de um senador e que resgata um projeto de 2013 que nunca teve o estudo de viabilidade técnica realizado

Publicado em 14 de outubro de 2020 às 20:00

- Atualizado há um ano

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Conteúdo verificado: Post no Twitter diz que vem aí a Ferrovia do Sol, obra do governo federal que cortaria todas as capitais do Nordeste Não estão em construção e nem em vias de início as obras pelo governo federal de uma ferrovia que ligaria todas as capitais do Nordeste. O tuíte que viralizou afirmando que a estrada de ferro “vem aí”, na verdade, resgata a ideia de um projeto antigo, chamado de Trem do Sol, que vem sendo discutido desde 2013, mas que, no entanto, nunca teve o estudo de viabilidade técnica realizado, de acordo com a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e com o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). O Ministério da Infraestrutura também disse que atualmente não há obra em andamento para implantação da ferrovia.

A Sudene e o MDR informaram que desejam retomar os estudos de viabilidade do projeto, mas não há previsão para que isso aconteça e, portanto, também não há previsão para início das obras. A publicação que trata da obra como algo próximo de acontecer é, portanto, enganosa.

O vídeo, que circulou junto com o conteúdo que viralizou, foi feito pela equipe do senador Roberto Rocha (PSDB-MA), que é favorável à ideia do circuito ferroviário. Não é, portanto, um vídeo de anúncio das obras pelo governo federal. No entanto, procurada pelo Comprova, assessoria do senador disse que a Ferrovia do Sol é idealizada pelo parlamentar e “não tem ligação com projetos anteriores que versam sobre o mesmo assunto”. Questionado sobre a existência de algum projeto desse empreendimento, o senador, via assessoria, afirmou que faz uma mobilização política com parlamentares para viabilizar a obra e esta, segundo ele, é “a fase inicial” do empreendimento.

Como verificamos? Inicialmente, o Comprova fez uma busca no Google para averiguar se já havia menção ao projeto da Ferrovia do Sol ou do Trem do Sol. A busca resultou, dentre outras, em notícias recentes publicadas em agências de checagem de informação nas quais o assunto é tratado como boato. Em publicações mais antigas, datadas de 2013, alguns veículos mencionam a existência de um projeto com esse nome.

Depois, o Comprova procurou as assessorias de imprensa de órgãos do governo federal que poderiam estar à frente ou ter conhecimento da existência da iniciativa, como o Ministério da Infraestrutura, o Ministério do Desenvolvimento Regional, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Também ouvimos a Universidade Federal do Ceará (UFC), que, conforme reportado em notícias de 2013, participou das primeiras discussões sobre o estudo de viabilidade técnica da obra.

Em paralelo, procuramos o senador Roberto Rocha (PSDB-MA), que divulgou um vídeo recente sobre o projeto, e a autora da postagem que viralizou no Twitter. Ela não respondeu até a publicação desta verificação.

Verificação A ideia de uma ferrovia ligando as capitais do Nordeste As primeiras menções a uma ferrovia passando por todas as capitais do Nordeste é de 2013, ano em que a Sudene e a ANTT assinaram um termo de cooperação para estudar a viabilidade técnica da obra durante o II Fórum Nordeste 2030, realizado em João Pessoa (PB). O projeto era chamado de Trem do Sol e tinha um traçado com origem em Salvador (BA) e seguiria até São Luís (MA).

O acordo previa que um comitê técnico seria formado por representantes da Sudene, da ANTT, dos ministérios dos Transportes (hoje Infraestrutura) e da Integração Nacional (hoje Desenvolvimento Regional), além das nove secretarias estaduais de transporte dos estados nordestinos. Os serviços técnicos contariam com a participação de pesquisadores das universidades federais do Ceará (UFC), de Pernambuco (UFPE) e da Bahia (UFBA). Esse grupo deveria analisar a movimentação de cargas e o transporte de passageiros na região para identificar se o projeto era ou não viável.

Em 2015, o então superintendente da Sudene, José Márcio de Medeiros Maia, chegou a se reunir com o então secretário de Transportes do Rio Grande do Norte, Ruy Gaspar, para discutir a proposta. Na época, a Sudene previa que o primeiro trecho ligaria Recife (PE) a João Pessoa e que as obras poderiam ser feitas através de Parcerias Público-Privadas (PPPs). O valor inicial do projeto, orçado em R$ 10 bilhões, já carecia, naquele momento, de adequação orçamentária, segundo as autoridades à época.

Estudo ficou paralisado Desde então, o governo federal teve duas trocas de comando: de Dilma Rousseff (PT) para Michel Temer (MDB) e, depois, para Jair Bolsonaro (sem partido). O estudo de viabilidade foi interrompido antes de ser concluído. A obra nem sequer começou a sair do papel. Em nota enviada ao Comprova, no dia 9 de outubro, o Ministério da Infraestrutura informou que tem trabalhado para viabilizar projetos de obras ferroviárias, mas ressaltou que “não existe nenhum projeto, no âmbito do Ministério da Infraestrutura, sobre a Ferrovia do Sol”.

O Ministério do Desenvolvimento Regional e a Sudene, também procurados, enviaram notas semelhantes ao Comprova. No texto, os órgãos reconhecem que o termo de cooperação técnica para estudar a viabilidade do empreendimento, procedimento que antecede qualquer obra física, “não teve prosseguimento”. Também disseram que “há discussões” para que a Superintendência retome os estudos de viabilidade da ferrovia, mas não definiram nenhuma data para retomada dos trabalhos.

O Departamento de Engenharia de Transportes (DET) do Centro de Tecnologia da UFC informou por email que o projeto, em 2013, buscava integrar trechos independentes e não utilizados da malha ferroviária em toda a região para finalidade turística e enviou um relatório de 2013/2014 do Grupo de Trabalho criado para discutir a necessidade dos trens de passageiros. Na época, existiam análises de viabilidade pré-aprovada de alguns trechos e a ideia era que o trem fosse de média velocidade, a exemplo de trens de passageiros usados na Europa, conforme explicou a universidade. Apesar da intenção inicial, não houve a formalização de parcerias com a universidade, nem a destinação de recursos para que a instituição desse início ao estudo do trecho entre o Ceará e o Maranhão, segundo a UFC.

Por telefone, a assessoria de imprensa da ANTT indicou o Ministério da Infraestrutura para responder pelo projeto.

O vídeo compartilhado pelo tuíte A obra voltou ao debate depois que o senador Roberto Rocha publicou no Facebook, no dia 25 de setembro de 2020, um vídeo com a seguinte descrição: “Você já ouviu falar da Ferrovia do Sol? Assista ao vídeo até o final e confira esse projeto monumental para o desenvolvimento do nosso Nordeste”.

Esse vídeo, com a marca d’água do mandato do senador Roberto Rocha, é reproduzido no tuíte verificado pelo Comprova. Em contato via whatsapp com a assessoria de imprensa do parlamentar, o Comprova questionou a autoria do vídeo e a assessoria confirmou que a peça audiovisual foi produzida pelo parlamentar.

Outra indagação é se o vídeo se baseia em algum projeto já elaborado e, nesse caso, se poderíamos ter acesso ao documento. Em resposta, a assessoria explicou que “a Ferrovia do Sol está na fase de mobilização política entre parlamentares do Nordeste, liderada pelo senador Roberto Rocha, para viabilizar recursos para o projeto junto ao Orçamento Geral da União (OGU). Essa é a fase inicial”.

O Comprova informou à assessoria que durante a apuração foi constatado que, há alguns anos, um projeto com características semelhantes havia sido discutido por órgãos como a Sudene, mas não se materializou. O parlamentar foi questionado se retomou essa ideia e se há algum estudo de viabilidade da atual proposta. A assessoria respondeu que “a Ferrovia do Sol, idealizada pelo senador Roberto Rocha, não tem ligação com projetos anteriores que versam sobre o mesmo assunto”.

Também foi questionado se já houve algum diálogo oficial do senador com o Governo Federal para proposição do projeto, e se houve, quando e com qual órgão. A assessoria comunicou apenas que “o senador tem conversado com parlamentares, seja da base ou oposição ao governo. É um projeto de caráter nacional que, ao se materializar, representa um passo gigantesco para atividade turística, por exemplo. Obviamente, que o Governo Federal é favorável a modelos de desenvolvimento como este. O congressista vai trabalhar para que o Congresso Nacional aloque recursos para o projeto. Sem projeto não há obra. A obra em si seria em PPP”.

Por que investigamos? Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais tratando sobre políticas públicas do governo federal ou da pandemia de covid-19. É o caso da publicação verificada aqui, feita em um perfil de Twitter, que teve 2,1 mil curtidas no site e mais de 700 compartilhamentos. O vídeo sobre a ferrovia foi assistido 18,6 mil vezes nas páginas do senador Roberto Rocha no Facebook e no YouTube.

A área de infraestrutura ganhou destaque na gestão Bolsonaro. O Comprova já mostrou que a ponte entre o Acre e Rondônia não é obra apenas do atual governo; que um novo viaduto em Foz do Iguaçu não tem relação com a gestão atual; que uma rodovia no Pará foi usada erroneamente para elogiar o presidente; e que imagens antigas estavam sendo utilizadas como se fossem obras do governo Bolsonaro. No Nordeste, o Comprova também verificou que o Exército não refez o trecho da transposição do Rio São Francisco inaugurado por presidentes anteriores e que não há provas de que o rompimento em uma barragem no Ceará tenha sido causado por uma sabotagem.

O Aos Fatos e o Boatos.org verificaram o mesmo conteúdo analisado aqui e concluíram que ele é, respectivamente, falso e um boato.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

*Esta checagem foi postada originalmente pelo Projeto Comprova, uma coalizão formada por 29 veículos de mídia, incluindo o CORREIO, a fim de identificar e enfraquecer as sofisticadas técnicas de manipulação e disseminação de conteúdo enganoso que surgem em sites, aplicativos de mensagens e redes sociais. Esta investigação foi conduzida por jornalistas de O Povo, Jornal do Commércio e Diário do Nordeste, e validada, através do processo de crosscheck, por cinco veículos: Estadão, CORREIO, Gaúcha ZH, NSC e Folha.