Um ano de óleo na Bahia: pesquisador aponta que natureza vai levar 10 anos para se recuperar

Pescadores relatam dificuldade para encontrar pescado em algumas regiões

  • D
  • Da Redação

Publicado em 3 de outubro de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/Arquivo CORREIO

O desastre ambiental na Bahia começou no Litoral Norte há exatamente 1 ano, quando as primeiras manchas de óleo chegaram em Mangue Seco, em Jandaíra, segundo a Marinha. Entre 3 de outubro e 5 de novembro, o petróleo cru percorreu a costa baiana atingindo Mucuri, o último município litorâneo antes da fronteira com o Espírito Santo. Por onde passava, a substância impregnava as praias e o mar. Os culpados pelo crime ambiental ainda não foram apontados.

Ao todo, 32 cidades baianas foram oleadas, segundo a Defesa Civil do Estado (Sudec) - veja a lista ao final da matéria. Até fevereiro, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) contabilizou 459,49 toneladas de óleo coletadas nas praias da Bahia - em todo Brasil, foram retiradas 5.379,76 toneladas do petróleo cru do litoral.

As manchas pararam de chegar, mas o resíduo ainda assusta por ter deixado uma marca na forma de impactos ambientais. O diretor do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (Ibio/Ufba), Francisco Kelmo, estima que a natureza vai levar, no mínimo, 10 anos para se recuperar.

Pescadores de algumas regiões afetadas relatam a escassez de peixes após o incidência do óleo. O presidente da Colônia de Pesca de Conde, no Litoral Norte, Givaldo Batista dos Santos, afirma que o barco da colônia volta “quase vazio” para a costa. Antes, em uma viagem de oito dias, os pescadores da região chegavam a capturar 500 quilos de pescado, mas agora apenas 100 Kg “na marra”.“Acredito que foi o óleo, antes não era assim. Ocorreu algum distúrbio”, comenta o presidenta da colônia. Para ele, os pescadores pagam por um mal do qual não foram os responsáveis. “A gente não foi o culpado, mas estamos pagando o preço. Quem cometeu está de boa”, reclama Givaldo.O pescado de outras áreas não sofreu o mesmo impacto. Em Baixio, no município de Esplanada, o pescador Ricardo Lobato não sentiu a diferença entre a pesca em 2020 e a situação antes do óleo. “A pesca caiu assim que as manchas chegaram, mas já está tudo normal. Não teve a morte de peixes aqui na comunidade”, ressalta. Manchas de óleo atingiram 32 cidades baianas (Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO) Depois que as manchas de óleo chegavam, o trabalho de retirada do resíduo das praias era árduo. Além do governo, os voluntários também se empenharam para ver as praias limpas. O grupo Guardiões do Litoral foi criado com esse intuito e até hoje monitora as praias do estado.

“Existe o óleo recorrente, que ficou preso e vem à tona. Isso ocorre mais fortemente em algumas praias, mas em menor quantidade do que aconteceu no ano passado. Buscamos monitorar as praias com a ajuda dos voluntários que moram nas proximidades”, comenta o ambientalista e participante do grupo, Maurício Cardim.

Um ano depois do desastre, uma das preocupações de Cardim é a possibilidade de que, no longo prazo, os hidrocarbonetos existentes no óleo venham parar na nossa mesa com a absorção dessa substâncias por organismos que integram a cadeia alimentar.

Contaminação Em fevereiro, a Bahia Pesca divulgou os resultados da segunda análise com 34 amostras de pescado coletados em 10 cidades baianas afetadas pelo óleo. O estudo do Centro de Excelência em Geoquímica do Petróleo (Lepetro), da Ufba, indicou que peixes e camarões não estavam contaminados com hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA) em níveis acima dos adotados pela Anvisa como seguros. Entretanto, sete amostras de ostras, siris e caranguejos estavam contaminados com HPA em níveis considerados acima dos ideais.

Foram analisadas 34 amostras de ostras, peixes e crustáceos, coletados entre os dias entre 27 de janeiro e 13 de fevereiro. Destas, apenas sete possuíam o índice mais elevado de contaminação. As coletas aconteceram em dez cidades baianas: Jandaíra, Conde, Entre Rios, Camaçari, Salvador, Itaparica, Vera Cruz, Jaguaripe, Valença e Taperoá.

Em janeiro e fevereiro deste ano, a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) iniciou o processo de capacitação das equipes de Saúde da Família e das vigilâncias municipais para implantação do protocolo Orientações Técnicas para Avaliação de Saúde de População Exposta a Petróleo e do monitoramento de saúde dos expostos. Em março, o trabalho foi interrompido com a pandemia. A pasta estima que menos de 10% das ocorrências foram notificadas.

“A Bahia Pesca ia fazer coletas até o final do ano, mas tivemos que suspender as idas a campo com a pandemia. Somente com a retomada das atividades, vamos poder saber como está a concentração de HPA nos pescados”, comenta o técnico da Bahia Pesca, Brunno Falcão.

De acordo com a Sesab, parte das pessoas que tiveram contato com a substância relatou de sintomas agudos, como irritação respiratória, falta de ar, lesões de pele, tonturas, dor de cabeça por horas ou dias. Com o protocolo, a pasta vai avaliar sintomas e potenciais adoecimentos a médio e longo prazo, a exemplo de distúrbios neurológicos, doenças hematológicas e outras. 

“A longo prazo [podem ocorrer] doenças neurológicas, hematológicas, cânceres, impactos psicossociais”, aponta a pasta, que indica que o maior impacto observado foram psicológicos pela impossibilidade de realizar a pesca nas regiões afetadas.

Resquícios das manchas Por volta de dezembro, ocorreu uma redução no volume de manchas de óleo que chegava nas praias, estima o superintendente da Sudec, Paulo Sérgio Luz. Entretanto, resquícios do óleo continuam a aparecer no estado. De acordo com ele, os municípios realizam a limpeza das novas manchas, contando, inclusive, com o apoio do Corpo de Bombeiros em casos do aparecimento de uma quantidade maior de resíduo.

Desde a chegada do óleo na Bahia, pesquisadores do laboratório de Kelmo estudam os impactos do material. As comparações das condições do oceano em Praia do Forte, Guarajuba, Genipabu e Itacimirim após o desastre com o que era visto antes apontam que houve perda da biodiversidade, redução da densidade populacional e o aumento de doenças em corais da região.

Em 20 de setembro, o diretor do Ibio/Ufba encontrou alguns pontos de óleo enterrado na areia, em Itacimirim. “A gente procura ser otimista. Nessa nova estação reprodutiva que começou agora, desejo que os animais comecem a reproduzir e recuperar o estoque da vida marinha. Entretanto, como ainda tem óleo enterrado em vários pontos do litoral, é bem possível que isso não aconteça”, comenta o pesquisador.

No Instituto de Geociências da Ufba (Igeo), os pesquisadores estão em alerta para analisar todas as novas manchas de óleo que aparecem pela costa do Nordeste. Segundo a diretora do Igeo/Ufba, Olívia Oliveira, pesquisadores da instituição já realizaram mais de 70 análises em todos os estados nordestinos e todos corroboraram com o que foi apontado no começo do desastre, que o óleo possui origem da bacia petrolífera venezuelana.

“Analisamos para saber a origem da nova mancha. Sendo do mesmo episódio, o culpado, quando for identificado, deverá assumir a culpa por todos estes eventos não apenas o da época da chegada do óleo”, explica. 

A pandemia impediu a continuidade de algumas pesquisas no Igeo, bem como a coleta de novas amostras de pescado pela Bahia Pesca.

Cidades oleadas na BahiaJandaíra Conde Esplanada Entre Rios Mata de São João  Camaçari Lauro de Freitas Salvador Itaparica Vera Cruz Jaguaripe Valença Cairu Taperoá  Nilo Peçanha Ituberá Igrapiúna Camamu Maraú Itacaré Uruçus Ilhéus  Una  Canavieiras Belmonte Santa Cruz Cabrália Porto Seguro Prado Alcobaça Caravelas Nova Viçosa  Mucuri *Com orientação da subeditora Fernanda Varela