Um mundo em revista

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  • Kátia Borges

Publicado em 23 de abril de 2022 às 07:00

- Atualizado há um ano

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Sempre que fico indecisa sobre qual caminho seguir lembro de seu Ivan e da banca de revistas. Eu colecionava imagens, uma espécie manual e particular de Pinterest, e folheava as páginas das revistas à cata daquelas que, chegando em casa, iria recortar com tesoura e colar em um álbum improvisado num caderno de desenhos.

Porque eu também desenhava naquela época e, durante algum tempo, levei isso de desenhar muito a sério. Não que eu fosse um grande talento, mas era capaz (será que ainda sou?) de, olhando para qualquer objeto, reproduzi-lo inteiro em um papel com a perspectiva correta, mesmo quando se ampliavam as dimensões.

Eu também colecionava lápis de diversos tamanhos, cores e modelos, um fascínio que mantive a vida inteira. Todos devidamente afinados em lapiseiras, que eu nem sabia ainda que os outros chamavam de apontadores. Por um tempo, colecionei canetas. Mas só me interessavam as de carga cheia, que secavam por falta de uso.

Seu Ivan era pai de um grande amigo, que infelizmente vejo bem pouco hoje em dia, muito embora siga gostando do mesmo jeito de antes. Eu ia até a banca de revistas quase toda semana, para caçar imagens, mas nunca podia comprar duas ou três. Na verdade, poder comprar uma única revista já era um milagre.

Eu me demorava tanto nessa escolha, folheando as páginas, que Seu Ivan perdia a paciência. Nessas ocasiões, ele falava bem zangado sobre aprender a tomar decisões e eu jurava que havia ido àquela banca pela última vez. Se minha mãe estivesse comigo então, a coisa pegava fogo, pois ela nunca admitiu desaforos contra mim.

Então foi uma bênção quando Seu Ivan contratou uma menina para tomar conta do negócio em alguns dias da semana. Eu passei a escolher exatamente esses dias para os meus safáris solitários entre os registros fotográficos do mundo, pois aquela menina gostava de conversar comigo, eu que sempre fui de pouca conversa.

Ela me deixava olhar à vontade as revistas antes de comprar. Mais que isso, ela me emprestava e me indicava revistas e livros. E ela fazia parte de uma turma bacana que me acolheu de cara, eu que nunca fui muito boa em me enturmar e, na escola, estranhava as pessoas e sentia dificuldade em entender os ritos.

Era algo inédito estar em uma turma, frequentar festinhas nos fins de semana, sentir o coração acelerar sem medo. Não sei quando parei de desenhar. Nunca me interessei por colar imagens no Pinterest, algo tão mais fácil e simples. Algumas coisas sensíveis se desfazem sem pesar. E é preciso aprender a tomar decisões.

Kátia Borges é escritora e jornalista