Vacinação contra a covid-19: 77 cidades baianas têm estoques de doses zerados

Outros 134 municípios já usaram 90% ou mais das ampolas recebidas 

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  • Marcela Vilar

Publicado em 16 de fevereiro de 2021 às 05:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

A vacinação contra o novo coronavírus caminha a passos lentos na Bahia. O motivo não é a falta de logística para enviar o imunizante para o interior ou insumos para aplicar a dose. O que falta é a própria vacina. De acordo com o painel de vacinação da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab), 77 municípios baianos já gastaram todo o estoque da vacina. Outras 134 cidades, incluindo Salvador, já usaram, pelo menos, 90% do armazenamento. Até então, a Bahia já usou 85,1% das 439.980 doses distribuídas pelo governo do estado – ou seja, mais de 374 mil delas foram aplicadas. 

Sem data definida para que o novo lote chegue, o plano de imunização em quase metade dos 417 municípios da Bahia segue sem avanço. Não se sabe quando, nem quantas doses irão chegar. Na última sexta-feira (12), o prefeito de Salvador, Bruno Reis, afirmou que a estimativa era a de que 400 mil doses chegassem ao estado até o dia 23 de fevereiro, mas que 200 mil ficariam retidas para a segunda dose.  

Já o Instituto Butantan, em São Paulo, um dos responsáveis pela produção de uma das vacinas no Brasil, a Coronavac, informou ao CORREIO que a partir do dia 23 de fevereiro começará a entregar 600 mil doses por dia ao Ministério da Saúde. O Ministério, em seguida, fará a distribuição para os estados, os estados enviarão para as 31 Diretorias Regionais de Saúde da Bahia e cada município buscará suas doses. Ou seja, vacina no interior da Bahia só deve chegar no dia 25 de fevereiro.  “A gente fica à mercê do Butantã ou da Fiocruz liberarem a vacina, para liberar para o Ministério da Saúde, que libera para os estados. Se eu recebo a vacina de manhã, de tarde já estou vacinando, mas não tem vacina. Só vamos ter lá para o fim do mês. Infelizmente, é isso. É triste, mas, é verdade”, conta o secretário de saúde de São Felix, Renato Batista.A cidade, na região sul do recôncavo, tem pouco menos de 15 mil habitantes e já gastou todas as 315 doses que recebeu desde a última sexta-feira (12). No painel da Sesab, constam 372 doses recebidas e aplicadas, mas o secretário garante que o número está incorreto.  

Com a vacinação interrompida, o clima é de cobrança: “A gente tem tido muito jogo de cintura para conversar com a população, que até que está entendendo. Só que a gente nunca sabe quando vão entregar novas doses e em que quantidade, é uma coisa muito abstrata. O pessoal está cobrando muito, e com razão. Mas nós dependemos de quem produz a vacina”, afirma o secretário.

Até então, foram vacinados profissionais de saúde, idosos acima de 90 anos e o município aguardo novo lote para poder vacinar as pessoas entre 87 e 89 anos. O secretário, que tem 78 anos, só não está mais ansioso para chegar sua vez porque já pegou covid-19. “Vai chegar minha vez, mas tenho que olhar mais a comunidade, porque já tive covid e meu IGm ainda está presente”, contou.

Em Itapetinga, no Centro-Sul da Bahia, as vacinas acabaram na quarta-feira da semana passada (10). Ao todo, o município recebeu 2.240 doses – 1.610 da Coroanav e 630 da de Oxford. Não há previsão de chegada de novos imunizantes.“O clima é de tensão e insegurança. Com o término da vacina, a busca continua nos postos e os pacientes saem bem frustrados, mesmo com todos os esclarecimentos sobre quantidade recebida, quantidade esperada e logística nacional das vacinas”, expôs o prefeito de Itapetinga, Rodrigo Hagge.Até agora, foram vacinados 1325 profissionais de saúde, 60 idosos de abrigos e 855 idosos acima de 80 anos. A segunda dose, para os primeiros 860 profissionais de saúde que se vacinaram primeiro, começará na quarta-feira (17),  

A secretária de saúde de Ibicuí, Cheila Sueide, indica que todas as 465 vacinas que chegaram na cidade foram usadas até a última sexta-feira (12). Para o avanço das fases de imunização, a prefeitura só depende da vacina.  “A gente só está dependendo de as vacinas chegarem em Salvador. As pessoas até compreendem que falta vacina e à medida que estão chegando, imediatamente chega para nós aqui no interior. Mas muitos ficam perguntando ‘quando é minha vez?’. É difícil explicar, porque são etapas dentro de etapas, onde existem os idosos acima de 90, 80 anos, os acamados e os funcionários da linha de frente”, explica a secretária. Dos 465 vacinados, 233 foram profissionais de saúde e 232 idosos acima de 80 anos.  

No Capão, na cidade de Palmeiras, que tem cerca de 9 mil habitantes, o estoque acabou também na última sexta-feira, sem perspectiva de encher novamente. “Não informaram para a gente quando vamos receber, disseram apenas que vão fornecer, mas não falam em datas nem em números. Todas as vezes que a gente recebe é assim, às vezes vem 30 doses, outras vezes vem 60, depende do momento”, diz o secretário de saúde de Palmeiras, Walney de Paula.  

Se dependesse dele, a população já estava toda vacinada. “O planejamento existe desde quando começou a falar que as vacinas viriam. Se chegassem hoje 10 mil doses, já tinha planejamento para vacinar a população inteira, tenho tudo organizado, mas estou dependendo da vacina que não chega", relata de Paula, que já trabalhou nas campanhas de vacinação de sarampo e H1N1 do município. São 200 vacinados, sendo 108 profissionais de saúde, 45 idosos acima de 90 anos e até, então, 47 pessoas entre 87 e 89 anos. A aplicação da segunda dose começa nesta quarta-feira (17).  

Em algumas cidades, como em Senhor do Bonfim, o armazenamento de doses está quase no final. Já foram aplicadas 2.419 das 2.469 vacinas recebidas, ou seja, 97,6% do total. A enfermeira Luciana Gomes, responsável pelo plano de imunização, reclama da demora para o avanço das fases. “O problema é que está muito devagar e não está suprindo a necessidade da população. As pessoas estão indo nas unidades de saúde e não estão encontrando vacina, porque quando fala que está vacinando idoso, o de 70 anos quer tomar, o de 80 quer tomar, aí fica difícil. O pior é que a vacina está vindo por pedaço e a gente não tem o que fazer. É muita gente para pouca dose”, desabafa Luciana.  

A enfermeira conta que grande parte dos trabalhadores de saúde ainda não foram vacinados. Dos 2.262 que existem no município, somente 1.700 foram imunizados. “Não tem um calendário e eles estão liberando a vacina semanalmente. É complicado para a gente trabalhar, você não tem previsão e não pode fazer um planejamento porque não sabe quantas doses são e quantas vão chegar”, critica. Foram vacinados 864 idosos em Senhor do Bonfim, cidade com quase 80 mil habitantes, 1.554 profissionais de saúde e um indígena até o momento. A dose de reforço começará a ser aplicada amanhã. 

Em Salvador, a aposentada Atinaira Cunha, de 76 anos, não vê a hora de chegar a sua vez de receber a vacina. “Estou aguardando ansiosamente que chegue meu dia. Vou ficar mais tranquila sabendo, mas sabendo que a gente tem que continuar com todos os cuidados enquanto a maioria da população não for vacinada. Estou aqui na esperança de que daqui a um mês já haja uma produção maior para a vacinação ir fluindo e aos poucos a gente ter mais tranquilidade”, desabafa Atinaira. A quarentena da aposentada é “sem neura”: sai às vezes, por necessidade, mas sem esquecer os cuidados. “Estou sempre me preservando, com minha máscara, meu álcool em gel. Não tenho neura de ficar trancada em casa, mas não estou me expondo”, narra.  

Até às 9h da manhã de ontem, a capital baiana só tinha em estoque 5.461 doses. No início da tarde, até às 15h, o número estava em 3.612. Já à noite, até às 19h, o estoque contava com 3.286 doses. A secretaria de saúde de Salvador disse que não havia como prever até quando durariam, porque a demanda é espontânea. Foram 113.368 pessoas vacinadas até agora na cidade, sendo 30% mulheres e 70% homens. Dos mais de 113 mil vacinados, 24% são idosos e 76% são trabalhadores de saúde. A faixa etária que mais recebeu doses foram pessoas de 30 a 39 anos.  

Especialista

Para a infectologista Anne Galastri, especialista em vacinas, o uso total das doses em estoque não é problema, mas a pouca quantidade de imunizantes disponibilizados. “É um bom sinal, significa que a gente vacinou toda a população que poderia ser coberta nesse momento. O que precisa é vacinar o maior número de pessoas no menor tempo possível. O que gostaríamos é que tivéssemos mais vacinas chegando, porque com mais doses disponíveis, mais pessoas vão ser vacinadas e essas pessoas vão ter uma redução da gravidade da infecção. Vamos ter menos pessoas internadas, menos pessoas nas UTIs e menos óbitos por covid”, esclarece a especialista.  

Galastri ressalta ainda que não há problema em ficar algumas semanas sem imunizar. “Não vai haver um cataclisma. O que a gente sabe é que quanto mais doses, melhor é. Não ter a vacina vai ser o que a gente já tem”, pondera. A infectologista também diz que independente de imunizantes, é preciso manter os cuidados exigidos dos protocolos sanitários. “Independentemente de estar vacinado ou não, as medidas de distanciamento, higienização das mãos e uso de máscara devem ser mantidos porque a vacina não previne de ter a doença assintomática e não transmitir, a gente ainda não sabe”, orienta.  

Ela não descarta, contudo, que novas variantes possam surgir, assim como acontece anualmente com o vírus da H1N1. Em relação à cobertura das vacinas às variantes, Anne afirma que os estudos ainda são preliminares. No caso da vacina de Oxford/AstraZeneca, uma pesquisa de pequena escala na África do Sul apontou que a proteção era limitada para a nova cepa. Já a Coronavac, em um estudo conduzido no Reino Unido, indicou que não houve mudança na eficácia. “Pela tecnologia utilizada na coronavac, do vírus inteiro inativo, sugere que provavelmente você terá uma imunidade com mais de um tipo de antígeno e isso protegeria das outras variantes”, tranquila a médica. 

Sesab e MS

A Sesab informou que não se trata exatamente de interrupção da vacinação, mas falta de doses. O público-alvo da primeira fase somam 1,8 milhões de habitantes na Bahia e o estado só recebeu do Ministério da Saúde (MS) doses suficientes para alcançar pouco menos de 440 mil pessoas. 

O Ministério da Saúde informou que “está trabalhando em todas as frentes para garantir que a vacinação contra a Covid-19 seja realizada de forma ágil, segura e igualitária”. A pasta garantiu que o Brasil tem 354 milhões de doses de vacinas para 2021 por meio dos acordos com a Fiocruz (212,4 milhões de doses), Butantan (100 milhões de doses) e Covax Facility (42,5 milhões de doses), mas não especificou quantas doses seriam para a Bahia ou quando enviaria novo lote.

O órgão também informou, por meio de nota, que “na medida em que os laboratórios disponibilizarem novos lotes de vacina, novas grades de distribuição e cronogramas de vacinação dos grupos prioritários serão orientados pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI), conforme previsto no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 e disponibilizados em Informes Técnicos enviados aos estados e Distrito Federal”. Até o momento, foram enviadas aos estados 11,1 milhões de doses da vacina contra a covid-19.  

*Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro