Velhos mestres: quase 20% dos professores baianos têm mais de 50 anos

Especialistas apontam para a falta de renovação da categoria, já que menos de 1% dos professores está abaixo de 24 anos, segundo Inep

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  • Priscila Natividade

Publicado em 12 de setembro de 2020 às 11:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Ilustração: Morgana Miranda/Estudio Grida

Professora de matemática de sete turmas na rede estadual, Norma Macedo é hipertensa, tem colesterol alto e é também pré-diabética. Além das comorbidades, a educadora tem 67 anos, destes, 16 foram dedicados à sala de aula, após abrir mão da carreira  na área de administração. “Continuo trabalhando porque gosto muito de ensinar e me sinto disposta. Apesar de não ter tomado nenhuma decisão ainda, não posso negar que eu tenho pensado em me afastar. Trabalho em salas com 40 alunos. Vai ser muito difícil evitar a contaminação pela covid-19”.

No meio da batalha onde as escolas pressionam pela reabertura, enquanto os pais brigam por descontos nas mensalidades e questionam a eficácia do ensino remoto, Norma já poderia ter saído da linha de frente e até pedir a sua aposentadoria, mas continua trabalhando. Ela é o retrato de um cenário que traz para o debate o potencial risco a que esses profissionais mais velhos podem ser expostos com o retorno às aulas presenciais na pandemia.

Especialistas alertam que os docentes estão se tornando uma categoria envelhecida, já que poucos jovens se sentem atraídos pela área de Educação. Ainda que a lei permita que estes professores se aposentem mais cedo em comparação a outras profissões, muitos são comprometidos com o propósito de educar, apesar da idade. 

“O jovem, em geral, não quer ser professor.  E existem várias razões para isso. Uma delas, evidentemente, é o salário. Um outro ponto são os contratos segmentados que os colocam em uma situação onde precisam trabalhar em vários lugares ao mesmo tempo para somar uma renda significativa”, analisa a professora visitante na Faculdade de Educação de Harvard e Diretora Geral do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV),  Claudia Costin. Ela integra também a Comissão Global sobre o Futuro do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT). 

Qual a idade desses professores?  Segundo os resultados mais recentes levantados pela Sinopse Estatística da Educação Básica do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), no último ano, quase 20% dos professores baianos, que atuam tanto em escolas privadas quanto na rede estadual e municipal de ensino, têm mais de 50 anos (18,8%). Só 0,7% dos educadores tem idade menor que 24 anos. Arte: Morgana Miranda/Estudio Grida Entre 25 e 29 anos, a estimativa não passa de 5,8%. A maior média de idade é entre 40 a 49 anos com 30%. Os com idade de 30 até 39 anos chegam a 26%. Ao todo, o estado soma 188.007 profissionais. Seis em cada dez, inclusive, são mulheres (66,6%).“Em comparação com outros países onde não existem leis que antecipem a aposentadoria desse professor, há uma quantidade  de idosos maior. Por outro lado, frente a renovação e ao pensamento de um processo de oxigenação constante da profissão, isso não existe ainda na categoria”, acrescenta Claudia Costin. A pedagoga Ivete Rodrigues, de 61 anos, é mais uma profissional que se encaixa no perfil. Ela atua como coordenadora na rede municipal de ensino, acompanhando as ações pedagógicas em sete escolas do subúrbio. “Não sei se as crianças vão entender a falta do aconchego e o distanciamento necessário,  se os funcionários vão conseguir dar conta da limpeza, e de como o emocional dos professores  vai ficar abalado diante deste novo normal”, afirma.

Onde mora o risco Antes da pandemia, a professora de Língua Portuguesa Joalêde Bandeira, de 57 anos, chegava a enfrentar salas com 52 alunos. Nas outras cinco turmas, tinha algo em torno de 40 estudantes por sala.“Sou asmática e hipertensa. O governo exige um relatório médico atualizado, mas não consigo marcar as consultas via plano de saúde. Logo, vou ter que trabalhar assim mesmo e rezar”.A aflição quanto às aulas presenciais da professora faz sentido, basta relembrar a experiência da retomada nas aulas no estado do Amazonas (AM), primeiro lugar do país a reabrir as escolas públicas, no dia 10 de agosto. De acordo com dados da Fundação de Vigilância em Saúde, 15 dias após a volta às aulas, 342 profissionais da educação testaram positivo para covid-19.

“Espero que as escolas pensem de forma realista a  implantação do ensino híbrido, a fim de que todos possam se resguardar e o ensino faça parte da era digital”, destaca a professora de Língua Portuguesa e Redação, Noelma Mascarenhas, de 54 anos. Ela trabalha na rede particular e municipal, tem pressão alta e está acima do peso.

A angústia acomete até mesmo os professores mais novos que apresentam doenças crônicas, como o professor de Língua Estrangeira, Abdon Mendes, de 38 anos. Cardiopata, ele dá aulas de Espanhol em 16 turmas da rede municipal. “O distanciamento ocorreria em uma, no máximo, duas semanas, depois seria  ignorado. No meu caso específico, uma arritmia pode acarretar em morte súbita”.

Idosos a partir de 60 anos e aqueles com comorbidades como diabetes, câncer, obesidade, doença auto imune, asma e outras doenças respiratórias são os que têm o maior risco de adoecer e morrer.“Os professores precisam ser preservados. Eles não podem retornar às aulas presenciais e devem ser mantidos na modalidade à distância. É importante ser solidário. Não são quaisquer profissionais. Estamos falando de professores, fundamentais para a formação do indivíduo”, ressalta a professora do Instituto de Saúde Coletiva da Ufba, pesquisadora do Cidacs/Fiocruz e uma das coordenadoras da Rede CoVida, Maria Glória Teixeira.Medidas De acordo com a Secretaria Municipal de Educação (Smed),  os decretos municipais 32.268/2020 e 32.770/2030 definem o trabalho remoto para os servidores em grupo de risco, entre eles os profissionais de educação. Vinculados  à Smed, há 7.779 professores. A média de idade entre eles é de 47 anos. Conforme o órgão, do total, 399 estão ativos em sala de aula e são considerados grupo de risco. 

Já a Secretaria de Educação do Estado (SEC) não se posicionou quanto às medidas que serão adotadas para manter esses profissionais afastados do ensino presencial, nem forneceu dados sobre os que integram o grupo de risco.

A Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) informou que o protocolo elaborado para o retorno prevê a manutenção dos professores que estão no grupo de risco na modalidade online.“Se o médico disser que esse professor é grupo de risco ele não vai poder trabalhar presencialmente, mas vai ter que trabalhar remoto”, pontua o presidente da entidade, Ademar Batista.

O Sindicato das Escolas Particulares da Bahia (Sinepe-BA) pretende apresentar uma proposta para a Prefeitura de Salvador, pedindo que a volta às escolas seja opcional, por parte dos pais, como adianta o diretor do Sinepe, Jorge Tadeu. “Com isso, preservamos as crianças, o professor e as escolas enquanto empresas”.

O Grupo de Valorização da Educação (GVE) argumenta que já começou a fazer um levantamento de informações sobre seus profissionais.“Estamos organizando o retorno, mantendo esses professores em trabalho remoto. Substituir um professor experiente é algo muito complicado e complexo. os mais novos, geralmente, chegam sem nenhuma vivência prática”, diz o representante do coletivo que une mais de 60 escolas particulares de Salvador e Região Metropolitana, Wilson Abdon. É hora de voltar? Governo do Estado e Prefeitura de Salvador não chegaram  a anunciar qualquer data prevista para a reabertura das escolas, nem mesmo a divulgar um protocolo com parâmetros de retomada para essas atividades. Porém, os 10 mil alunos da rede municipal da cidade de Brumado, no Oeste da Bahia, devem retornar às escolas, a partir do dia 21 de setembro. Se a decisão do prefeito da cidade Eduardo Vasconcelos (PSB) for mantida até lá, Brumado será o primeiro município a permitir as aulas presenciais, suspensas desde março.

A medida vai contra o decreto governamental que determina que as escolas se mantenham fechadas até 13 de setembro. “Não houve diálogo [com o governo estadual], mas se o município está seguro não vejo porque não retomar. Na rede estadual, vamos esperar um pouco mais, até porque não posso voltar por município. Se pudesse, eu já teria anunciado o retorno”, comentou o governador Rui Costa.

O coordenador geral da Associação dos Professores Licenciados do Brasil Secção da Bahia (APLB), Rui Oliveira, garante que nenhum professor vai retornar às escolas sem a segurança exigida pelo protocolo elaborado pela entidade.

“Temos discutido com o Governo do Estado e com as gestões municipais para tentar transformar esse ano em atividades remotas e alternativas. Já perdemos, inclusive, diversos dirigentes sindicais para a covid-19, como a professora Clarice, que foi diretora da APLB. Qualquer que seja a tentativa de ter aulas presenciais entraremos em greve”.

O coordenador Geral do Sindicato dos Professores da Rede Particular de Ensino no Estado da Bahia (Simpro), Allysson Mustafa, concorda. Entre os professores sindicalizados, 30% tem idade acima de 50 anos.

“Somos contra o retorno às atividades presenciais sem vacinação, sem segurança plena. Não podemos negar a possibilidade de entrar em greve. Entretanto, uma greve diferente, em que não haveria a negação à oferta do serviço, com professores mantendo atividades remotas e a garantia dos dias letivos”, defende. 

Leia também: Quem tem coragem de voltar às aulas?

Coordenador de projetos da organização sem fins lucrativos Todos Pela Educação, Ivan Gontijo propõe que o retorno seja negociado.“Como vamos apoiar esse professor que, consequentemente, irá apoiar os estudantes? Se queremos que os estudantes sejam cuidados, teremos que cuidar do professor antes”, analisa. Enquanto isso, o professor de matemática, Cláudio Barreto, de 49 anos, pede cautela. “Trabalho na escola pública e privada e seja qual for a rede, vai ser complicado para o professor controlar o comportamento dos estudantes. Sou hipertenso e estou com o teor de açúcar elevado. Permaneço em casa, evito sair. Eu não me sinto seguro para retornar à escola”. 

Sinepe-BA defende retorno optativo  Uma pesquisa feita pela direção do Sindicato das Escolas Particulares do Estado da Bahia (Sinepe-BA), junto aos afiliados, apontou que, a depender da instituição de ensino, de 15% a 40% dos pais de alunos se mostraram favoráveis à reabertura das escolas. Segundo o diretor da entidade, Jorge Tadeu, o interesse maior foi por parte de quem tem filhos na Educação infantil, algo em torno de 20%.

“São pessoas que precisam trabalhar. Além disso, há também a questão da dificuldade em promover a educação infantil via remota. São momentos preciosos que estão sendo perdidos para essas crianças por conta da manutenção das escolas fechadas”, argumenta.

O resultado desse levantamento vai fazer com que a entidade se mobilize para apresentar à Prefeitura de Salvador uma proposta de retomada das aulas de maneira gradual e optativa, por parte dos pais destes estudantes.

“A prefeitura precisa deixar que as pessoas tenham a liberdade para decidir se querem voltar. Claro, que de forma gradativa e atendendo a todos os protocolos de segurança importantes para evitar a contaminação pela covid-19”, complementa Tadeu.

Flexibilização Até o momento, o prefeito de Salvador, ACM Neto, tem afirmado que não há qualquer previsão de data para a autorização da volta às aulas. Na capital baiana, o processo de flexibilização foi dividido em três fases, com a ativação por etapas, relacionada à taxa de ocupação de leitos de UTI para tratamento de covid. Shoppings, drive-ins, igrejas e comércio de rua foram reabertos no final do mês de julho.

Em seguida, vieram os bares, restaurantes, salões de beleza, academias e museus. Mais recentemente, na última semana, foi liberada a reabertura dos cursos livres como, por exemplo, os de idiomas. As praias e as instituições de ensino não entraram no plano de retomada em Salvador.