Vender lanche e parcelar em 15 vezes: fiéis se preparam para canonização de Irmã Dulce

Cerimônia ocorre em outubro, no Vaticano

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  • Thais Borges

Publicado em 2 de julho de 2019 às 05:18

- Atualizado há um ano

. Crédito: Data da canonização foi anunciada em entrevista coletiva no Santuário de Irmã Dulce (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)

Assim que chegou ao Santuário de Irmã Dulce, no Largo de Roma, na manhã da segunda-feira (1º), a professora Vilma Rodrigues foi até o túmulo da Capela das Relíquias. Tinha um pedido que só poderia ser feito ali. Ajoelhada, fez uma oração. “Eu disse: ‘minha santa, a senhora conhece minha situação financeira. Sabe que só com uma sorte para eu conseguir ir, mas esse é o desejo do meu coração”, revelou. 

Vilma estava se antecipando. Voluntária da liturgia, sabia que a segunda-feira, logo o começo do mês de julho, seria um dia histórico para a Bahia e para o catolicismo brasileiro: quase dois meses após a confirmação de que Irmã Dulce seria proclamada santa, o Vaticano anunciou a data da canonização da primeira santa nascida no Brasil. Logo nas primeiras horas desta segunda, o dia estava marcado: 13 de outubro de 2019. 

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Enquanto o Vaticano fixava a data por lá, aqui, em Salvador, às 7h30, as Osid anunciavam, em entrevista coletiva no próprio santuário, as datas do calendário. Juntos, o arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, dom Murilo Krieger, e a superintendente das Osid, Maria Rita Pontes, apresentaram o cronograma à imprensa e, pela primeira vez, o segundo 'miraculado'. Alvo do milagre que selou a canonização de Irmã Dulce, o maestro José Maurício Moreira, 50, contou detalhes sobre como voltou a enxergar após passar 14 anos cego.  O arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, dom Murilo Krieger, fez o anúncio em uma entrevista coletiva, ao lado da superintendente das Osid, Maria Rita Pontes (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) O anúncio foi o pontapé para que, a pouco mais de três meses da cerimônia, devotos já começassem a se movimentar para ir ao Vaticano. Isso, é claro, se já não estivessem se preparando. É o caso de Vilma, que faz parte de um grupo de mulheres que, desde maio, já planeja a viagem.“Ainda não sei como vou fazer, mas entreguei a Deus. Já viram que, hoje, as passagens de ida e volta ficam por volta de R$ 2,5 mil, mas podem aumentar um pouco”, diz Vilma.As próprias Obras Sociais de Irmã Dulce (Osid) contam, agora, com um setor que deve ajudar os fiéis que querem viajar para acompanhar a canonização de perto. A partir desta segunda-feira, foi implantada uma Secretaria da Canonização na estrutura da entidade. A secretaria vai ficar responsável por auxiliar todos os ritos do processo – inclusive, indicar empresas que vão oferecer pacotes para a viagem. 

“Não somos nós que estamos organizando (os pacotes). Como o trabalho é muito, a gente vai divulgar e vai ter um email, que é o [email protected], que vai informar a todos como vai acontecer”, explicou a superintendente das Osid, Maria Rita Pontes. Além do email, há um número de Whatsapp – (71) 99653-4995. 

Pelo menos duas agências de viagens pretendem lançar pacotes especiais para a ida ao Vaticano. Até o fim da semana, os pacotes devem ser anunciados. No entanto, quem preferir cotar a própria viagem pode consultar sites de vendas de passagem e hospedagem. Em uma consulta rápida, o CORREIO localizou pacotes com voo e hotel por até R$ 3,5 mil, com saída no dia 11 de outubro e retorno no dia 15 de outubro. 

Quem for ao Vaticano no dia 13 de outubro poderá assistir à missa celebrada pelo próprio Papa Francisco. É somente a partir deste dia que Irmã Dulce será oficialmente chamada de Santa Dulce dos Pobres. No dia seguinte, 14 de outubro, o arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, dom Murilo Krieger, presidirá uma missa dedicada à Santa Dulce na Igreja de Santo Antônio dos Portugueses, em Roma, na Itália.

No Brasil, a primeira missa para Irmã Dulce será no dia 20 de outubro, em um local ainda não divulgado – a Arena Fonte Nova é um dos espaços cogitados. A celebração também será presidida por dom Murilo Krieger  

Vendendo lanche Assim como Vilma, a cuidadora Crispina Nascimento, 45 anos, ainda não sabe como vai conseguir juntar o dinheiro para viajar. No entanto, ela, que nunca foi para fora do país, já pensou numa lista de afazeres para arrecadar dinheiro.“Vou vender queimado, vou vender lanche na rua, tudo que você imaginar. Nunca vendo nada, mas preciso fazer dinheiro. Deus vai ajudar”, garantia Crispina, que é voluntária do santuário.  O grupo de amigas, incluindo Vilma (de azul), Crispina (quarta à esquerda), Rosemeire (quinta à esquerda) e Maria Cecília (de branco), já se planeja para ir ao Vaticano (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) É a mesma estratégia da estudante de Odontologia Maria Cecília Gomes, 21. “Vou vender muito cachorro-quente, toda semana. A gente faz barraquinhas de jovens nos eventos que tem aqui”, explicou a jovem, que representou Irmã Dulce durante o anúncio da data no santuário. A experiência já tem: com um grupo de amigos, conseguiu viajar para a Jornada Mundial da Juventude, em 2013, no Rio de Janeiro.  Maria Cecília representou Irmã Dulce durante o anúncio da data da canonização (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) A mãe dela, a professora Rosemeire Gomes, também não pretende ficar de fora do grupo. “Imagine nós, que nascemos aqui, e somos soteropolitanas iguaizinhas a ela. Já imagino a gente na canonização da primeira santa brasileira. Vai ser uma honra”, disse. Juntas, esperam conseguir pacotes de passagens mais baratos e até alugar um apartamento em Roma. 

Há sete anos cuidando da ornamentação do santuário, a voluntária Maria Neuma de Oliveira, 60, também acredita que estar presente no momento da canonização vai ser o auge da relação de devoção à Irmã Dulce. Maria Neuma já olhou preços: pretende viajar e dividir os custos em prestações (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) “Sempre fui católica, mas cresceu a paixão pelo trabalho dela. Tem um grupo de umas 10 pessoas interessadas em ir também. A gente dá um jeito, nem que seja parcelando em 10, 15 vezes”, contou, aos risos. 

A atual coordenadora do santuário, Roberta Daltro, 38, é outra que já está reunindo um grupo para viajar, entre amigos da Osid e familiares. Desde que soube do anúncio, em maio, tem pesquisado passagens. 

Vai ser sua segunda visita ao Vaticano; a primeira foi em 2011. Dessa vez, acredita que a emoção será outra. Roberta já visitou o Vaticano, mas acredita que a segunda visita será diferente: 'um momento único' (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) “O Vaticano é um lugar que desperta muita curiosidade, mas agora vai ser diferente. Eu fui lá conhecer de outra forma. Agora, vai ser um momento único”, opina. Objetiva No dia 13 de outubro, a cerimônia está prevista para começar às 10h (horário local). No mesmo dia de Irmã Dulce, outros quatro beatos serão canonizados: o cardeal John Henry Newman, fundador do Oratório de São Filipe Néri na Inglaterra; a fundadora das Filhas de São Camilo, Giuseppina Vannini; fundadora da Congregação das Irmãs da Sagrada Família, Maria Teresa Chiramel Mankidiyan e a Virgem Margherita Bays, da Ordem Terceira de São Francisco de Assis.

Mesmo com cinco canonizações, Dom Murilo Krieger acredita que a cerimônia será breve. As missas celebradas por Papa Francisco são conhecidas por serem objetivas. Por isso, a previsão é de que ela leve, em média, uma hora e meia. 

Durante a celebração, uma pessoa – que tem o cargo de prefeito da canonização – pedirá oficialmente pelo início da canonização. Em seguida, o papa lê o decreto. “Ele diz: ‘agora, declaramos e proclamamos que Dulce dos Pobres poderá ser levada à honra dos altares’. Normalmente, quem está lá explode em alegria”, adiantou dom Murilo. 

No dia 14, a missa que será presidida pelo arcebispo de Salvador e primaz do Brasil também deve durar uma hora e meia. A primeira missa para Irmã Dulce na capital baiana, porém, deve chegar a duas horas. A cerimônia vai contar com apresentações de artistas, além de uma peça musical liderada por 500 alunos do Centro Educacional Santo Antônio, em homenagem aos 60 anos das Osid. “Aquilo parecia um sonho distante para nós, e de repente, vamos ter uma santa da nossa época – que muitos tocaram, conversaram, colocada sobre nossos altares’. Isso vem desmitificar aquela ideia de que, para ser santo, tem que ser europeu, dos séculos passados. Vai ser alguém que andou em nossas ruas, atendeu nossos pobres”, comemorou o arcebispo. Primeira santa A partir de 13 de outubro, Irmã Dulce poderá ter, oficialmente, cultos e igrejas dedicados a ela. Seu dia litúrgico, porém, continuará sendo 13 de agosto, como foi determinado durante a beatificação. 

Para evitar confusões, será chamada também de ‘primeira santa brasileira de nossa época’, já que a primeira santa associada ao Brasil foi Madre Paulina, nascida na Itália. Enquanto a madre veio para o Brasil com nove anos, a freira baiana será a primeira nascida em território nacional. 

Sobrinha de Irmã Dulce, a superintendente das Osid, Maria Rita Pontes, está à frente da entidade desde a morte da religiosa, em 1992, foi uma das mais empenhadas no processo. Ao longo de 27 anos, batalhou pessoalmente pela canonização. “A sensação é de dever cumprido, missão cumprida. Missão dada e executada, mas os sonhos continuam. Ainda espero poder realizar muitos sonhos dela”, afirmou Maria Rita.O processo de canonização do Anjo Bom da Bahia foi o terceiro mais rápido da história da Igreja Católica – só fica atrás do Papa João Paulo II - que durou 9 anos - e de Madre Teresa de Calcutá – que levou 19.

Única irmã viva de Irmã Dulce, Ana Maria Lopes diz que, agora, a expectativa é de que a canonização ajude no crescimento das Osid. Em vida, a religiosa não gostava de ouvir sobre supostos milagres que aconteciam nos atendimentos da entidade. 

“Ela dizia: ‘que bobagem, deixa disso’. Ficava muito recolhida, muito escabreada. Ela não gostava de dar entrevista, mas via a necessidade para receber ajuda. Não gostava de publicidade para ela, só para a obra”, lembra. 

Turismo religioso Com a canonização, a expectativa é de que o turismo religioso em Salvador seja fortalecido. No mês passado, o CORREIO mostrou que o crescimento do fluxo de fiéis, devotos e turistas motivou a criação do Projeto Território Santo, cujo objetivo é fortalecer as atividades do turismo religioso no entorno das Osid. 

Além da Osid, a ação envolve o trecho da Igreja da Conceição da Praia até o Mosteiro de Coutos. A primeira etapa do projeto, contudo, é de Irmã Dulce até a Igreja do Bonfim. 

A iniciativa envolve entidades como a própria Arquidiocese de Salvador, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav), a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH) e a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). 

Também integram o projeto o Sindicato dos Guias de Turismo do Estado (Singtur), Unifacs, Câmara Empresarial do Turismo da Fecomércio (CET), Conselho Baiano de Turismo (CBTUR), Secretaria de Turismo do município (Secult) e moradores da região.

Juntas, as entidades têm desenvolvido atrativos turísticos, marketing turístico e infraestrutura e articulação institucional. Uma das propostas é a criação de um aplicativo de apoio ao turista religioso com mapas, listas de produtos e serviços.

Além disso, a ligação do Santuário de Irmã Dulce à Basílica do Senhor do Bonfim deve ficar pronta em 2020. Com investimentos da prefeitura da ordem de R$ 16,1 milhões, o trajeto de 1,1 quilômetro vai ganhar arborização, paisagismo, bancos e iluminação em LED. Ao longo do percurso, serão instalados 14 totens que vão mostrar momentos marcantes da vida de Irmã Dulce.