Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Da Redação
Publicado em 22 de outubro de 2022 às 05:00
Lula, Bolsonaro, horário político, ansiedade, taquicardia, camisas amarela e vermelha, angústia, insônia, debate, Brasil, futuro, insônia, tarja preta… Bum! A saúde mental explode. Que atire a primeira pedra quem não está vivendo uma tensão pré-eleitoral. Especialistas estão recebendo demandas bem atípicas: pessoas que procuram ajuda por conta deste turbilhão de emoções que precede o dia 30 de outubro, data em que conheceremos o vencedor das eleições presidenciais no país. Afinal, o que fazer para não surtar até lá?>
O grau de decadência na saúde mental segue um ritmo intenso até o ponto patológico. Irritação, ansiedade, tensão, medo e angústia são apenas alguns pontos perceptíveis neste período de guerra eleitoral. “A preocupação específica e intensa, como desta eleição, pode tomar uma dimensão patológica. Esta dimensão envolve ansiedade, que pode cursar para sintomas físicos, como palpitações, falta de ar, parestesias, tensão muscular e dores pelo corpo”, enumera o psiquiatra Antônio Freire, professor da faculdade Bahiana de Medicina. Não é só isso.“Esta disputa acirrada no pleito eleitoral, de voto a voto, traz uma sensação de tensão grande, de incerteza. Uma angústia. É perceber que não tem a segurança do que vai acontecer amanhã”, acrescenta o psiquiatra, que ainda relata o crescimento de atendimentos de pessoas abaladas com a política.“Tem um outro lado interessante: estas pessoas podem acabar recorrendo a substâncias psicoativas para tentar minimizar esta ansiedade, um automedicamento”, complementa Freire, que ainda diz ter recebido pessoas que também estão usando bebida alcoólica de uma forma mais acentuada, drogas ilícitas e medicações indutoras de sono como uma tentativa de diminuir a tensão e ansiedade.Funcionária pública, Mayra Nascimento tem sofrido com o que classifica de ‘preocupação gigante’. “Está tudo muito tenso, preocupante e tem dias que fico sem dormir direito, preocupada com o dia que ainda vai nascer. Uma coisa é depender de sua própria decisão, né? Outra coisa é esperar a resposta de milhões e milhões de brasileiros na escolha do presidente”, conta Mayra, eleitora de Jair Bolsonaro (PL). >
Para Mayra, toda esta tensão equivale ao início de uma separação de ideias. “A sensação que eu tenho é de uma ruptura. Ruptura com amigos, família e colegas de trabalho. Acho, inclusive, que deveria haver uma ruptura no país. Antes eu não entendia o motivo das guerras separatistas. Hoje, eu assino embaixo se este dia chegar aqui no Brasil. Água e óleo não se misturam”, lembra.>
Mesmo com a angústia, Mayra não se diz muito preocupada, caso o candidato contrário à sua opção vença. Mesmo que seja inconstitucional, ela acredita que os militares não vão permitir que o candidato petista assuma o poder. Este pensamento melhora a ansiedade dela.“Eu não acreditava que teríamos segundo turno. Achava que meu candidato venceria, mas me surpreendi. Vou acompanhar a apuração sabendo que pode acontecer de tudo. Estamos vendo o STF com diversas práticas inconstitucionais e acho que até dia 30 ainda tem muita água para correr. Sou a favor de uma intervenção [caso Lula vença]. Sou a favor de qualquer coisa que mantenha a ordem”, complementa Mayra. Esta ruptura citada por Mayra, no entanto, fere a Constituição.A jornalista Líliam Sampaio controla uma depressão grau três e seus principais medos eram de altura, de lugar estreito e lagartixa. Contudo, a lista aumentou.“Estou, desde o resultado do primeiro turno, com medo, ansiosa e angustiada. Piorou tudo. Tive uma crise semana passada. Todos os dias à noite, quando começa o horário político, sinto um troço estranho. Um pressentimento ruim, sabe? Sinto que nosso futuro está em jogo se o atual presidente continuar”, disse Líliam, que vota no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).É inegável que há um conflito nas relações, seja entre amigos, familiares ou colegas de trabalho. Estes conflitos também contribuem para o aumento significativo dos problemas psicológicos. Fizemos uma experiência bem simples, mas que comprovou tal afirmação.>
Experiência Colocamos os irmãos Fernanda e David Rocha num grupo de Whatsapp. Apenas eles dois e o repórter do CORREIO fazendo a mediação. A ideia era discutir a ansiedade neste período eleitoral e como manter a relação familiar, já que eles estão em lados opostos no voto.>
Com menos de cinco minutos de conversa, os dois já estavam batendo boca. “Eu fico mais puta ainda com vocês [bolsonaristas], rebanho de bostas achando que a bandeira do país só pertence a vocês”, disse Fernanda.“E você acha que os outros não tem nojo de você? O bem vencerá o mal. Estou conversando com vários empresários e eles estão super apreensivos com o resultado, ameaçando fechar as portas das lojas [caso Lula vença]”, rebateu David. O pau quebrou e decidimos encerrar com menos de 20 minutos.Fernanda Rocha ainda vive um dilema. Além do único irmão, seu marido e sua mãe são de direita. “O lado psicológico está bem tenso. Fico nervosa e incrédula com essas coisas que escuto e prefiro evitar qualquer conversa sobre política com eles. Nesse período [das eleições] até consegui ter algumas conversas saudáveis com David e outros parentes, mas, na grande maioria das vezes, eles são muito violentos, agressivos e não conseguem manter uma linha de conversa saudável”, disse Fernanda.>
Quando a relação se torna este turbilhão, especialistas sugerem algo extremo, mas necessário: dar um tempo. Não se trata de ‘cancelar’ o amigo ou familiar, apenas um afastamento temporário, enquanto a saúde mental estiver debilitada.“Um afastamento provisório é mais que recomendável. É saudável para ambos. Porém, é preciso enfatizar a palavra ‘provisório’. É uma tragédia a gente achar que não há conflitos nas relações. Este afastamento é apenas uma consciência de que a temperatura se elevou. Dê um tempo, mas não se afaste”, sugere Washington Oliveira, especialista em mediação de conflito familiar e interpessoal.O artista e músico Angelo Thomaz também tem este conflito em casa e decidiu dar um tempo. Ele vota na esquerda, mas seus pais, empresários, ficam à direita.>
“Eu cortei o diálogo sobre política. Descobri que vivemos realidades paralelas, com pensamentos ideológicos distantes. Eu perdi as esperanças de diálogo e isso é bem ruim, pois frustra e me deixa com muita angústia. Mas do lado de lá também está tenso. Meu pai me disse que está com muito medo, pois teme com o que vai acontecer com os negócios dele”, disse Angelo, que também teme a violência partidária nas ruas.>
“Se eu não falo mais com meus pais sobre política, imagine na rua. É medo mesmo. Eu assisti o último debate na casa de uma amiga. Depois, peguei um Uber, de madrugada. Ele olhou pra mim e disse: ‘estava vendo o debate? Quem foi melhor? Vai votar em quem?’. Eu gelei. A vontade que me deu foi abrir a porta e me jogar”, conta Angelo. Ele só se acalmou quando o motorista percebeu a angústia e disse que votaria no mesmo candidato dele. >
Segundo a médica psiquiatra Patrícia Portella, famílias inteiras estão procurando seus consultórios, em Vitória da Conquista e Salvador, se queixando de transtornos por conta das eleições.>
“Tem vindo famílias inteiras, principalmente idosos com quadros de fanatismo e agressividade na rua. Mas também vejo mães levando filhos mais jovens com transtornos graves, sem contar o consumo excessivo de álcool. É, sem dúvida, um momento bem atípico”, conta.>
Outro gatilho ativador de ansiedade é a excessiva pesquisa de intenção de voto. “Não estou tomando medicamento, mas sofro de transtorno de ansiedade geral. Preciso de muito autocontrole para não entrar em crise. E estas pesquisas, sem dúvida, são gatilhos sérios de ansiedade, principalmente porque a precisão das pesquisas está bem deficitária. As pessoas estão com vergonha de votar em um candidato X, né? Aí fala que vota em outro, chega na urna e votam em X. Assim fica difícil ser feliz”, indaga a atriz Jaque Vasconcellos.>
Boa parte das pessoas que conversamos estão evitando jornais, pesquisas e propagandas políticas. Sem contar o aumento no uso de medicamentos controlados.>
“Depois do resultado do primeiro turno, minha vida virou. Eu não dormi mais. Depois daquela apuração, percebi que não aguentava mais. São diversos gatilhos que atormentam a vida mental do brasileiro. Desde então, procurei um psiquiatra e estou fazendo uso de Fluoxetina, um medicamento para ansiedade e depressão. Eram crises e mais crises de choro. Estou finalizando minha primeira caixa [do medicamento]”, relata uma assistente social de 39 anos, que pediu para não se identificar.>
Surto coletivo O surto, de fato, é coletivo. Restando uma semana da grande final, digo, das eleições, dicas simples podem surtir efeito. Especialistas sugerem diminuir o fluxo de informações, principalmente aquelas que te deixam à flor da pele.>
Se quer militar, ‘milite’. Mas reconheça suas limitações. Não adianta mais tentar convencer aquele familiar que já decidiu em quem votar. É gastar energia à toa. Se distraia, procure atividades que ocupem o corpo e a mente.>
“Sugiro que as pessoas acompanhem as apurações ao lado de pessoas que lhe são agradáveis. Recomendo também evitar grandes expectativas. É interessante reconhecer que trata-se de uma escolha do coletivo, portanto, o indivíduo não tem um controle, e essa sensação de controle sobre o resultado pode levá-lo a manifestar sintomas de ansiedade. Direcionar o diálogo para outros assuntos durante a apuração também pode ser uma boa estratégia”, aconselha o psicólogo Vagner Nunes. Será que vamos conseguir manter a sanidade até lá?>
Melhore sua saúde mental antes, durante e depois das eleições>
Limites A militância é importante, mas já estamos há uma semana do pleito. Não se desgaste tentando convencer seu adversário que não vai mais mudar o voto dele. Vai gastar energia e paciência.>
Dê um tempo Caso tenha conflito com pessoas queridas que estão em lados opostos, um afastamento temporário pode ser bom para todos. Não é cancelar seu ente. Um tempinho, apenas. Caso não seja possível, pois ambos moram juntos, combinem de evitar discursos políticos.>
Offline Se a saúde mental já está bem debilitada, evite uso constante de redes sociais, grupos de discussão de política e pesquisas de voto. Vai te proporcionar ainda mais ansiedade. Se você faz militância, tente se concentrar na sua bolha e evite bate-bocas nas redes sociais.>
Outras atividades Pratique esporte, veja filmes, tente se distrair um pouco, pensar em outras coisas. Técnicas de respiração também são bem vindas. Tudo para evitar política 24 horas por dia. >
Se controle! Caso esteja incontrolável, procure especialistas, como psicólogos e psiquiatras. Não utilize medicamentos controlados sem acompanhamento médico e evite uso de outras drogas de forma acentuada, como álcool.>
Dia de votar No dia da eleição, tente votar cedo e depois se envolver em atividades prazerosas, como caminhar na orla, ir à praia, ao cinema. Aproveitar o dia com pessoas queridas.>
Apuração Acompanhem as apurações ao lado de pessoas que lhe são agradáveis. Também é recomendado evitar grandes expectativas. Se o coração estiver acelerado, tente fazer outra coisa que tire sua atenção das apurações. Se isole no cinema, por exemplo. >
Resultado Tente diminuir a emoção e buscar encarar a disputa como um belo exercício da democracia. Nada de pensamentos rígidos e catastróficos. Afinal, já sabemos que a disputa só terá um vencedor. Então, que vença o melhor para a nossa coletividade.>