Volta às aulas: quando há risco nas escolas

Manual elaborado pela Fiocruz põe em questão se os protocolos a serem adotados pelas escolas são mesmo suficientes

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  • Priscila Natividade

Publicado em 16 de agosto de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

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“Assino qualquer termo, mas minhas filhas jamais retornarão este ano para escola. Álcool em gel, máscara e marcações de distanciamento, para mim, não são suficientes. As crianças estão com saudade e a primeira coisa que vão fazer é abraçar os colegas. Não tem funcionário que vá conseguir conter isso”. Para a operadora de telemarketing e mãe das meninas, Ingrid, Ana Beatriz e Isabelle Senna, Juliana Senna, isso ainda é muito pouco para que as crianças retornem às aulas com segurança.

Alunas de uma escola pública no subúrbio de Salvador, elas cursam o 7º e 6º ano, respectivamente. Ainda que o investimento para adequar toda a estrutura das escolas chegue a cifras milionárias – inclusive, em instituições de ensino baianas – o fato é que Juliana não está convencida. “Eu não posso perder as minhas filhas para esse vírus”, reforça.

A lista de medidas que as escolas se comprometem a adotar, de modo a prevenir a contaminação pelo novo coronavírus parece pequena, diante das normas e diretrizes presentes nas 41 páginas do Manual sobre Biossegurança para a reabertura das Escolas no contexto da covid-19, elaborado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). 

O material tem como referência documentos de organismos internacionais como a Organização Mundial de Saúde (OMS), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC).

Lançada recentemente, a cartilha traz um modelo de checklist - sobre sinais e sintomas - de preenchimento diário por parte de toda a comunidade escolar e destaca aspectos de transmissão da doença.  Além disso, ela orienta campanhas de denúncias de fake news sobre o coronavírus, normas sobre condições dos banheiros e a gestão de resíduos sólidos na pandemia.

Coordenadora geral de Ensino Técnico da EPSJV/Fiocruz e uma das autoras do manual, Ingrid D'avilla observa que muitas normas demostravam fragilidade nos planos. “Os protocolos que vinham sendo apresentados - e  muitos dos que nós lemos - tratavam as  escolas como se elas fossem iguais a um comércio”.

No protocolo elaborado pela Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) constam, por exemplo, 17 itens descritos em cinco páginas.“É como se estas medidas, ainda que absolutamente necessárias, bastassem para reabrir as escolas. A retomada gera outra dinâmica  e se essa abertura não se der em contexto de controle da epidemia, podemos sim, colocar um conjunto de vidas em risco”, completa. Volta ou não volta?  A Fenep, no entanto, rebate o conteúdo do manual. “Tem um monte de entidades lançando documentos. O da Fiocruz é só mais um. O nosso plano traz os 17 itens que são fundamentais. Nenhum protocolo ou manual vai garantir que as pessoas não se contaminem”, afirma o presidente da entidade, Ademar Batista Pereira.

Pereira insiste que as escolas estão preparadas para retomar as aulas presenciais: “hoje nós estamos amarrados à escola pública que não quer voltar. É fácil defender para todo mundo ficar em casa se você não tem compromisso com o resultado e tem o seu salário garantido. A escola privada precisa se mexer”.

O manual da Fiocruz não é um mandatório, ou seja, as escolas não estão obrigadas a segui-lo, mas ele pode ajudar a nortear decisões. “A covid-19 está controlada no território? O sistema de saúde tem condições de garantir retaguarda assistencial, caso a gente tenha um aumento de ocorrências com a flexibilização? A vigilância em saúde pode rastrear a maior parte dos casos e contatos? Estas são três perguntas que devem ser respondidas, não pelas escolas, mas sim, pelas autoridades sanitárias dos municípios e estados”, defende Ingrid D'avilla.

Nas últimas semanas, o governador do estado, Rui Costa, e o prefeito de Salvador, ACM Neto, comentaram a questão da volta às aulas. Em entrevista, Rui reforçou que não há data definida, porém, as aulas devem passar a acontecer incluindo todos os sábados e com encerramento do ano letivo em fevereiro de 2021. Já ACM Neto destacou que o plano de reabertura só será pensado após a consolidação das fases de reabertura das atividades econômicas.

Preparação milionária Instituições de Ensino como as Escolas Sesi Bahia já começam a preparar a sua estrutura, aguardando as decisões do poder público. Os valores investidos na adequação de toda a rede ultrapassam, segundo a instituição, a ordem de R$ 2,8 milhões.

Nas dez unidades escolares baianas, destas, três instaladas em Salvador, as medidas incluem a aquisição de equipamentos de aferição de temperatura, ampliação do número de pias para higienização das mãos, álcool em gel disponível em todas as áreas, além do aumento da frequência de limpeza dos ambientes e equipamentos. Ao todo, são 7.784 alunos.“O maior desafio para a rede está nos espaços de aprendizagem experimental e colaborativa como laboratórios, quadras e bibliotecas. Buscaremos mitigar os impactos na aprendizagem com aulas remotas e uso de aplicativos e games”, indica a gerente executiva de Educação e Cultura do Sesi Bahia, Cléssia Lobo.No Villa Campus de Educação, na Paralela, serão duas enfermarias. A escola que tem 1,2 mil estudantes matriculados não informou quando gastou, mas um dos equipamentos será para ocorrências de rotina e outro, atender quem tiver alguma alteração detectada na triagem, como ressalta a ceo da instituição, Viviane Brito.

“O Villa conta com a assessoria de Roberto Badaró, médico infectologista, de referência nacional e internacional, para validar todas as ações. É nessa escola que aguardamos o retorno dos nossos alunos”.

Dados de uma pesquisa feita pelo Instituto Crescer sobre volta às aulas pós-pandemia avalia esse cenário de preparação das escolas. Realizada através de um formulário online, o estudo contou com a participação de 1.367 profissionais de educação de diferentes regiões do Brasil.

Na Bahia, quando perguntados sobre como será essa nova escola, mais da metade (52,4%) não tem ideia de como seguirá no ‘novo normal’. Porém, 70% disseram que estão fazendo investimentos em infraestrutura. “As instituições que estavam mais preparadas são as que saíram na frente e estão com uma visão muito mais positiva do processo”, destaca a organizadora da pesquisa, Luciana Allan.

Leia também: Quem tem coragem de voltar às aulas?

O Sindicato das Escolas Particulares da Bahia (Sinepe-BA) não tem dados de quanto as escolas estão gastando com essas mudanças. O diretor da entidade, Jorge Tadeu, não comenta valores, só confirma que entre os principais investimentos está a contratação de profissionais da saúde, aquisição de equipamentos e alterações nas instalações. “Todos nós teremos uma relação diferente com o ambiente físico”.

O Grupo de Valorização pela Educação (GVE) tem adotado a postura coletiva. Mais de 60 escolas de Salvador e Região Metropolitana integram o GVE. “Esse planejamento em grupo prevê tanto a aquisição de equipamentos via compra coletiva, quanto treinamento de pessoal. É uma maneira de reduzir os custos e possibilitar que as escolas possam ter equipamentos de segurança do mesmo porte”, pontua um dos representantes, Wilson Abdon.  

PROTOCOLO DA BAHIA AINDA ESTÁ EM FASE DE PLANEJAMENTO

Na última terça-feira (21), o estado do Amazonas foi o primeiro lugar do país a reabrir as escolas da rede pública e o que se viu foi aglomeração de estudantes, greve de professores e até selfies nas redes sociais de alunos sem máscaras.

E por falar em máscaras, nem mesmo o acessório obrigatório escapou de se tornar meme, por conta do tamanho do item que foi distribuído nas escolas que não se limitaram a cobrir parte do rosto, mas também os olhos. O Amazonas também foi o primeiro a liberar a reabertura das escolas particulares, desde seis de julho.

A Bahia, no entanto, ainda planeja a retomada. Quem confirma é Cláudio Furtado, um dos coordenadores da Frente de Trabalho do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), que elabora as diretrizes para os protocolos de volta. O documento leva em consideração recomendações de biossegurança apontadas por autoridades de saúde do Brasil e do mundo.

O secretário de educação da Paraíba aponta alguns dos principais pontos discutidos, principalmente, entre os estados do Nordeste:“Não tem como fugir do ensino híbrido (aulas remotas e presenciais). É ele que vai permitir que as escolas adotem o distanciamento. Estamos ainda pensando a questão dos ciclos (2020/ 2021), como uma alternativa para reforçar conteúdos comprometidos pela pandemia na série seguinte que o aluno vai cursar. Outro ponto é evitar a evasão escolar”.O presidente da seccional da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime-BA), Raimundo Filho, acrescenta que a velha escola não existe mais. “O rodízio de alunos na escola é a medida mais óbvia. O ano escolar de 2020 será continuado em 2021. Contudo, outros desdobramentos precisarão ser feitos, a exemplo do acesso à internet”.

Mundo  Uma pesquisa da Academia Americana de Pediatria e da Associação dos Hospitais Infantis, feita nos Estados Unidos, mostrou que a contaminação entre  crianças e jovens acelerou, depois do retorno das aulas no país.

Segundo o estudo, 97 mil foram infectadas só nas duas últimas semanas de julho. É mais que um quarto de todas as crianças e jovens contaminados desde o começo da pandemia.

Em estados como a Geórgia, uma escola teve as aulas suspensas e todo o espaço vai passar por desinfecção. Já na Flórida, sindicatos de professores pediram que as aulas presenciais não fossem retomadas. Em Miami, a opção é pelo ensino online. Chicago, no Illinois, e Los Angeles, na Califórnia, escolheram o mesmo.

Nova York foi o epicentro da contaminação  e concentra a maior parte dos estudantes em ensino público do país. Lá, a escolha foi pela a modalidade híbrida, ou seja, presencial e  online. Ainda assim, é possível continuar estudando somente em casa. Até o momento, 26% dos alunos optaram pelo ensino misto e 15% dos professores pediram para dar apenas aulas online.

VERDADE OU FAKE? 

Retorno às aulas Tanto o governador Rui Costa quanto o prefeito ACM Neto afirmam que não há data definida. Entretanto, nesta semana, o secretário de saúde do estado (Sesab), Fábio Vilas-Boas, disse que a volta às aulas deve acontecer em setembro ou outubro, ainda que ele tenha ressaltado que não é o responsável por definir a previsão. Apesar da especulação sobre várias versões e fragmentos que circulam nas redes sociais de um possível documento, o estado não tem nenhum protocolo de retomada consolidado. 

Revezamento De acordo com a Secretaria Municipal de Educação de Salvador (Smed), a fim de garantir o distanciamento mínimo entre alunos,  será necessário realizar o rodízio, na escola, para reduzir o tamanho das turmas.  

Ensino híbrido (aulas presenciais e online) Ainda com base em informações da Smed, o ensino híbrido vai ser adotado. A SEC não comentou. Porém, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), confirmou que o ensino híbrido vai estar presente nos protocolos que estão sendo construídos pelos estados, entre eles, a Bahia.  

Ciclo 2020/ 2021 A Smed planeja um ciclo contínuo 2020/2021 com o intuito de garantir a aprendizagem de todos os alunos da rede municipal. A SEC também não respondeu a este questionamento. O Consed adiantou que a adoção de ciclos não está descartada. Na prática, conteúdos que ficaram comprometidos pela pandemia serão reforçados no ano escolar seguinte.  

Reprovação A rede municipal garante que não haverá perdas para nenhum aluno. A rede estadual não informou como fica a questão da reprovação. Em entrevistas, o governador Rui Costa mantém a posição de que o ano letivo não está perdido.  

Testagem nas escolas Na rede municipal, será realizada medição de temperatura. Já na rede estadual, o governo já realizou testagem em massa de estudantes, professores e funcionários de escolas  nos municípios de Ipiaú, Uruçuca e Itajuípe, localizados no Sul da Bahia.   As unidades  das cidades Jequié, Ilhéus e Itabuna também passam por testagem. 

Infraestrutura A Smed não especificou quais são estas adequações, porém, confirmou que reformas estão sendo feitas. O governo do estado também disse que as escolas estaduais estão passando por intervenções como reforma de banheiros, inclusão de pias e área para passar álcool gel. Ventiladores e banda larga estão sendo instalados.  

Recesso escolar O governador do estado, Rui Costa, afirmou que o calendário vai incluir todos os sábados e o recesso de fim de ano.