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Da Redação
Publicado em 17 de novembro de 2021 às 13:59
- Atualizado há 2 anos
O caso dos turistas que ofenderam a baiana de axé Eliane de Jesus Sousa, 48, no Pelourinho, Centro Histórico de Salvador, na última segunda-feira (15), ganhou novos capítulos. Ela abriu queixa na Delegacia de Proteção ao Turista (Deltur), na tarde desta terça-feira (16), e prestou depoimento durante toda a tarde. O advogado dela, Marcos Alan da Hora Brito, irá processar os dois rapazes por cinco crimes: calúnia, injúria racial, injúria religiosa, difamação e racismo. Caberá à Polícia Civil, ao Ministério Público e à Justiça acatar as acusações. >
“A Polícia Civil vai vai investigar para tipificar os fatos, mas, de antemão, acreditamos que os fatos sejam qualificados como calúnia, injúria qualificada, no caso, injúria racial e religiosa, difamação e racismo, praticado contra uma pessoa, mas direcionado à toda a uma comunidade negra, além do racismo regional, atribuindo à uma baiana o título de preguiçosa. É um estereótipo construído socialmente que machuca profundamente”, acusa o advogado de Eliane, Marcos Brito. >
Na Lei Nº 7716/89, conhecida como a Lei do Racismo, a pena por discriminação racial tem pena de um a três anos. Se o crime for cometido “por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza”, como é o caso, uma vez que o fato foi divulgado pelas redes sociais, a reclusão aumenta: vai para de dois a cinco anos. Além disso, a defesa da baiana pretende pedir indenização por danos morais, por meio de ação civil, pelo uso da imagem dela e ofensa à personalidade da mesma. >
Leia mais: Baiana chamada de ‘preguiçosa’ e ‘macumbeira’ por influencer vai à Justiça>
Para Marcos Brito, o pedido de desculpas feito pelos dois turistas - um deles, identificado como o lutador e influencer Ludvick Rego - só piorou a situação. “O pedido de desculpas que eles fazem é à Bahia, ao pelourinho e ao povo baiano, eles não pedem desculpa a ela, e tentam justificar a intolerância religiosa praticada. Ao invés de pedir desculpas, ele a ofende novamente e ainda pratica, de novo, a difamação e calúnia, porque disse que ela o estava perturbando. Em momento nenhum, ela teve contato com ele. Ele mentiu”, esclarece. Eliane, que trabalha há dez anos no Pelourinho, relatou que nunca aconteceu uma ofensa como essa. Crédito: Paula Fróes/CORREIO. O defensor ainda alega que eles só fizeram confessar que tentavam ofender não só Eliane, mas todos os baianos e baianas. Nem ele nem a vítima buscaram contato com os ofensores. “A gente não tem interesse em ter contato, porque não cabe pedido de desculpas. A ofensa foi gravíssima por ter ocorrido, muito mais por ter sido gravada e muito pior pelo fato de eles terem divulgado nas redes sociais. Ou seja, eles cometem todos os crimes”, completa. >
Marcos Alan da Hora Brito também afirma que, se a delegacia não tiver celeridade em concluir o inquérito do crime, acionará diretamente o Ministério Público da Bahia (MP-BA). Nesta terça, a promotora de Justiça Sara Gama, do MP-BA, disse que há “ofensa em razão da origem pode configurar crime de racismo. Possível ato de intolerância religiosa também se encaixa na Lei n° 7661/89”. >
A Polícia Civil, procurada às 12h30 desta terça-feira (16), disse que não havia ainda boletim de ocorrência. Eliane, o advogado e familiares só foram prestar queixa por volta das 14h. Nesta quarta-feira (17), a Polícia confirmou o registro na Deltur.>
“Uma mulher de 48 anos registrou ocorrência na última terça-feira (16), na Delegacia de Proteção ao Turista (Deltur), no Pelourinho, relatando ter tomado conhecimento, por meio de redes sociais, de que foi alvo de ofensas racistas por parte de dois turistas. Os autores serão intimados e ouvidos em sede de inquérito policial, que já foi instaurado para devida investigação dos fatos”, informou o órgão, por meio de nota. Eliane disse estar "constrangida" e "revoltada" com a situação. Crédito: Paula Fróes/CORREIO. Relembre o caso Dois turistas, sendo um deles o lutador e influencer Ludvick Rego, postaram um vídeo onde aparecem atacando uma baiana no Pelourinho. Nas imagens, eles filmavam, de longe, a mulher enquanto faziam declarações preconceituosas.>
“Aquela baiana ali, ela tem cara de macumbeira?”, questionou um dos homens no vídeo. “Ela é baiana”, respondeu o outro. Em seguida, ele perguntou: “Ela é o quê?”. Respondendo à própria pergunta, ele emendou algo como “maconheira” ou "marmoteira". Durante a fala, houve uma interrupção. Depois disso, o veredito final: "Ela é preguiçosa", citando o estereótipo preconceituoso atribuído a baianos.>
Além disso, enquanto riam, um dos turistas disse que a baiana iria "roubar o seu axé". Já o outro, Ludvick, respondeu que ela “vai roubar o meu colar para ela”.>
Retratação O vídeo viralizou nas redes sociais, com baianos revoltados com a postura da dupla. Após o barulho, os dois, que são do Rio de Janeiro, gravaram um vídeo juntos, onde apresentam sua versão dos fatos.>
"Viemos aqui pedir desculpas ao povo da Bahia, Pelourinho e axé. Em nenhum momento quisemos ofender. Estávamos em uma brincadeira. Aquela mulher estava 'vendendo axé', e quem é da religião sabe que axé não se vende. Benção se dá", começaram.>
"Em nenhum momento quisemos denegrir a imagem da Bahia ou dos baianos. Também queremos deixar claro que a mulher não era vendedora de acarajé. Ela queria benzer minhas guias, vendendo axé. Foi aí que começou a brincadeira. Viemos pedir desculpas a todos que se sentiram ofendidos: baianos, povo do axé, vendedoras de acarajé", disse Ludwick.>
Já o outro homem reclamou de supostas ameaças que vem sofrendo, dizendo que isso "não precisa ocorrer". "Peço desculpas ao povo da Bahia, que amo e tenho muitos amigos. Desculpa a todos", pediu.>
Repercussão Em nota, Associação Nacional das Baianas de Acarajé se solidarizou com a vítima, mesmo que ela não seja uma baiana. "Alertamos a todo instante sobre a importância em não disseminar o racismo, preconceito e forma perversa de dar continuidade aos maus tratos que só geram dores e tristezas", começou o comunicado. >
"Viemos em público acolher essa senhora, que não é Baiana de Acarajé, mas ganha seu sustento no ponto turístico de Salvador com seu dom de cura com as folhas e boas energias, acolhendo baianos e turistas que solicitam seu serviço. Por tanto Senhor Ludvick e toda sua cúpula que compactua em continuar as chibatadas em nosso povo de negro, de axé e que ganha o sustento da sua família com trabalho digno, merece nosso total respeito e empatia, não vamos tolerar essa sua afirmação tão absurda e cheia de deboche. O Novembro Negro existe para que pessoas como você se eduque e busque dissolver o racismo estrutural para que o mesmo não seja reproduzido", disse a associação.>